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Fiat Uno Turbo, o nosso primeiro turbinado de fábrica que antecedeu a era do downsize


Desempenho puro, assim era a credencial do Uno Turbo equipado com um diminuto motor de 1,4 litro de 116 cv e que colocou a Fiat no rol de empresas inovadoras

Por: Anderson Nunes - 11 de setembro de 2017

Nove anos depois dos europeus, mas a espera valeu a pena, nós brasileiros ganhávamos nosso Uno Turbo i.e; pequeno motor de 1,4 litros rendia 118 cv que permitia ao modelo alcançar os 195 km/h e fazer de 0 a 100 km/h em 9,2 segundos

A Fiat é comumente lembrada por ser uma empresa agressiva e de iniciativas pioneiras no Brasil. Ao aportar no país em 1976, ela lançava o primeiro carro de produção nacional com motor transversal, o 147. Coube também ao pequeno modelo a primazia de estrear o motor movido a álcool, em 1979. Também foi ela que introduziu o conceito do carro compacto de 1 litro, só com o essencial no acabamento, o Uno Mille, em 1990. O Tempra tornou a sigla 16V um símbolo de desempenho extra entre os modelos médios com motor de quatro cilindros, já contamos a história dele aqui No Fundo do Baú.

Ao completar 10 anos de produção em solo tupiniquim, o Uno ainda mostrava-se um projeto acertado e de múltiplas facetas. Foi nesse cenário de ocupar lacunas que a Fiat resolveu apostar numa tendência que tempos mais tarde iria se tornar padrão no mercado automotivo global: o uso de motores equipados com turbocompressor. É o início do Downsizing, ainda que não visto como forma de economia, mas sim de desempenho, assim era apresentado em março de 1994 o Fiat Uno Turbo. Foi o primeiro carro turbo original de fábrica e que abriria caminho meses depois para a chegada do Tempra Turbo.

Vale ressaltar que para a mídia especializada o Uno Turbo não era assim uma novidade. Isso porque em 1985, a Fiat trouxe para o Brasil uma unidade do modelo italiano turbinado que serviu como carro-madrinha para GP de Fórmula 1. Na ocasião os jornalistas puderam acelerar o modelo Uno Turbo i.e., equipado com o motor de 1.301 cm³ que produzia 105 cv e 14,9 m.kgf, o bastante para alcançar a velocidade máxima de 200 km/h. Por motivos de viabilidade comercial e técnica a Fiat decidiu adiar o lançamento de uma versão mais quente do seu pequeno modelo para os brasileiros.

TURBO TUPINIQUIM

A receita para criar um modelo de alto desempenho, sem abrir mão do conforto e praticidade de uma carroceria compacta, começou com a adoção de um pequeno, mas valente trem de força. O conjunto de motor e câmbio era importado, vindo da unidade da Fiat de Mirafiori, Itália. Dotado de quatro cilindros, era parecido com motor utilizado nos modelos 1.6R e MPI, tanto que o curso dos pistões (e o virabrequim) era o mesmo: 67,4 mm. O que mudava era o diâmetro dos cilindros que passava de 86,4 mm (motor 1,6) para 80,5 mm no turbo. Desse modo a cilindrada era reduzia de 1.580 cm³ para 1.372 cm³ na versão turbinada. A taxa de compressão também foi reduzida de 9,5:1 do modelo 1.6R para 7,8:1 no turbo.

Já o sistema de alimentação e ignição partiu de uma parceria entre a Bosch e a Magneti-Marelli. A Marelli se encarregou de fazer os módulos, bobinas e sensores no sistema de ignição. A ignição digital mapeada era batizada de Microplex MED 604C. Coube à Bosch desenvolver um novo conjunto de injeção eletrônica toda digital chamada de L3.1 Jetronic. Ela trabalhava em conjunto com a ignição ao mapear dados como temperatura do motor, pressão ou vácuo no coletor de admissão, centelha da vela e quantidade de combustível a ser injetado.

 

O turbocompressor adotado era o modelo Garret T2, que operava a 0,8 bar, além disso, a pressão turbo era regulada pela válvula de alívio (waste-gate) integrada à carcaça da turbina. Para aproveitar melhor a sobrealimentação, foi instalado um intercooler (radiador ar/ar) que esfria o ar comprimido, o que fazia aumentar sua densidade, melhorando a combustão e a eficiência da queima. Devido à maior temperatura do motor também foi adotado um radiador de óleo. Todo esse conjunto de medidas conseguia extrair do pequeno motor de 1,4 litro potência de 118 cv a 5.750 rpm e o torque máximo era de 17,5 m.kgf a 3.500 rpm. A potência específica ficava em 86 cv/litro. A velocidade máxima ficava na casa dos 195 km/h e a aceleração de 0 a 100 km/h ficava em 8,8 segundos.

