Notícias
Vídeos

Ford Escort XR3, o esportivo que trouxe o nome do oval azul novamente aos holofotes


O Ford Escort em sua versão esportiva XR3 foi sonho de consumo de uma juventude durante duas décadas e até hoje atrai uma legião de fãs

Por: Anderson Nunes - 03 de dezembro de 2015

O visual aerodinâmico e a dianteira sem grade de refrigeração diferenciavam o XR3 dos demais Escort, o desenho agora estava em sintonia com o similar europeu

Apesar de toda turbulência política e econômica pela qual o Brasil iniciou a década de 1980, isso não interferiu no programa de novos lançamentos da indústria automotiva brasileira. A Ford foi uma dessas empresas que continuaram a investir numa nova gama de produtos, ainda no final dos anos 70. Em 1977, era o lançado o Corcel II, que nada mais era do que uma atualização do Corcel, apresentado em 1968 e que tinha como objetivo fortalecer a marca do oval azul no segmento dos médios.

No segmento de luxo, o Galaxie/Landau já não tinha mais como competir num cenário de gasolina cara e racionada. Assim, em maio de 1981, era lançado o Ford Del Rey. Nascido a partir do projeto Ômega, a ideia da Ford era criar digamos um Corcel diferenciado, voltado ao requinte a bordo. O novo Ford apareceu na forma de duas e quatro portas e em duas versões – Prata e Ouro. A versão Ouro era a mais completa, trazia novidades como as travas elétricas das portas com bloqueio para crianças nas traseiras e acionamento elétrico de vidros, requintes não disponíveis nem mesmo no Galaxie/Landau. Entretanto a marca registrada do Del Rey ficou por conta do console no teto que abrigava, além das luzes de leitura, um relógio digital com função de cronômetro num vistoso mostrador azul.  

Dessa forma a Ford já tinha dois produtos para concorrer em faixas distintas do mercado. Entretanto havia um porém: uma lacuna abaixo desses modelos. No início da década de 1980, com o advento do termo “carro mundial”, a ordem era compartilhar projetos e componentes em âmbito global para reduzir custos. Assim, a Ford começa no Brasil os estudos para a concepção de um modelo que iria atuar no segmento médio-pequeno. Ainda em meados de 1981, a diretoria da Ford do Brasil deu sinal verde para início do Projeto Zeta, o embrião do Escort de terceira geração, ou Mk III. 

O nome Escort 2.0i grafado em vermelho fazia alusão ao coração quente, nesse caso o AP 2000 com injeção eletrônica multiponto / As maçanetas embutidas seguiam a linha do grande sulco lateral, os vidros podiam ser fechados pela fechadura

Cia Santo Amaro foi uma das tradicionais concessionárias da Ford no país

Embora inédito aqui, na Europa o Escort (que significa companheiro ou escolta em inglês) já existia desde 1968, sendo que as gerações Mk I e Mk II tinham tração traseira. A terceira, além de ser produzida na Inglaterra, também foi vendida nos Estados Unidos com sutis mudanças em relação ao similar inglês. O Escort brasileiro foi apresentado em agosto de 1983, nos acabamentos básico, L e GL. Era idêntico no visual ao modelo europeu, chegou ao mercado em versões de duas e quatro portas (lançado em simultâneo, primeira vez no Brasil) e linhas agradáveis e elegantes, destaque para a pequena rabeta da tampa do porta-malas que formava um volume adicional, por isso ficou conhecido como “dois volumes e meio”. 

O baixo índice de coeficiente aerodinâmico para a época, com Cx de 0,39, também chamava a atenção e era o mais baixo entre os modelos nacionais. A grade de lâminas com função aerodinâmica também contribuía com esse baixo índice de arrasto. Os retrovisores de grandes dimensões eram algo que chamava a atenção, bem como a garantia contra corrosão, de três anos, a maior até então do País. Internamente o acabamento era cuidadoso e sem luxo. 

Mas era no tocante à mecânica que o Escort brasileiro diferenciava-se do similar inglês. Lá na terra da rainha havia sido apresentada uma nova família de motores denominada CVH, com comando de válvulas no cabeçote e câmara de combustão hemisférica. No Brasil, por uma questão de custos foi utilizado o veterano motor de quatro cilindros de origem Renault, lançado em 1968 com o Corcel I. Batizado de CHT, sigla para câmara de alta turbulência, indicava uma nova câmara retrabalhada para garantir melhor desempenho e menor consumo. A engenharia da Ford também fez mudança nos coletores de admissão e escape, comando de válvulas e taxa de compressão.  

