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Estamos próximos de celebrar, em 2015, vinte anos das primeiras discussões sobre renovação de frota iniciadas pelo Governo Federal. Naquela época, quem levantava essa bandeira era a Ministra Dorothea Werneck, que ocupava a pasta da Indústria, Comércio e Turismo e propunha que os veículos mais velhos deveriam pagar mais imposto que os veículos novos, como salientou Janio de Freitas em editorial publicado em março de 1995 na Folha de São Paulo
Precisamos separar a questão em duas perspectivas diferentes. De um lado temos a retomada de uma discussão sobre a renovação da frota e de outro, precisamos estimular o debate sobre a manutenção da frota em circulação, assuntos que devem andar juntos e não podem estar dissociados.
Dizem que contra fatos não há argumentos e embora sem radicalismos, pretendemos apresentar alguns dados para colaborar na ampliação desta discussão sobre renovação e manutenção da frota.
Os dados oficiais sobre frota circulante, proveniente das fontes usualmente aceitas e utilizadas como ANFAVEA, SINDIPEÇAS, FENABRAVE e SINDIREPA e que servem como base para o modelo CINAU, apontavam para uma frota de automóveis e comerciais leves (até 3,5t de PBT – Peso Bruto Total, segundo critério ANFAVEA) em 1995 de 13,8 milhões de veículos.
Usando os mesmos critérios, a frota circulante em maio de 2013 perfazia 35,4 milhões de veículos na mesma categoria: automóveis e comerciais leves. Um salto de 156% em 18 anos, enquanto a população, no mesmo período, cresceu pouco mais de 20%.
Desta frota que é nosso objeto de análise, 29% tem menos de 3 anos de idade e o restante de 4 anos para mais. Ou seja, são 10 milhões de carros que, por definição, apenas podem fazer suas manutenções em concessionárias, pois ainda estão dentro do período de garantia ou na iminência de sair dela.
Para atender a essa frota existem, aproximadamente, 120 mil oficinas independentes de reparação, presentes em quase 100% dos municípios do país, e cinco mil concessionárias distribuídas, principalmente, nos grandes centros. As oficinas independentes são multimarcas enquanto as concessionárias são monomarcas.
Isso corresponde a 4% dos estabelecimentos dedicados a prestar serviços de manutenção automotiva, Ou seja, considerando-se apenas os números, os proprietários de veículos no país, até que acabe a garantia, não tem livre opção de escolher onde levar seus veículos para realizar as manutenções. Devem ir a uma concessionária para não perder a garantia, prazos de revisão e ter isso tudo anotado no manual do carro de forma reconhecida pelo mercado.
Assim, os veículos novos quase se igualam á frota circulante total em 1995 que tanto suscitava os primeiros movimentos em direção à renovação da frota. O mercado, que é livre e de ampla concorrência, reinventou o modelo de ascensão social auxiliado por políticas governamentais de desoneração fiscal e acesso ao crédito, gerando um estoque de veículos usados que se deprecia nas lojas independentes.
Assim, dentro do escopo da CINAU em fomentar e suscitar o debate saudável sobre o mercado de reposição, algumas dúvidas pairam sobre o tema:
- precisamos renovar uma frota que é nova ou garantir à frota circulante o pleno acesso a manutenção?
- se o caminho é a renovação da frota, quais os critérios para definir a “linha de corte”? Quais os benefícios que serão oferecidos aos proprietários? A abordagem será positiva, com bonificação justa ou punitiva, como a pretendida pela ministra em 1995?
- o que é mais nocivo à mobilidade urbana, tão em moda nas últimas semanas: carros “velhos” ou carros “novos” sem manutenção?
Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo mostram que um veículo parado por 15 minutos em uma via de alto trânsito gera 3 quilômetros de congestionamento, e mesmo após a retirada do veículo, o congestionamento represado demora a fluir. Não dispomos das estatísticas completas mas o que seria a causa do veículo parado: a idade ou a falta de manutenção? Apostamos na segunda hipótese.
Voltando às dúvidas elencadas, quais as políticas para a frota automotiva em todos os seus aspectos desde o uso e sua manutenção, suas inspeções e regras para circulação, parâmetros de licenciamento, regras e limites para desativação da frota, regras para desmonte e destinação de peças, política tributária e de incentivos para renovação?
A cada dúvida analisada, mais dúvidas aparecem.
De que adianta renovar a frota se os carros continuarão presos a fazer suas manutenções em apenas 4% dos estabelecimentos existentes?
Isso supondo que essas 5.000 concessionárias possam atender qualquer carro de qualquer marca em garantia, o que não é possível nem permitido.
Apesar dos esforços promovidos pelas montadoras e pelas concessionárias, sabe-se que o custo de manutenção fora das oficinas independentes é alto, e quando não o é, a percepção ainda continua.
Muita gente deixa de fazer as manutenções por conta desse fator. Mas também não podem levar ao seu mecânico de confiança, pedir-lhe para fazer a manutenção e ter isso anotado no manual de seu carro. Fazem isso, mesmo sabendo que essas manutenções não podem contar no histórico de seus carros. Não de maneira oficial.
Mas a questão não se esgota no ato de levar o carro para manutenção, é ainda mais ampla.
Envolve a questão de peças “cativas”, informação técnica, suporte técnico, treinamento, pois mesmo 56% da frota estando livre para fazer a manutenção onde desejar, a Rede de Oficinas enfrenta problemas com relação às questões postas.
