Notícias
Vídeos

Luxuoso e imponente, o Itamaraty ficou conhecido como “Palácio sobre Rodas”


Nascido a partir do Aero-Willys, o Itamaraty foi sinônimo de exclusividade além de ser um ícone dos veículos comercializados no Brasil nos anos 60

Por: Anderson Nunes - 13 de junho de 2014

Itamaraty tinha linhas clássicas que remetiam ao Aero-Willys

Lançado em abril de 1960, o Aero-Willys caiu no gosto do consumidor brasileiro graças a sua mecânica robusta e de simples manutenção. Três anos depois, num esforço para atualizá-lo, a Willys lançava o Aero 2600, com uma nova carroceria e melhorias em seu trem de força com a introdução de dois carburadores para alimentar o motor de seis cilindros em linha, além do novo câmbio de quatro velocidades com todas as marchas sincronizadas. Dois anos depois mais uma mudança estética foi efetuada e o carro ganhou uma nova traseira, além de perder as pestanas nos faróis dianteiros.

Apesar dos esforços dos engenheiros para manter o Aero-Willys atualizado, o modelo apresentava uma concepção de protejo antigo, datado dos anos de 1950, o que limitava mudanças mais profundas em sua estrutura. A concorrência também não era tão forte, pois modelos como Simca Chambord e FNM JK 2000 eram contemporâneos em idade de projeto ao Aero. Para dar sobrevida ao sedã, a Willys resolveu mudar o posicionamento mercadológico do Aero 2600, o transformando em um sedã de luxo voltado aos executivos e homens de negócios que em sua maioria viajavam no banco de trás.

Dessa tentativa de sofisticação tupiniquim foi apresentado em fevereiro de 1966 o Itamaraty, mesmo nome do palácio que abriga o Ministério das Relações Exteriores, localizado em Brasília. O nome foi dado pelo publicitário Mauro Salles, que na época era o responsável pela conta de publicidade da Willys.  Externamente, as marcas registradas do modelo mais refinado eram a grade frisada inteiriça (no Aero ela era dividida), nas laterais frisos cromados ladeavam as caixas de rodas e soleiras, no paralama dianteiro havia o logotipo “Itamaraty 2600”, por fim na traseira as lanternas na posição horizontal eram do tipo canelada e com pequenos ornamentos cromados. Já as rodas tinham calotas inteiriças cromadas e estreitas faixas brancas nos pneus.

O expoente máximo de luxuosidade estava no refinado interior com bancos revestidos em couro, acabamento em jacarandá maciço no painel e laterais de portas, que contavam com luzes de cortesia, e para os passageiros do banco traseiro havia facho de luzes direcionais para leitura, apoio de braço central, porta-revistas e acendedor de cigarro. No interior do capô foi adicionado uma manta anti-ruído. Na parte mecânica o dínamo era substituído pelo alternador da marca Wapsa (mais leve e eficiente), e o motor recebeu novos pistões e anéis, tudo para deixar o funcionamento mais suave. Com todos esses predicados a revista Quatro Rodas o apelidou de “Palácio sobre Rodas”, e para fazer jus a todo esse atributo de comodidade o preço a se pagar era de 11 mil cruzeiros, valor que na época dava para comprar quase dois Fuscas.


Itamaraty 3000, mais refinado
Em novembro de 1967, a Willys promoveu mais uma atualização estética com a inclusão de uma nova grade frontal feita de duas peças cromadas com o logotipo da Willys fixado ao centro. O nome “Itamaraty” migrou do paralama dianteiro para o centro do capô, além de estar presente nas colunas traseiras. Os faroletes que antes eram redondos passaram a ser retangulares. Na traseira as lanternas tiveram a área luminosa aumentada e as luzes de ré foram posicionadas próximas à placa de licença. As laterais receberam frisos cromados mais estreitos e as rodas ganharam novas calotas.

Internamente o painel ganhou uma nova disposição dos instrumentos, onde o velocímetro ficava em destaque ao centro e rodeado por outros quatro pequenos relógios, à esquerda estavam os manômetros do alternador e pressão do óleo, já à direita situavam-se medidor do nível de combustível e de temperatura do motor. Os bancos receberam um novo acabamento em couro e o carpete do assoalho passou a ser de veludo. Na lista de opcionais além do teto de vinil a novidade ficava por conta da oferta do sistema de ar-condicionado. A Willys foi o primeiro fabricante a oferecer tal equipamento em um modelo nacional.