O consumidor podia escolher motores de 1,3 ou 1,6 litro. O de menor deslocamento oferecia potência de 63 cv a etanol, ou a gasolina com 56 cv. Já o motor de 1,6 tinha potência de 74 cv e torque de 11,6 m.kgf abastecido com etanol, ou 65 cv e torque de 10,5 m.kgf com gasolina. O câmbio podia ser de quatro marchas com a opção pelo de cinco. Inovava no sistema de ajuste automático da folga da embreagem, por meio de uma catraca no próprio pedal, o sistema mantinha o pedal na mesma altura apesar do desgaste do disco de embreagem. 

Na segunda geração, os faróis de milha do XR3 foram deslocados para a extremidade do para-choque / As lanternas passaram a ter formato de trapézio e a lente fumê era o diferencial do XR3

O teto solar com persiana interna era um item obrigatório em todos os Escort XR3A suspensão era independente nas quatro rodas, trazia um rodar macio e silencioso. Porém, devido à geometria da suspensão dianteira, a estabilidade deixava a desejar, e em arrancadas mais fortes as rodas dianteiras perdiam contato com o solo, fazendo a frente bambear, conhecido como “passarinhar”. Um recurso técnico interessante era o sistema de geometria da direção, que era neutro. Esse tipo de geometria deixava a direção leve em manobras, mesmo não contando com assistência hidráulica. 

A versão topo de linha do Escort, a Ghia, chegou ao mercado dois meses depois. Trazia um acabamento refinado, que fazia jus ao nome: vidros elétricos e travas elétricas, limpador com intervalo de tempo ajustável, relógio digital acima do retrovisor, pequenas tiras de madeira envernizada nas portas, luzes de advertência para desgastes das pastilhas de freios, baixo nível de óleo e de arrefecimento do motor. Entre os poucos opcionais havia o teto-solar e o ar-condicionado. 

ESCORT XR3, SONHO DE CONSUMO DA JUVENTUDE

A versão mais quente da família Escort ainda estava reservada e chegaria no final de 1983. Com o mote “A Máquina Total”, era apresentado o esportivo XR3 (Experimental Research 3, Pesquisa Experimental 3), que passaria a ser sonho de consumo da juventude nos anos posteriores. Para isso trazia um visual mais elaborado com defletor nas rodas dianteiras e traseiras, rodas de liga-leve aro 14 pol. estilo trevo de quatro folhas com pneus 185/60 Pirelli P6, aerofólio traseiro, faróis de longo alcance e de neblina com lavadores de faróis.

O Aerofólio ganhou novo desenho e na segunda geração do XR3 ele passou a ser pintado na mesma cor da carroceria / A tampa de combustível ficava exposta e não fazia menção do tipo de combustível utilizado

O sistema de som trazia um código de segurança que o inutilizava caso fosse instalado em outro carroInternamente trazia bancos esportivos e acabamento exclusivo com tecidos de detalhes vermelhos, volante de dois raios de apenas 34 mm de diâmetro, rádio toca-fitas. Como opcionais ar-condicionado e teto solar de vidro (com persiana interna, novidade no Brasil). Inicialmente era oferecido somente em três tons de pintura: preto, prata e vermelho.

No tocante à mecânica o XR3 era oferecido somente com o motor 1,6 litro a etanol, e trazia um leve “veneno” de fábrica com a inclusão de novos coletores, comando de válvulas de maior cruzamento, válvulas de maior diâmetro, carburador com uma nova regulagem. A potência saltou para 82 cv a 5.600 rpm e o torque máximo para 12,9 m.kgf a 4.000 mil rpm. O diferencial foi encurtado, passando de 3,84:1 para 4,06:1 (a mesma relação usada no motor 1,3 a gasolina). Pouco meses depois foi acrescido o diferencial trazido da Inglaterra com relação 4,29:1, isso ajudou no desempenho já que podia alcançar velocidade máxima em quinta marcha, não mais em quarta como antes. 

