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Nesses tempos em que o Brasil vive a expectativa de profundas reformas não é exagero afirmar que um dos maiores veículos – literalmente se falando – da Volkswagen comercializados no País pegou carona na agenda reformista e está prestes a passar por um downsizing às avessas, ou trocar um motor de menor litragem por outro mais musculoso. Afinal, a versão top da Amarok 2017, agora chamada de Highline Extreme, equipada com um propulsor turbodiesel 2.0 TDI (Turbocharged Direct Injection), que rende 180 cavalos com 42,8 kgfm de toque, serve como sala de espera para a chegada da versão montada sobre um turbodiesel 3.0 de seis cilindros e 224 cavalos, com 56,1 kgfm de torque, semelhante ao do Touareg, prevista para ingressar no mercado brasileiro ainda este ano – com nome e sobrenome definidos, Amarok Aventura, ela já é oferecida em pré-venda na Argentina, onde é fabricada, na cidade de General Pacheco. Desde já, com leiaute ligeiramente retocado e pontuais atualizações, a nova Amarok Highline Extreme tem, parcialmente, agradado aos reparadores não só pelo acabamento caprichado, boa ergonomia ao dirigir e silêncio na cabine como, sobretudo, pelo generoso espaço oferecido para o trabalho sob o capô e o inovador câmbio automático de oito marchas.
Pelo que a Amarok já apresenta e promete mostrar em um futuro breve, a Volkswagen demonstra ambições e, também, insatisfação com a posição intermediária ocupada por sua picape no ranking nacional de vendas do segmento. Em meados de 2016, ela estava em terceiro lugar entre as equipadas apenas com motores diesel (4.830 unidades vendidas) e comendo poeira da Toyota Hillux (13.440 vendidas até então). O objetivo da montadora alemã é, claro, estreitar essa distância e, acima de qualquer coisa, sepultar o rumoroso escândalo das emissões de poluentes conhecido como “Dieselgate” e produzido entre 2009 e 2015, período em que a injeção eletrônica de seus veículos movidos a diesel foi intencionalmente programada para falsificar informações sobre a emissão de gases. No Brasil, a fraude respingou sobre a Amarok. Segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), essas picapes comercializadas no País estariam equipadas com o tal software – o que a montadora nega –, justificando uma multa de R$ 50 milhões aplicada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) à Volkswagen do Brasil.
Disposta a conferir a quantas anda o arranhado prestígio da picapona da Volks junto aos reparadores e checar se ela pode se tornar tão confiável quanto suas rivais, a reportagem do jornal Oficina Brasil rodou com uma Amarok Highline Extreme 2017 pelo perímetro central da cidade de São Paulo (SP) durante alguns dias de março. A intenção foi pô-la frente a frente com os profissionais que, cedo ou tarde, a terão em suas oficinas. A falta de uma prova de rally, uma pista de enduro ou uma trilha de terra não chegou a comprometer muito a avaliação de um veículo em tese capacitado para enfrentar terrenos acidentados com a sua tração 4 x 4 integral. Com valetas, lombadas e buracos, as ruas da capital paulista, ainda mais após as chuvas de um verão que se despedia, não decepcionam quem aprecia sacolejos e bamboleios. E os reparadores visitados que tiveram o prazer – ou não – de senti-los a bordo da Amarok foram:
Os irmãos Márcio e Marcelo Mendes Sanches, sócios da Carbumac Multicenter, há 25 anos instalada no bairro do Ipiranga, em São Paulo (SP). Márcio, com 45 anos e há 30 atuando como reparador, formou-se como técnico pelo Senai (Serviço Nacional da Indústria) e começou no ramo da reparação automotiva ainda adolescente trabalhando na oficina de um tio. O espírito empreendedor, no entanto, o chamou a abrir o próprio negócio logo aos 18 anos quando resolveu fundar a Carbumac com o irmão Marcelo, hoje com 48 anos e também formado como técnico em mecânica automotiva no Senai. Ambos admitem que a influência do pai, João Martins Sanches, de 70 anos, que se aposentou após trabalhar durante boa parte de sua vida no setor de autopeças, foi fundamental para a constituição da empresa familiar. “Na hora decisiva da escolha das peças e de seus fornecedores deixamos por conta dele. Experiência não lhe falta”, respeita Márcio. O time da Carbumac é completado por dois jovens que dão os primeiros passos no ramo da reparação: Pedro Luiz Casson, de 24 anos e reparador há sete anos, e Willan Souza da Paixão, de 19 anos e há dois anos no ramo. Na foto 1, João Martins aparece ao centro e, no sentido horário, vêm pela sequência Marcelo (no alto, à esquerda), Márcio, Pedro e Willan.