É difícil encontrar oferta adequada de peças para carros novos – as ditas peças cativas. Encontrando-a, não é fácil obter informação técnica e/ou suporte para aplicar a peça no veículo e os fabricantes de veículos não oferecem treinamentos aos Reparadores Independentes.
E, repetindo, mais um detalhe: as oficinas independentes não podem anotar as manutenções nos manuais dos veículos. Isso além de proibido, não é reconhecido e invalida o documento.
Ou seja, uma verdadeira corrida de obstáculos para o dono do carro que deseja fazer manutenção de seu carro e seguir um plano de manutenção, anotando tudo o que foi feito, quando foi feito e quem fez.
E novamente retornamos às dúvidas. Se o veículo não cumpriu a manutenção, quais, então, são os critérios de avaliação para se determinar se um veículo deve ser descartado ou permanecer circulando?
Qual a definição e os parâmetros para definir um veículo como estando em fim de vida?
Uma vez um veículo sendo considerado em fim de vida, qual o incentivo para o proprietário entregá-lo e adquirir outro, aprovado, para circular?
De nada adianta condenar um veículo, destiná-lo ao desmonte se o proprietário continuar com maus hábitos no uso, na manutenção e conservação de um veículo.
Exemplos vindos do exterior podem ajudar no debate de ideias e ampliar a discussão, não só em relação ao mercado de reposição e seus agentes econômicos mas em relação à sociedade como um todo.
Especificamente em relação ao acesso às peças e às informações técnicas, o Alto Comissariado para Livre Concorrência da União Europeia elaborou e faz valer uma lei que faculta ao dono do carro fazer a manutenção de seu veículo na oficina que desejar, desde que a oficina atenda aos requisitos técnicos e legais para prestar tal serviço.
Como há concorrência, os preços são regulados pelo próprio mercado e ganha o negócio a oficina que oferecer o melhor serviço, o melhor preço, as melhores condições e que melhor atender às necessidades do proprietário.
Como a lei promove a livre concorrência, há fornecimento de informações técnicas, suporte e treinamento.
Nos Estados Unidos, o estado do Massachusetts tornou lei o direito do dono do carro levar seu carro onde ele escolher, desde que a oficina atenda aos requisitos técnicos e legais.
Na Europa este esforço ficou conhecido como Lei Monti, em alusão ao ex-primeiro-ministro italiano Mario Monti que na época presidia Alto Comissariado para Livre Concorrência da União Europeia, que em Maio de 2000 fez um discurso considerado provocativo em que propunha colocar o consumidor no banco do motorista, ou seja, utilizar as leis de proteção ao consumidor também em relação à propriedade de um veículo.
Nos Estados Unidos, essa bandeira é conhecida como “Right to Repair” (direito à reparação, numa tradução livre) e, dentre outros pontos, reafirma o direito do proprietário em reparar seu veículo e manter sua família em segurança, invoca a promoção da segurança do consumido ao permitir que tanto o proprietário quanto seu mecânico de confiança tenham acesso aos computadores que controlam o sistema e seus componentes que afetem a operação segura dos veículos e permite aos proprietários a livre escolha de uma oficina e das peças de reposição para manter e reparar seus veículos.
E aqui no nosso país, será que um dia teremos esse direito?
Lógico que, como todo direito, dele não é esperado ser ilimitado em detrimento deste ou daquele interessado. Mas se espera que seja justo, dando liberdade de escolha em relação ao lugar onde fazer a manutenção automotiva, respeitando a propriedade intelectual dos fabricantes em relação a suas tecnologias e permitindo a livre concorrência.
Ou seja, exceto os segredos industriais e patentes, qualquer reparador pode ter acesso à informação correta para executar a manutenção do carro de seu Cliente.
Voltando à renovação da frota, algumas iniciativas já começaram a aparecer no horizonte.
O Governo do Estado de São Paulo elaborou e pôs em prática um projeto de renovação de frota para caminhões. A meta era renovar 1.000 caminhões.
O funcionamento do Programa, exemplificado para a aquisição de um caminhão de R$ 150.000,00 era o seguinte:
• Caminhão - R$ 150.000
• +Seguro - R$ 22.500
• +Fundo Garantidor de investimento
• Prazo de 96 meses
• Prestação de R$ 2.059
• Carência de 6 meses
A operação totalizava R$ 206.580,00. O Governo Paulista cobria R$ 20,793 e o valor final era R$ 182.580.
O plano paulista previa atingir caminhões com 30 anos ou mais e a liberação do financiamento ficava subordinada à baixa definitiva do veículo junto ao DETRAN e à comprovação de que o mesmo havia sido entregue a uma empresa recicladora de veículos, com licença ambiental outorgada pela CETESB.
Pois bem. Apenas 80 caminhoneiros se inscreveram no Programa e, desses 80, apenas 24 conseguiram satisfazer às exigências e condições para terem acesso ao Programa.
Assim, fica claro que a questão é muito complexa para simplesmente ser decidida a portas fechadas, pois toca profundamente toda a Sociedade nos aspectos mobilidade, segurança, economia, propriedade, meio ambiente, saúde, indústria, serviços.
Do nosso lado, vamos continuar a propor o debate e as discussões sobre o assunto, que não se esgota no embate entre duas propostas distintas, mas que ao incluir a Sociedade na discussão, merece um espaço permanente de diálogo, incluindo os três poderes da República e nas três esferas: União, Estados e Municípios, sindicatos e associações, órgãos de classe e sociedade civil organizada, numa ampla discussão sobre o que temos e o que queremos.