Quase tão antigas quanto a produção em série de automóveis são as modificações para torná-los mais velozes. Na década de trinta, nos Estados Unidos, o Ford T, embora já não fosse mais fabricado, era o modelo preferido por quem buscava desempenho e baixo custo. Era um período conturbado, repleto de incertezas, a economia acabara de sofrer um duro golpe com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929, a desesperança assolava o país inteiro, contudo, na Califórnia, havia um grupo de pessoas para as quais a taxa de compressão era mais importante que a taxa de juros. Na praia ou no deserto elas buscavam o limite da máquina e a glória de vencer ao final de uma milha. Ali nasciam os hot rods, verdadeiros ícones da contracultura e “avós” de todos os automóveis esportivos lançados desde então, do Super Fuscão 1600-S à mais nova Mercedes-Benz AMG.
Na Europa, por outro lado, em vez das modificações, era mais comum o desenvolvimento de automóveis próprios para competição, com baixo peso e mecânica mais refinada, destaque para a Alfa Romeo, fundada em 1910, e que em 1914 já fabricava carros com duplo comando de válvulas no cabeçote e duas velas por cilindro.
Mas foi só com o final da segunda guerra mundial, em 1945, que o esporte a motor ganhou força, na Europa com a Fórmula 1 e nos Estados Unidos com as corridas de stock cars, que naquele tempo eram veículos praticamente iguais aos vendidos nas concessionárias, com poucas modificações para aumento da potência e algumas melhorias na segurança. Não obstante, os hot rods saíram da Califórnia e viraram uma moda nacional, porém as corridas já não eram apenas nas praias ou aeroportos abandonados, elas passaram a acontecer nas estradas e avenidas, desencadeando protestos da população e repressão por parte da polícia, o que colaborou para a criação da NHRA (Associação Nacional de Hot Rods), em 1951. Esta associação passou a organizar corridas de aceleração por todo o país a partir de 1955, tornando o esporte popular, rentável e seguro.No Brasil
Embora corridas automobilísticas sejam realizadas desde os anos vinte, foi com a criação das Mil Milhas Brasileiras, por Wilson Fittipaldi, em 1956, que o automobilismo ganhou maior notoriedade. E um dos personagens mais emblemáticos desta competição foi Camilo Cristófaro, que a venceu em 1966 a bordo de um Chevrolet 1937, competindo contra carros mais modernos e equipes oficiais de montadoras. Esse mesmo Chevrolet 1937 foi cronometrado a 268 km/h em uma competição de velocidade realizada em 1970 na Marginal Pinheiros, em São Paulo. Competição, aliás, na qual foi vencedor, mesmo tendo entre os adversários uma na época atual Lamborghini Miura.
Quatro décadas depois, pode-se dizer que o esporte a motor evoluiu bastante no país, talvez menos que na Europa e Estados Unidos, mas certamente evoluiu. As corridas de aceleração, por exemplo, aqui chamadas de “arrancadas”, atualmente possuem um calendário nacional e alguns campeonatos estaduais, além dos eventos independentes, como ocorre nos Estados Unidos, guardadas as devidas proporções. E embora seja difícil estimar o tamanho do mercado, ele é grande o bastante para ter diversos fabricantes de peças e oficinas especializadas em veículos para este tipo de competição, hoje realizadas principalmente no sul do país, devido à disponibilidade de pistas adequadas. Região que, compreensivelmente, também concentra a maioria das oficinas e fabricantes dedicadas ao esporte. Aliás, uma dessas empresas, a Fueltech, fabricante de sistemas programáveis de injeção eletrônica, vive atualmente uma grande ascensão no cenário internacional, recebendo amplo reconhecimento em um setor altamente tecnológico, ainda dominado por poucas e tradicionais empresas, que veem sua hegemonia ameaçada por uma pequena fabricante de eletrônicos do Rio Grande do Sul, que em 2014 passou a fornecer seus produtos e soluções para algumas das principais equipes norte-americanas, que obtiveram ótimos resultados ao longo do ano, inclusive sucessivas quebras de recordes.
Todavia, não é apenas em linha reta que o esporte a motor caminha no Brasil, país com três campeões mundiais de Fórmula-1 e com sólidos campeonatos em diversas categorias, da velocidade na terra, comum no interior do país, até um campeonato de carros de turismo transmitido pela principal emissora de TV, além de campeonatos de rally de velocidade, de regularidade e a Fórmula Truck, com seu enorme público. As provas de monopostos, contudo, antes modestas, hoje praticamente inexistem, com exceção do kart, que possui um número considerável de praticantes, além de campeonatos e circuitos com boa infraestrutura em vários estados.
O esporte e as oficinas
Mas seja qual for a categoria, para que tudo funcione corretamente são necessários o trabalho e a experiência de profissionais dedicados ao desenvolvimento e à manutenção dos carros de corrida.
