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Em 2002 C.K. Prahalad e Stuart L. Hart publicaram um artigo na revista strategy+business em que alertavam sobre o potencial de negócios que estava na base da pirâmide econômica mundial: um contingente de aproximadamente 4 bilhões de pessoas com renda anual per capita de até US$ 1.500,00, o que contrastava com o topo da mesma pirâmide em que estavam entre 75 a 100 milhões de pessoas, com renda anual per capita acima de US$ 20.000,00
Alexandre Carneiro e Marcelo Gabriel*
Com essa demonstração matemática, empresas de diferentes segmentos econômicos passaram a enxergar oportunidades escondidas para esse estrato populacional e direcionaram seus esforços para atender a tal demanda, menor em valores unitários, mas gigante em valores absolutos. Para exemplificar, a venda de US$ 1,00 por pessoa por ano desse estrato, representa um acréscimo de US$ 4 bilhões ao faturamento das empresas.
No Brasil, também é possível notar um direcionamento estratégico para a base da pirâmide, seja por meio de políticas públicas de incentivo ao consumo seja por meio de revisões e adequações no portfólio de produtos das empresas, adequado a nova categoria de consumidores.
Porém, mais do que um simples entendimento do conceito, também é preciso avaliar que tal classificação não é estática. Se em 2005 a melhor forma de representar graficamente os estratos econômicos brasileiros (as famosas classes A, B, C, D e E) era com uma pirâmide, no final de 2011 a melhor forma é um losango, conforme pesquisa CETELEM-IPSOS publicada no boletim O Observador Brasileiro 2012 e apresentado na figura 1.
Independentemente de discussões sobre a eficácia e a eficiência dos modelos econômicos sustentados pelos governos federais nos últimos 20 anos, é inegável que a configuração do mercado consumidor brasileiro mudou e, muito provavelmente, não apresentará retrocessos em seu movimento de inclusão e aumento da base de consumidores.
Não pretendemos discutir qualitativamente como se deu, dá e dará esse avanço, porém não é possível ignorar seus efeitos.
E o que isso tem a ver com nosso mercado? Tudo!
O mercado de reposição se baseia na manutenção dos veículos em circulação. Observando a evolução da frota circulante brasileira de automóveis e comerciais leves (que são os utilitários com até peso bruto total - PBT de 3,5 ton; SUVs, furgões e vans) desde 1957, considerando o ingresso de veículos novos em janeiro e fevereiro de 2013 e o sucateamento dessa frota (3,5% a.a.) chegamos a um número de 36,3 milhões de veículos. Porém, 30% dessa frota têm mais de 24 anos. São os veículos fabricados entre 1957 a 1989, antes da chegada dos veículos LADA no Brasil, ou seja, veículos com maiores taxas de manutenção e reparo, mas que não fazem as manutenções devidas e recomendadas por critérios econômicos e financeiros.
Por outro lado, 20% da frota entrou no mercado entre 2010 e 2013 e ainda se encontra, em tese, no período de garantia oferecido pela montadora. Partindo desse raciocínio, seria lógico pensar que o mercado demandante na reposição é equivalente a 50% da frota circulante total ou 18,3 milhões de veículos (apenas automóveis e comerciais leves).
A partir dos dados disponíveis nas entidades oficiais como ANFAVEA, ABEIVA, FENABRAVE, SINDIPEÇAS e SINDIREPA, e com o uso de um modelo matemático desenvolvido pela CINAU, foi possível o desenvolvimento do gráfico abaixo, que mostra a frota circulante em 2013 em função do ano de ingresso dos veículos no mercado.
Analisando o gráfico podemos notar que a partir de 2006 o crescimento da frota é constante e linear e, hipoteticamente, contribui para o aumento da demanda de serviços na reparação automotiva. Mas será que de fato foi isso que ocorreu?
Obedecendo às leis de mercado que regulam demanda e oferta, a rede independente de reparação respondeu imediatamente ao aumento da demanda por serviços. Com a alteração da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) pelo IBGE em 2002 e a disponibilização desses dados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio do Programa de Disseminação de Estatísticas do Trabalho (PDET), a CINAU desenvolveu uma metodologia para coleta e análise dos dados disponíveis para a composição de um modelo estimativo da rede independente instalada no Brasil, denominada Rede, conforme apresentado no gráfico 2 abaixo.