No rastro do sucesso do XR3 fechado, a Ford lançou mão do projeto alemão do conversível e o replicou aqui. Lançado em abril de 1985, o Escort conversível estabelecia um padrão de qualidade até então desconhecido entre os nacionais: foram trocadas 350 peças em relação ao XR3 original. Coube à própria Karmann Ghia montar o monobloco que, depois de passar pelo processo anticorrosão e pintura na Ford, voltava para receber o acabamento. A capota de lona importada da Alemanha tinha como características sua ótima vedação, além de contar com a vigia traseira em vidro com desembaçador. Por dentro, um forro escondia as ferragens do mecanismo de recolhimento e proporcionava bom isolamento acústico.

Devido aos reforços estruturais, na suspensão traseira e à inclusão de uma barra transversal que unia a parte da central do monobloco para evitar torção, o peso total era acrescido em 70 kg a mais se comparado ao XR3 fechado, indo de 930 kg para 1 tonelada. Os passageiros do banco de trás perdiam um pouco em conforto devido às caixas de som que eram usadas para esconder o vão entre a carroceria e a capota. A traseira tinha um desenho exclusivo e lanternas horizontais. O porta-malas perdia em capacidade, passando de 305 para 291 litros.

Na tampa do filtro de ar a menção da injeção de combustível e acima o logotipo da extinta Autolatina / Estrela da família era o motor AP 2000i de 115 cv, com esse trem de força o XR3 passou a ser um dos carros mais velozes do país

A Autolatina, associação da Ford com a Volkswagen, iniciada em 1987, rendeu seu primeiro fruto em maio de 1989: O Escort nas versões Ghia e XR3 recebiam os modernos e eficientes motores AP 1,8 litro. No XR3 foi adotado o motor com comando de válvulas “S”, com potência de 99 cv e torque de 16 m.kgf. O câmbio passou a ser o mesmo do Golf alemão. No visual pouca coisa mudou a não ser o logotipo “1.8” na traseira, rodas com novo desenho, molduras nas caixas de rodas e lentes dos piscas incolor ao invés de âmbar. Na linha 1990 os parachoques passavam ser pintadas na mesma cor da carroceria e o XR3 conversível enfim ganhou capota com acionamento eletro-hidraúlico. Em 1992, as rodas ganharam acabamento polido. Havia a opção de amortecedores eletrônicos da Cofap e direção hidráulica. 

UMA NOVA GERAÇÃO

Foi durante o Salão do Automóvel de 1992 que a Ford trouxe ao Brasil o Escort de segunda geração, correspondente à quarta para os europeus. Não era uma simples reestilização, era um automóvel completamente novo. A carroceria era maior, indo dos 3,96 metros de comprimento para 4,04 m, a distância entre eixos saltou de 2,40 para 2,53 metros. O XR3 se diferencia dos demais modelos por trazer uma frente em forma de cunha com desenho próprio. A novidade eram os faróis de duplo refletor, em que o facho alto substituía os faróis de longo alcance. Nas extremidades do parachoque havia as luzes de setas e os faróis de neblina. E não havia grade: a refrigeração era garantida por uma abertura sob o para-choque. 

O painel trazia um novo desenho, o destaque era o volante de três raios com acabamento perfurado

O sistema de suspensão foi todo revisto. Na dianteira o sistema McPherson passou a contar com braço triangular inferior no lugar simples, evitando a famosa empinada comum numa arrancada mais forte. Já a traseira era semi-independente com eixo de torção, com essa nova configuração os amortecedores eletrônicos deixaram de ser oferecidos. No XR3 o freio era a disco nas quatro rodas, primeira vez em um Ford brasileiro. As rodas aro 14 tinham desenho elaborado e muito bonito. 

A novidade mais esperada foi a chegada do motor VW AP de 2 litros, o mesmo do Gol GTi, com injeção eletrônica multiponto Bosch LE- Jetronic, com potência de 115 cv a 5.600 rpm e torque de 17,7 m.kgf a 3.200 rpm. Outra primazia era o câmbio com sistema com comando por cabos e não mais por varão, importada da filial argentina. Com esse conjunto mecânico o XR3 foi elogiado nos testes da revista Quatro Rodas, alçando velocidade máxima de 186 km/h e fazendo de 0 a 100 km/h em 10,4 segundos. Ganhou elogios no rodar confortável e no espaço do banco traseiro.