 

O câmbio era semelhante ao adotado no Fiat Tipo, inclusive com mesma relação de primeira e segunda marchas. A terceira e quarta marchas eram mais longas, com exceção da quinta, mais curta. O diferencial adotava a relação 3,73:1, bem adequada às características do motor. Para levar toda essa potência ao solo utilizava um sistema de direção com assistência hidráulica bastante rápido (2,6 voltas no total). Já as suspensões passaram por modificações, ficando 10 mm mais baixas e amortecedores pressurizados de maior carga. No interior do cofre do motor foi adotada uma barra metálica que interligava as duas torres da suspensão dianteira, sua função era diminuir a torção do monobloco nas curvas evitando a fadiga precoce, também impedia alterações na geometria da suspensão (como as ocasionadas por fortes acelerações e, em menor escala por frenagens bruscas em altas velocidades), que poderiam comprometer a aderência dos pneus.

Os pneus, aliás, traziam uma nova medida, 185/60 R14, que vestiam estilosas rodas de liga-leve de desenho exclusivo. Os freios adotavam uma receita caseira, pois eram os mesmos utilizados no Tempra: na dianteira eram adotados os discos ventilados com 257 mm e na traseira tambor com 228 mm, além do servo-freio e cilindro-mestre também provenientes do modelo médio. O porém era não oferecer nem mesmo como opcional o sistema de freios com ABS, pois na Itália seu irmão já adotava desde o lançamento os freios a disco nas quatro rodas com o sistema anti-bloqueio.

Vale ressaltar que devido à adoção de uma pneu de maior diâmetro, não houve espaço para o estepe no cofre do motor. Assim, a roda sobressalente foi realocada na parte traseira, o que roubou o espaço destinado às bagagens. O volume do porta-malas foi diminuído em 14%, passou de 290 litros para 207. Entretanto o estepe mantinha as medidas originais e a roda seguia sendo a de liga leve.

INTERIOR COM VISTAS AO DESEMPENHO

Mantendo o bom espaço interno comum à família Uno, o modelo Turbo recebeu mudanças visando ao apelo esportivo. Os bancos envolventes ganharam laterais mais pronunciadas para abraçar melhor o piloto em curvas. Eles traziam revestimento em veludo com padronagem exclusiva estendida também às laterais das portas, o que conferia um aspecto luxuoso. Já o forro do teto era revestido em preto. A manopla do câmbio de ótima empunhadura tinha o desenho herdado do Tempra. Detalhes curiosos ficavam por conta do pedal do acelerador maior, perfurado e mais próximo do freio para facilitar uma pilotagem mais esportiva e fazer o famoso punta-tacco. No console central havia o sistema de som com toca-CD da marca Alpine que oferecido como opcional.

O volante tinha um desenho inédito entre os Fiat já produzidos no Brasil: três raios que oferecia boa empunhadura, além de total visibilidade do painel de instrumentos. Aliás, o painel de instrumentos era um show à parte: além de contar uma bonita grafia trazia instrumentação completa com velocímetro, conta-giros, manômetro da temperatura da água, do óleo lubrificante e ao centro manômetro do turbo com escala final de 1 bar. Todos da marca Veglia.

 

Na linha 1995 finalmente o ar-condicionado estava disponível como item de série, além do teto-solar como opcional. O Uno Turbo foi oferecido ao público em apenas três cores: Amarelo Exploit (que estava mais para um verde metálico), Vermelho Monte Carlo e Preto. Mas aqui vale contar uma história, que na verdade, está mais para uma lenda. Nas fotos de divulgação do Uno Turbo, aparecia um carro amarelo, mas em um tom diferente, mais vivo, e sólido. Tratava-se do Amarelo Modena, tonalidade está igual a oferecida pela Ferrari . Foram feitos apenas cinco carros nesta cor, e todos pertenceram a executivos da Fiat que serviram como espécie de marketing para o modelo. Destes, tem-se notícia de hoje da existência de apenas três.