Com base nesses dados, foi identificado um aumento mais significativo da rede a partir de 2006, conforme gráfico abaixo.
É importante salientar que para composição da rede, foram excluídas as empresas dedicadas a funilaria e pintura e concentramos nossas análises em oficinas d
e reparação mecânica.
Agora, imagine como ficaria um gráfico com as duas curvas apresentadas de forma simultânea! Para isso, utilizamos o conceito de número-índice, onde é possível comparar as variações percentuais de uma variável ao longo do tempo. Fixamos a base 100 para o ano de 2002, tanto para a frota quanto para a rede. O resultado está apresentado no gráfico 3 ao lado:
É interessante notar que as curvas, quando ajustadas para número-índice, começam a se comportar de forma muito similar, gerando até a ilusão de que são paralelas! Na verdade, apresentam o mesmo viés: positivo, e a mesma tendência: crescimento.
Não é interessante que 2006 volte novamente a ser citado? Podemos dizer que 2006 foi o annus mirabilis*1 para o mercado independente?
Ao pesquisarmos as bases de dados da CINAU, encontramos reportagem da CBN sobre o desempenho da indústria automotiva em 2006, que relata um aumento de 4% na produção, 7,5% na exportação e 11% de aumento nas vendas internas. Já o Anuário da Indústria Automobilística Brasileira, publicado pela ANFAVEA, aponta que 2006 foi o ano em que a participação da indústria automotiva no PIB Industrial brasileiro superou os 14,5%, maior taxa desde 1975, época do “Milagre Econômico”.
Fica uma dúvida no ar: se a frota cresce, se a rede aumenta proporcionalmente e com isso é factível estimar um equilíbrio entre frota e rede, como é possível explicar a queda de 8,7% no faturamento da reposição em 2012, conforme reportado pelo Sindipeças em fevereiro de 2013, em seu Relatório da Pesquisa Conjuntural de número 18? Teria sido 2012 o annus horribilis*2 para a reposição?
O que descobrimos ao perguntar à nos
sa rede sobre o volume de serviços executados desde 2009? Entre outubro de 2009 e dezembro de 2012 o faturamento médio mensal por oficina cresceu a uma taxa de crescimento anual composta*3 de 11,6%. Porém o número de passagens médias por oficina decresceu 5,2%, uma taxa anual composta. Por outro lado, o valor do ticket médio aumentou 19,4%, também em taxa anual composta.
Cabe salientar que desde 2009 a CINAU monitora de forma sistemática e contínua a quantidade de serviços executados nas oficinas mecânicas, taxas de ocupação (em horas e dias trabalhados), a origem das peças utilizadas em função do canal de compra, dificuldade em encontrar peças, na Grande São Paulo, escopo ampliado em julho de 2012 para incorporar todo o estado de São Paulo, reportado mensalmente no IGD – Indicadores de Geração de Demanda, instrumento validado e utilizado por entidades como GMA, SINDIPEÇAS e ANDAP, e também por algumas indústrias do setor da reposição.
Cabe aqui a pergunta: há contradição entre os números informados pelo Sindipeças e os números apurados pela CINAU? A resposta está incluída no IGD.
O que fica evidente na análise das séries históricas do IGD é o crescimento contínuo da concessionária como canal de compra de peças. Como referência, fixando-nos em analisar a série de 3 anos pregressos a partir de fevereiro deste ano, essa participação foi de 11% em fevereiro de 2010 e em fevereiro de 2013, está em 23%. Ou seja, em fevereiro de 2010 uma em cada dez peças utilizadas nas oficinas tinha como origem a concessionária e hoje, por volta de uma em cada quatro peças vem da concessionária.
Respondendo à questão acima, não há contradição! Há, sim, uma dinâmica de mercado em que sorrateiramente aparece um novo jogador no campo. Mas aí cabe a pergunta: Quem convocou esse jogador? A torcida ou o técnico?
