O Brasil dos anos de 1980 ficou marcado na história pela recessão econômica e pelos diversos planos econômicos criados pelo governo federal com o propósito de controlar a inflação, que chegou a 300% ao ano. Como toda a economia, a indústria automotiva foi um dos segmentos que foi fortemente impactada por esse cenário de perda de poder aquisitivo dos consumidores.
A Ford começou a década revendo todo o seu portfólio de produtos. O primeiro modelo a inaugurar essa nova fase foi o sedã Del Rey, que tinha a difícil missão de ser o carro-status da marca, que visava suprir a lacuna deixada pela Maverick e, em médio prazo, também substituir o próprio Galaxie. Na outra ponta a Ford tinha como objetivo criar bases para que a unidade brasileira fosse um polo de exportação de veículos e motores, além de componentes eletrônicos (pela subsidiária Philco). Para cumprir essa meta o presidente da filial brasileira, Lindsey Halstead, anunciou um plano de investimento de 500 milhões dólares até 1984.
Esse montante foi alocado para o desenvolvimento de um “carro mundial”, que tinha a missão de compartilhar componentes em escala global com o intuito de reduzir os custos de produção, além de também ser exportado para outros países. Desse modo, a Ford dava início no Brasil aos estudos de um carro médio-pequeno para preencher a lacuna entre o Corcel II e o Del Rey: tratava-se do Escort, apresentado na Europa em 1981 e que chegava em sua terceira geração com um visual mais aerodinâmico, motor transversal, tração dianteira e suspensão independente nas quatro rodas.
EM SINTONIA COM A EUROPA
O Escort foi lançado no Brasil em agosto de 1983. Em uma época de mercado fechado e modelos desatualizados em projeto, o Escort brasileiro estava em sintonia estética ao europeu. Pela primeira vez no Brasil eram apresentadas, de forma simultânea, as carrocerias de três e cinco portas, com linhas agradáveis e de certo ponto inovadoras, em que chamava a atenção a traseira que recebia um “meio volume”, uma espécie de rabeta, que favorecia além da aerodinâmica, mais espaço para a bagagem. A Ford batizou esse conceito de “Aerolook”, mas o mercado condicionou a chamá-lo de “dois volumes e meio”.
O visual
aerodinâmico era reforçado pela frente em cunha, com faróis retangulares, grade
em plástico com formato de veneziana, recursos estes que colaborava para o
baixo coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,38 até então o menor dos veículos
nacionais, além disso havia uma ampla área envidraçada que beneficiava a
visibilidade. O Escort media 3,97 metros de comprimento e seu entre-eixos era
de 2,39 m, podia acomodar com conforto quatro passageiros. Apresentava um
acabamento interno bem executado, mesmo nas versões de entrada. O porta-malas
podia transportar 385 litros de carga. E por fim, a garantia contra corrosão,
de três anos, era a maior oferecida no Brasil até aquele momento.
Se visualmente tanto o modelo brasileiro quanto o europeu se igualavam, sob o capô, no entanto, as similaridades desapareciam. Enquanto no Velho Continente o Escort recebia a nova geração de motores batizada de CVH, que trazia comando de válvulas de cabeçote e cabeçote fundido em alumínio, aqui no Brasil foi decidido por questões de custos, manter o veterano motor de origem Renault de quatro cilindros com comando de válvulas no bloco.
Retrabalhado pela engenharia brasileira para obter um menor consumo e um melhor desempenho, o trem de força recebeu a denominação de CHT, sigla para câmara de alta turbulência. Para chegar uma equação entre potência e economia, os engenheiros focaram na atualização do comando de válvulas, nas válvulas de admissão e escape e na instalação de um novo carburador da marca Weber.
Na versão básica o trem de força era o 1,35 litro, que quando abastecido no álcool rendia 63,5 cv, ou a gasolina debitava 56,8 cv. Já nas versões L e GL recebia o motor de 1,6 litro com potência de 73 cv no álcool e na gasolina 66 cv. Os motores eram acoplados ao câmbio manual de quatro marchas para a versão de entrada (cinco velocidades opcional) e as demais recebiam câmbio de cinco marchas. Uma novidade era o ajuste automático da folga da embreagem, por meio de catraca no próprio pedal, que mantinha na mesma posição mesmo com desgastes do disco.
AO GOSTO DO MAIS EXIGENTES
Dois meses após o lançamento do Escort, a linha era ampliada com a chegada da versão Ghia – estúdio italiano fundado em 1916 e que em 1970 foi incorporado pela Ford e passou a designar os níveis superiores de acabamento da marca. A variante Ghia oferecia um conjunto refinado: vidros e travas elétricos, vidros com efeito dourado, limpador de para-brisa com intervalo ajustável e indicadores de desgaste do freio, nível de combustível, óleo e líquido de arrefecimento. Os bancos de veludo e o relógio azul no teto eram itens adicionais de requinte. Entre os poucos opcionais havia o teto-solar e o ar-condicionado.