 

LEGADO TURBINADO

O Uno Turbo ficou pouco tempo em produção, saindo de linha em 1996. Durante estes três anos, foram produzidos “apenas” 1.801 unidades — definitivamente um número baixo, já que a produção total do modelo no Brasil foi de 3,7 milhões de unidades durante 30 anos. Os poucos sobreviventes acabaram sendo modificados, com a adoção de turbinas maiores, ou turbo, apimentando ainda mais o desempenho, mas não raro comprometendo a durabilidade do carro. Sendo assim, está cada vez mais difícil encontrar um Uno Turbo em boas condições como é o caso do modelo ano 1995 que ilustra essa reportagem.

Outra curiosidade foi a jogada de marketing e até mesmo de segurança veicular promovida pela Fiat na ocasião de lançamento do Uno Turbo. A fábrica oferecia um curso de pilotagem para os primeiros proprietários que fechavam a compra do modelo Turbo. O curso era ministrado por instrutores no circuito de Interlagos com aulas práticas e teóricas, tudo para que eles pudessem ter uma fonte prazer e não uma encrenca em mãos.

JOIA PRESERVADA

Decorridos 23 anos desde seu lançamento e tendo uma produção quase que exclusiva, nos dias atuais é praticamente impossível encontrar um Fiat Uno Turbo em boas condições e com grau de originalidade, para sermos honestos, mediano. Muitos se perderam no tempo e os poucos remanescentes estão modificados tanto na parte estética quanto mecânica. Felizmente ainda no meio do antigomobilismo é possível encontrar exemplares bastante originais, como é caso de Uno Turbo Vermelho Monte Carlo ano 1995 que ilustra nossa reportagem.

Graças aos amigos da Auto90, empresa que nasceu de uma coleção particular em 2002 e que hoje tem foco no mercado de carros nacionais, especialmente no segmento de esportivos e luxuosos compreendidos entre os anos de 1980/1990, encontramos um exemplar dessa raridade’. “A Auto90 nasceu de uma coleção particular de esportivos nacionais 80/90 iniciada em 2002 que, por necessidade de atuação especializada na manutenção e custódia dos veículos, evoluiu para uma oficina especializada que operava até 2016. No momento, estamos evoluindo para uma estrutura maior, desenhada para o atendimento do público tendo como background as realizações dos últimos 15 anos de experiência no segmento”, diz um dos sócios que preferiu não revelar o nome.

O exemplar apresentado na reportagem é do ano 1995 e foi de um único dono até 2014, quando foi encontrado em um anúncio de internet. Embora estivesse com baixa quilometragem e original apresentava alguns problemas de ordem mecânica. “O modelo exibia baixa quilometragem para sua idade, além de estar absolutamente original, porém, com diversos problemas mecânicos tais como suspensão, freios, embreagem. Imediatamente relacionamos os pontos de melhoria e fechamos a compra na hora sem hesitar. Para nossa sorte, o vendedor possuía conta no mesmo banco e fizemos uma transferência entre contas direto pelo celular”, disse sorridente o sócio.

 

Assim que o Uno Turbo chegou à oficina o modelo passou essencialmente por uma verificação mecânica corretiva e preventiva, dadas as condições originais em que foi encontrado. Entre as dificuldades encontradas algumas residiam no tocante a peças tais como componentes de suspensão originais do modelo como as molas, amortecedores de dupla ação, bandejas, pivôs, coxins. O kit de embreagem também demandou um trabalho extra. Por ser própria da versão Turbo a medida é exclusiva e foi necessário demandar fabricação sob medida em uma empresa especializada nesse componente.

 

O motor estava em ótimo estado com praticamente nenhuma folga, o que reforçava a baixa quilometragem, pouco mais de 60 mil km. O maior desafio foi encontrar alguns componentes periféricos que estavam danificados, como sensores do complexo sistema de injeção Marelli empregado no modelo.

Depois de muita pesquisa os componentes dos sensores foram encontrados em boa parte no reino Unido e um deles especificamente em Bologna, Itália. A turbina Garret T2 foi remanufaturada em uma oficina credenciada da marca.

No total, entre comprar, restaurar, validar e vender o modelo foram investidos 10 meses para deixar o Uno Turbo como ele havia saído da fábrica da Fiat, em Betim-MG. Segundo o representante da Auto90, acredita-se que cerca de 30% dos Uno Turbo estejam em circulação. “Estimamos que apenas 30% dos modelos Uno Turbo estejam em circulação e destes, menos da metade em condições realmente originais e satisfatórias, o que faz do modelo um esportivo muito exclusivo”, ressalta.