O conjunto de ar-condicionado era fabricado pela própria Willys, usando um compressor importado da marca York, de 6 cv. Custava a bagatela para época de 1.500 cruzeiros. O sistema tinha uma montagem um pouco complexa, já que o condensador de ar era montado à frente do radiador e no porta-malas havia o evaporador, juntamente com dois ventiladores. Os quatro sopradores e defletores de ar estavam localizados atrás do encosto do banco traseiro. Os comandos para regular o ar-condicionado estavam localizados abaixo do rádio, eram dois botões rotativos, sendo o da esquerda para ligar os ventiladores nas velocidades alta e baixa e o botão da direito para regular a temperatura interna. Segundo o teste da revista Mecânica Popular de março de 1967, embora o sistema não fosse muito potente proporcionava um arrefecimento interno razoável aos ocupantes.

Na parte mecânica o aprimoramento ficou por conta do aumento de cilindrada, passando de 2600 cm³ para 3014 cm³, mas era anunciado como “3000”, como era expresso na plaqueta do lado direito do porta-malas. O acréscimo de cilindrada foi feito aumentando o curso do pistão que passou de 88,9 mm para 101,6 mm, isso permitiu um aumento substancial no torque indo de 19,6 m.kgf para 22,2 m.kgf. A potência saltou dos 110 cv a 4 mil rpm para 132 cv a 4.400 rpm. O antigo sistema de dois carburadores foi substituído por um carburador de corpo duplo DFV 444. O câmbio de quatro marchas sincronizado de relações curtas apresentava engates macios e precisos. 

Fim de uma era
Em abril de 1967, a Ford comprava as operações da Willys-Overland no Brasil. Num primeiro momento as empresas trabalharam separadas, mas já no fim daquele ano a Ford começou a veicular anúncio dessa nova ”parceria” com slogan do tipo – A união faz a força. Era só um rearranjo na linha de produtos, pois ainda em 1967 a Ford lançava o Galaxie, o primeiro e único carro de luxo full size produzido no país. Com isso a dupla Aero/Itamaraty foram rebaixados como modelos intermediários. Com a compra da Willys veio junto o futuro carro pequeno até então conhecido como Projeto M, lançado em 1969 tratava-se do Ford Corcel.
Em 1968, os modelos Aero-Willys e Itamaraty passaram a ter o nome Ford acrescido na carroceria. Para a linha 1969, a Ford anunciava nas propagandas que seu time de engenheiros havia introduzidos na linha Willys cerca de 405 modificações. Entre essas mudanças estavam uma leve alteração na grade dianteira, novos limpadores de parabrisa com uma área maior de varredura e novas calotas, todos os itens oriundos do Galaxie. Para baixar custos o jacarandá foi substituído por plásticos com padrão imitando madeira.

Na parte mecânica, o motor, virabrequim e eixo traseiro foram reforçados e as juntas de vedação aprimoradas. O disco de embreagem ficou mais resistente e o carro recebeu os freios do Galaxie (maiores e mais eficientes). A fixação dos amortecedores foi modificada para proporcionar ainda mais conforto e estabilidade, e o eixo traseiro ganhou maior diâmetro. Os motores passaram a declarar potências de 130 cv (motor 2600) e 140 cv (motor 3000). 

Ainda em 1969, o todo poderoso chefão da Ford, Henry Ford veio para conhecer os futuros Aero/Itamaraty, além do Galaxie para o ano de 1970. Tais mudanças na dupla da Willys afetavam a dianteira, com novos capôs, grades, faróis, para-choques e lanternas traseiras.  No departamento de estilo estavam dois Galaxies e quatro modelos da Willys, dois Aero e Itamaraty. Logo de início o patrão aprovou o novo visual do Galaxie e sem delongas reprovou o visual dos futuros Aero/Itamaraty, naquele fatídico 10 de fevereiro de 1969, os pioneiros modelos de luxo da extinta Willys teriam seu oxigênio cortado aos poucos. Para a Ford não compensava investir alguns milhões de dólares em dois modelos ultrapassados, já que eles tinham o moderno Galaxie para concorrer no segmento de luxo.

Pequenas alterações ainda foram efetuadas para o ano de 1971, com luzes de seta dianteira na cor âmbar, pequenos refletores tipo “olho de gato” nos paralamas traseiros e por último as calotas do Galaxie básico.  Sofrendo concorrência de modelos mais modernos como Dodge Dart e Chevrolet Opala, o canto do cisne para o Itamaraty chegou em agosto de 1971. Entre 1966-1971 deixaram a linha de produção 17.216 Itamaratys.
A Ford ainda reaproveitou a mecânica seis cilindros da Willys com algumas atualizações para seu futuro carro médio, o Maverick que seria lançado em 1973.