Ostentação nos anos 90 era ter rádio toca-fitas e um equalizador gráfico de fábrica / Os instrumentos eram somente os necessários, no XR3 eles tinham ponteiro vermelho e a escala do velocímetro ia até os 240 km/h

No interior o destaque era o volante de três raios com a coluna de direção com regulagem telescópica, a primeira do Brasil. O painel era todo novo em seu formato. Acima dele um pequeno relógio de horas. Os instrumentos traziam ponteiros vermelhos e velocímetro passou a marcar até os 240 km/h. O sistema de som trazia toca-fitas e um equalizador gráfico. Já os cintos de segurança podiam ser regulados em altura e os vidros podiam ser levantados pela fechadura. Entretanto os comandos dos vidros elétricos saíram das portas e foram para o console central. 

Em maio de 1994, a injeção eletrônica digital da própria Ford, a FIC, substituía a analógica LE- Jetronic da Bosch. Entre as inovações o sensor de oxigênio no escapamento e a versão a etanol para o motor AP 2,0 de litros que disponha de potência de 122 cv e torque de 18,4 m.kgf. Para a linha 1995, o XR3 perdia os frisos vermelhos para preto e o volante de direção passou a contar também com regulagem de altura combinado com a telescópica, primeira vez oferecida em um carro nacional. As rodas passaram a ser de cinco raios. 

Os auto-falantes ficavam na parte superior das portas / O comando dos vidros elétricos migrou da porta para o console central, ao lado a alavanca de regulagem de altura do banco do motorista

Bancos tinham um padrão de tecido próprio e como opcional podiam ser da marca Recaro / Com aumento do entre-eixos os passageiros do banco de trás passaram a usufruir de um melhor espaço para as pernas

Em 1996 a produção do Escort passou a ser concentrada da unidade argentina de Pacheco e trazia dianteira com novo capô e a grade em formato oval. A gama de modelos era simplificada restando apenas os modelos GL e GLX, dotados do motor VW AP 1,8 litro com injeção monoponto. O Escort XR3 foi substituído pela versão Racer. Apesar de continuar com o motor AP de 2,0 litros, houve uma série de simplificações no acabamento. Ele mantinha as rodas de cinco raios, mas perdia a frente exclusiva, os faróis de duplo refletor, o freio a disco nas rodas traseiras. Internamente não havia mais os bancos Recaro e o sistema de som com toca CD e equalizador gráfico. 

Para 1997 chegava um novo Escort com mecânica própria da Ford, famoso Zetec de 1,8 litro e 115 cv. Em 1998 era lançada a versão de duas portas batizada de RS. Trazia apenas um pacote estético próprio com defletores laterais, aerofólio, para-choque que imitava um extrator de ar e rodas exclusivas. Internamente o volante era revestido em couro e os instrumentos tinham fundo branco. A mecânica era a mesma dos demais Escort. 

Com isso a versão RS nunca conseguiu resgatar os áureos tempos da versão XR3, deixando os fãs carentes de um esportivo de verdade dentro do portfólio da família Escort, que despediu-se da linha de produção em 2003. 

FÃ DO ESCORT XR3

O engenheiro Mário Triches Júnior, de 38 anos, é um apaixonado pelos carros nacionais da década de 90, principalmente os hatches esportivos e os sedãs de luxo. Em sua garagem repousam exemplares que faziam a cabeça dos aficionados por carros como o Fiat Tempra 16V 1994, Ford Versailles Ghia 1993, Chevrolet Kadett GS 1989, Volkswagen Golf 2003 e o seu xodó, o Ford Escort XR3 1994.

Mário nos contou que sua admiração pelo esportivo da Ford começou ainda na juventude quando um vizinho adquiriu um modelo. “Havia um vizinho dos meus pais que tinha acabado de comprar um XR3 na cor azul Dallas, eu ficava horas admirando aquele carro pela janela. Aquele XR3 ficou em minha memória”, conta sorridente o engenheiro.

O sonho de ter seu XR3 foi concretizado quando soube da venda de um exemplar original e pouco rodado. “Soube da venda desse XR3 1994 por intermédio de um caçador de raridades. Ele colocou à venda o carro no site e me interessei. Ao verificar o estado geral do veículo fechei o negócio na hora”, disse Triches.

De fato o seu Escort XR3 está em perfeito estado para um carro de 21 anos, conserva até os pneus Goodywear Eagle NCT 60, além da plaqueta da Cia Santo Amaro uma tradicional concessionária Ford da capital paulista. O modelo conta com pouco mais de 25 mil km rodados e raramente saía da garagem.