Vinicius Losacco, cujo o sobrenome está vinculado às corridas automobilística há mais de oito décadas, ex-piloto e atualmente proprietário da Oficina Losacco, especializada em remapeamento de sistemas de injeção eletrônica, destaca uma das principais funções do esporte a motor: tornar os veículos vendidos à população melhores e mais seguros. Lembra que no seu tempo de piloto, na década de setenta, colaborou com algumas modificações feitas no Volkswagen Passat, veículo com o qual competia no campeonato nacional de marcas. O para-brisa, por exemplo, recebeu um novo recorte nos cantos, bem como uma nova fixação, pois o anterior tendia a trincar quando submetido a uma maior torção da carroceria, algo logo notado em uma corrida e reportado à montadora, que alterou o componente não apenas dos veículos destinados às corridas, mas sim de todos produzidos a partir daquela constatação, relembra Vinicius. O mesmo ocorreu em outras partes do veículo, inclusive em componentes do motor. “Hoje em dia as montadoras descobrem os problemas de outro jeito, por isso que existem tantos recalls”, provoca. Questionado sobre o atual campeonato brasileiro de marcas, Vinicius diz que apesar de utilizar a expressão “marcas”, os carros são todos iguais, utilizam a mesma estrutura tubular, transmissão sequencial e o mesmo motor Ford Duratec, montado na Argentina pela empresa do lendário Orestes Berta. Com isso, diz Vinicius, embora seja uma categoria moderna e competitiva, não existe o aprimoramento dos veículos e motores, como ocorria antigamente. Sobre a Stock Car, que, desde o início, em 1979, tradicionalmente sempre utilizou a mesma mecânica, Vinicius diz que atualmente também é uma categoria que vem aumentando as restrições ao desenvolvimento, sobretudo do motor, um V-8 fabricado nos Estados Unidos que tem sua potência reduzida através da colocação de um restritor de fluxo no coletor de admissão e é lacrado antes ser disponibilizado às equipes através de sorteio. Às equipes restam outros aspectos do carro que podem ser aprimorados, principalmente a suspensão, também chamada de “chão” do carro. Porém, para obter um bom acerto de suspensão são necessários conhecimentos bastante específicos, além de alto investimento, de modo que as equipes maiores continuam em vantagem em relação às menores, ainda que utilizando o “mesmo” propulsor, conclui Vinicius.
Suspensão é a especialidade da Suspentécnica, oficina fundada em 1968 e referência absoluta no assunto. Lindemberg A. da Silva, gerente de serviços, diz que, atualmente, cerca de 25% do faturamento da empresa vêm das competições automobilísticas, nas quais ela atua junto às equipes no desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema de suspensão, além de realizar manutenções periódicas, regulagens e reparos, quando necessários. A Suspentécnica também realiza e auxilia no desenvolvimento de projetos para montadoras, que recorrem à sua expertise a fim adequar seus produtos às condições das ruas e estradas brasileiras. Porém, a maior parte da receita é obtida com a manutenção e reparos realizados em veículos de luxo, que precisam de cuidados, conhecimentos e equipamentos específicos para serem corretamente mantidos e consertados.
Lindemberg também diz que de uns anos para cá tem se tornado comum no país a prática de Track Days, eventos nos quais as pessoas pilotam seus próprios carros em autódromos, com toda a segurança possível e sem risco de ser multado. Para estes eventos a Suspentécnica oferece um programa específico aos organizadores, batizado de Track Services, que consiste em um posto de apoio onde são realizados ajustes e reparos que visam a segurança do piloto e o melhor desempenho do equipamento.
Independentemente deste programa, a oficina também atua diretamente junto aos proprietários, que muitas vezes utilizam o carro de uso diário nos eventos. Nestes casos, em geral são realizados ajustes que visam ao melhor desempenho possível, mas que deixam em segundo plano o conforto e o consumo de pneus, e quando acaba o evento é retomado o ajuste destinado ao uso diário, que privilegia o conforto e o baixo consumo de pneus e combustível.
Rafael Cecere, sócio da Oficina Nicola, fundada em 1971, em São Bernardo do Campo - SP, responsável por alguns dos carros mais velozes do Brasil, ressalta a importância do critério e do embasamento teórico no desenvolvimento de um carro de alto desempenho. “Sem isso, a coisa é experimentação e desperdício de dinheiro”, diz, usando como exemplo um Gol com tração integral e potência ao redor de oitocentos cavalos em processo de montagem na oficina: “é necessário um minucioso processo de medição, soldagem, ajuste dos ângulos dos diferenciais, calibração da suspensão e transmissão, caso contrário, ao invés de prazer, o veículo oferecerá apenas riscos ao motorista”, completa Rafael.
Uma peculiaridade da Oficina Nicola é que, embora seja famosa pelos carros de competição e por alguns VW AP que andam tanto ou até mais que motos de 1000cc, ela também realiza a manutenção preventiva e corretiva em veículos convencionais, uma prova de que não importa se se trata de um bólido de competição ou de um popular 1.0, todos são carros, e devem receber o mesmo tratamento baseado no conhecimento e na atenção aos detalhes.