Zelo pelos veículos antigos
O reparador e restaurador Sergio Barone, ainda muito cedo já começou a ter contato com veículos antigos. Seu pai foi dono de uma loja de carros nos anos 60, localizado na Avenida Barão de Limeira, centro de São Paulo. “Lembro que quando criança meu pai aparecia com alguns veículos antigos lá em casa, como Chevrolets e Fords. Ficava encantado com aqueles enormes carros e seus cromados. Não me sai da memória o amplo interior e aqueles bancos inteiriços, típicos de carros norte-americanos”, lembra Barone.

Aos 16 anos foi trabalhar como ajudante de mecânico, e posteriormente descobriu o oficio da restauração. No momento ele está restaurando um Ford Maverick GT 1977 que logo ganhará as ruas.  O Willys Itamaraty 1967, que ilustra a reportagem, passa pelos cuidados do reparador Sergio Barone.
Barone explica que para os modelos da extinta Willys muitas peças mecânicas já são difíceis de encontrar, salvo exceção para o carburador DFV 444, pois esse tipo de carburador foi utilizado também pelos Ford Galaxie. O reparador diz que o proprietário de um modelo Itamaraty tem que prestar a atenção na base do carburador do Willys, um detalhe pequeno, mas que faz diferença no funcionamento do motor.

Como o motor original seis cilindros do Willys funcionava com dois carburadores, ao adaptar o carburador de corpo duplo os engenheiros criaram um espaçador entre corpo do carburador e coletor de admissão. “Caso essa base não esteja corretamente fixada prejudica a sucção do ar, com isso o motor passa a falhar, isso compromete a combustão principalmente dos dois últimos cilindros”, explica o reparador.

Lembranças de infância
O advogado Edson Fraga Moreira é um apaixonado por veículos antigos desde a adolescência. Ele lembra que na cidade de São Paulo na década de 70 circulavam ainda muitos veículos importados das décadas de 40, 50 e 60, que apesar de obsoletos ainda eram utilizados como táxis ou lotação nas mãos de particulares que trabalham com esse tipo de transporte público.

 

 

Em janeiro de 1967, aos 12 anos, Edson fez uma viagem memorável a bordo de um Ford Custom 1951 duas portas do seu tio Orlando Scarpelli até Santa Catarina. Foi nessa viagem que Edson começou a cultivar a paixão pelos modelos antigos. “Meu tio Orlando ficou com esse Ford Custom 1951, por volta de quatro anos. Volta e meia viajava de São Paulo a Santa Catarina com esse carro pela BR 02 (atual BR 116). O Ford nunca o deixou na mão e aquela viagem que fiz com o tio Orlando, definitivamente foi o ponto de partida para minha paixão pelos veículos antigos”, resume o advogado.

Ao tirar sua habilitação em novembro de 1973, Edson Fraga ganhou um Aero-Willys 1968, verde Martinica. Com esse Aero-Willys, Edson fez uma viagem com sua família de São Paulo a Blumenau. O carro se comportou muito bem, mas como já estava com mais de 110 mil km rodados começou a apresentar alguns problemas mecânicos e a sua manutenção começou a ficar cara e assim em 1975, o advogado comprou um Dodge 1800 0km. Mas a vontade de ter um Aro-Willys sempre foi mantida. Em novembro de 2011, após observar alguns Aero-Willys na feira de veículos antigos, no Anhembi, decidiu que era hora de realizar o sonho e ter outro Aero.
Após dois meses de pesquisa no início de 2012 foi encontrado o Willys Itaramaty 1967, que ilustra nossa reportagem. “Fui ver o carro pessoalmente e assim analisei suas condições gerais, fechei o negócio. Estava original e contava com a desejada placa preta”, relata Edson. O único problema que o veículo apresentava era o mau funcionamento do carburador de corpo duplo DFV. “Alguns ruídos internos serão sanados posteriormente”, disse odvogado. 

O Itamaraty chama a atenção por onde passa e é alvo constante de “tietagens” por parte das pessoas com mais de 40 anos que conheceram o carro no seu tempo áureo, como também é objeto de admiração da garotada que fica espantada com a quantidade de cromados e tamanho do Itamaraty.