Visualmente se destacava das versões mais simples pela inclusão dos frisos cromados ao redor dos faróis e lanternas traseiras, outro diferencial eram as calotas integrais e o discreto brasão Ghia fixado nos para-lamas. O painel de instrumentos era completo com conta-giros, além disso vinha de fábrica toca-fitas autorreverse e porta-fitas no console central. Já os passageiros do banco traseiro contavam ainda com luz de leitura e porta-revistas nos encostos dos bancos dianteiros.
O Escort brasileiro nas carrocerias de três e cinco portas foi exportado entre os anos de 1984 a 1986 para a Suécia, Finlândia e Noruega. Nos países escandinavos o modelo recebia as designações GL e GLX, e motor CHT 1,6 litro a gasolina. Após o fim do programa de exportação do Escort para os países escandinavos no fim de 1986, a Ford do Brasil encerrou a produção da carroceria de cinco portas.
VISUAL RENOVADO
O Escort foi reestilizado na Europa no início de 1986 – batizado de Mk IV, e com uma rapidez sem precedentes até então, chegava pouco depois, em agosto, ao Brasil. Ao custo de 28 milhões de dólares, era um montante significativo para manter o modelo competitivo no mercado nacional, já que era naquele momento o segundo veículo mais vendido, perdendo somente para o Chevrolet Monza.
De linhas mais suaves, os para-choques passavam a ser de plástico e integrados à carroceria, sendo que o dianteiro incorporava a “grade” de uma só entrada de ar, capô ganhava uma forma mais acentuada que colaborava para uma redução no coeficiente aerodinâmico que agora era de Cx 0,36. Na traseira, a tampa do porta-malas recebia um desenho mais retilíneo nas extremidades, já as lentes das lanternas agora eram lisas e rentes à carroceria. Por fim as calotas nas versões GL e Ghia recebiam um novo desenho e passavam a ser confeccionadas em nylon-11, de menor custo de produção.
O interior era marcado pelo novo painel de linhas arredondadas, os instrumentos tinham agora iluminação indireta (por trás). Também foi dada maior atenção à ergonomia com trava das portas juntos junto das maçanetas, comando da buzina na almofada do volante (antes, na alavanca esquerda da coluna de direção) e por fim novos comandos de setas, luzes e limpador de para-brisas.
Na parte mecânica o motor de 1,35 litro dava adeus à linha de montagem. Já o motor de 1,6 litro passava por reformulações internas e ganhava novos pistões, anéis, virabrequim e volante do motor, com foco na diminuição de atritos e mais econômico. Na suspensão os amortecedores de todos os modelos passaram a ser do tipo pressurizados. Outra boa novidade ocorreu na linha 1988, quando a linha Escort ganhou um novo tanque confeccionado em plástico, uma primazia entre os carros nacionais. A capacidade aumentava de 48 para 65 litros, conferindo maior autonomia principalmente nas versões a álcool.
RELEMBRAR OS ANOS DE 1980
Dentro da gama de versões oferecidas pela Ford na linha Escort aqui no Brasil, os modelos Ghia e XR-3 conversível foram os que tiveram os menores índices de vendas. Segundo uma reportagem veiculada pela revista Quatro Rodas de maio de 1986, o Escort Ghia era responsável, por apenas 9% das vendas totais da linha Escort. Hoje é uma das variantes mais raras de se encontrar, ainda mais em bom estado de originalidade.
É o caso do Ford Escort Ghia ano 1989 de propriedade do médico José Oscar Monteiro Hermano, morador da cidade de São José dos Campos, interior de SP. Segundo o dono, sua admiração pela linha Escort começou ainda na juventude, quando passaram pela sua garagem um modelo 1989 e posteriormente um 1993. “Sempre que saio para dar um passeio com o Escort sou parado por alguém que vem conversar e contar casos relacionados ao modelo”, diz sorridente.
O modelo que ilustra a reportagem, a luxuosa versão Ghia, representa bem o renome que a Ford criou em torno desse acabamento. Externamente chama a atenção os dois brasões do estúdio italiano fixados nos para-lamas dianteiros. Os frisos cromados percorrem todo o perímetro da tampa do porta-malas e lanternas. E por fim, as calotas com desenho elaborado que num primeiro olhar faz nos crer serem rodas de liga-leve.
Internamente o atrativo é o acabamento bem executado, sendo que os bancos confortáveis são revestidos em um veludo de tom cinza. O ar-condicionado é um outro atrativo, pois é bastante potente e deixa a cabine bem gelada em pouco tempo. Soma-se a isso acessórios como clássico relógio digital fixado próximo ao retrovisor.
São pontos que o Hermano pontua no Escort. “A família adora fazer viagens neste Escort Ghia, que além de muito confortável e tem comodidades como ar-condicionado, bom espaço para a bagagem e oferece um bom desempenho na estrada. Viajar com o modelo é voltar no tempo e relembrar os anos 80”, relembra.