Parece-nos que a torcida exigiu essa convocação. Em uma oficina, todo insumo é crítico. Um carro parado por falta de peça é um aborrecimento para o dono do carro, ocupa uma baia mais tempo do que o previsto no orçamento e promove perdas em função do custo de oportunidade, que significa a impossibilidade de aceitar novos serviços e retarda o cronograma de liberação e reduz a produtividade, lembrando que a jornada de trabalho da oficina já está fixada.
A concessionária não concorre no setor de serviços, pois tem uma limitação espacial e temporal. Antes, é comum vermos oficinas mecânicas que prestam serviço às concessionárias, principalmente para os novos entrantes que ainda não dispõem de uma rede autorizada bem distribuída no país.
Durante anos ouvimos a cantilena de que a ameaça para o setor de serviços automotivos era a concessionária. Ledo engano. Já em 10 de novembro de 2010, Sérgio Reze, então presidente da FENABRAVE, afirmou ao jornal Folha de São Paulo que as concessionárias têm capacidade instalada para atender apenas 25% dos carros representados pelas marcas. Ainda, na mesma reportagem, chamou-se a atenção à impossibilidade de atendimento, pois 17% dos donos dos carros em garantia não conseguiam agendar a primeira revisão e perdiam o beneficio.
No mesmo sentido, uma pesquisa recente da consultoria internacional Roland Berger veiculada no jornal O Estado de São Paulo em outubro de 2012, mostra o comportamento dos proprietários de carros novos. São 90% deles que deixam a concessionária após um ano de haver comprado o carro. E, depois de 3 anos, apenas 10% dos proprietários continuam levando seus carros à concessionária após o término da garantia.
Somados os fatos: 1) a concessionária não consegue atender a demanda por serviços, 2) os donos de carro procuram a rede independente ainda no período de garantia, 3) o aumento e a proliferação de marcas, modelos e origens na frota circulante, 4) a necessidade do mecânico em desocupar a baia para aceitar a crescente demanda e 5) o consequente custo do retrabalho se a peça recebida não for a correta, conduzem a aquisição das peças para canais mais eficientes. Essa eficiência pode ser medida por meio da disponibilidade, da variedade (sortimento) de itens cativos e ainda não disponibilizados e pela garantia da chamada “peça genuína”. Qual dos canais existentes responde melhor a essas necessidades?
A concessionária! O jogador escalado pela torcida e que satisfaz aos anseios do nosso losango econômico.
Então, voltando ao começo desta matéria, as concessionárias, voluntária ou involuntariamente, estão seguindo o conselho de C.K. Prahalad e Stuart L. Hart quando alertaram, em 2002, sobre o potencial de negócios que estava na base da pirâmide econômica mundial. No nosso caso, a base está na rede de oficinas independentes. É ela que gera a riqueza do setor.
*1 annus mirabilis, é uma expressão em latim que significa ano miraculoso.
*2 annus horribilis, é uma expressão em latim que significa ano horroroso.
*3 taxa de crescimento anual composta, é a taxa de crescimento ano após ano de qualquer coisa dentro de um período específico de tempo. É um número imaginário que descreve a taxa pela qual um fenômeno haveria crescido de forma linear ao longo do período observado.
Grupo Oficina Brasil anuncia mudanças na CINAU
A CINAU, divisão do Grupo Oficina Brasil responsável por inteligência e pesquisa de mercado passa a ser gerida por Marcelo Gabriel desde março de 2013. Profissional com mais de 20 anos de experiência no setor automotivo, Gabriel será responsável pelas novas iniciativas estratégicas da CINAU em pesquisa e geração de informações sobre o mercado de reposição brasileiro. Marcelo Gabriel é Doutor em Educação, Ciência e Tecnologia pela UNICAMP e professor em programas de pós-graduação stricto sensu (Mestrado/Doutorado) com experiência em métodos quantitativos e pesquisa de Marketing.
*Alexandre Carneiro: Gerente de estatística da CINAU
*Marcelo Gabriel: Gestor da CINAU