Ricardo Brandini (E) e Valdenir Silva de Lima (D) (foto 2). A história da Brandini Serviço Automotivos, no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP), começou a ser escrita há 20 anos quando o preparador de carros para pistas Márcio Brandini montou sua oficina e, com ela, uma equipe que preparava bólidos que participavam da Cup Classic, modalidade na qual competem carros nacionais antigos envenenados. Seu irmão Ricardo, que também é apaixonado por esses veículos, em especial os dotados de motores V-8 (Dodge Dart, Fords Maverick e Landau), chegou à oficina mais tarde, inicialmente para cuidar da parte administrativa – é graduado em Administração de Empresas. Com o esfriamento da Cup Classic, Márcio imigrou para a Austrália, onde ainda hoje trabalha como reparador, e Ricardo, atualmente com 41 anos, assumiu integralmente a oficina que tem se dedicado à reparação geral de veículos nacionais e importados, com destaque para motores, freios, câmbios, suspensões e alinhamentos. Ricardo tem no colaborador Valdenir, o Val, uma espécie de braço direito. O reparador tem 46 anos e está há 24 anos no ramo.
Douglas Lopes Neves (no alto), Fernanda Lopes Neves Barbosa (E) e Celso de Oliveira Neves (D) (foto 3). O reparador Celso, de 54 anos, está no ramo desde 1974 e montou a Carcel Auto Center no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP), em 1989, quando chegou de Maringá (PR). As dependências da oficina serviram de playground para os filhos Douglas e Fernanda, que, inevitavelmente, ao crescerem, aderiram ao negócio. “Não foi preciso chamá-los”, lembra o pai. O rapaz, hoje com 32 anos, graduou-se em Tecnologia Elétrica pela Universidade Mackenzie, e a moça, aos 28 anos, responde pela parte administrativa da empresa que conta com sete colaboradores. “Mexemos com tudo no que diz respeito à reparação automotiva, com exceção da parte elétrica e da funilaria”, avisa Douglas. “Meus filhos são os principais responsáveis pela boa imagem e qualidade dos serviços da oficina. Assim como eles, hoje, fazem parte da empresa, também temos clientes que já são filhos de antigos clientes”, garante, orgulhoso, Celso.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Ingressar em qualquer ambiente com um automóvel de dimensões superlativas – mais de cinco metros de comprimento, quase dois de altura e largura praticamente igual – é o que se chama de entrada triunfal. Ainda mais quando, no caso da Amarok Highline Extreme 2017, ela tem a impactante cor Azul Ravena, criada exatamente para atrair a si todas as atenções, como o veículo testado que, com todos os itens de série e acessórios instalados, estava, em março, cotada em aproximadamente R$ 171 mil.
O primeiro a destacar alguns detalhes pontualmente revistos na nova Amarok, certamente para seduzir um público mais jovem, foi Douglas Neves, da Carcel. “Gostei do jeitão do carro. Ainda que sutil, a reestilização o deixou mais atraente. A grade frontal (foto 4), de modo especial, ficou bonita com esses filetes de alumínio. As linhas meio quadradas também me agradam. O santantonio (foto 5) ficou show de bola e marca presença, assim como as rodas diamantadas de aro 20 (foto 6) que, na verdade, têm um estilo mais urbano do que off-road. O adesivo ‘4motions’ (foto 7) ficou bacana, assim como o aplique em metal com a inscrição ‘Extreme’ (foto 8), que dão identidade ao veículo e expressam sua tração”, aponta.
Filigranas à parte a verdade é que outras pequenas novidades da picape transcendem a dimensão decorativa. No que se refere à segurança, por exemplo, os faróis ganharam lâmpadas de xenônio e foram emoldurados por um filamento de leds (foto 9) que permanecem acesos durante todo o tempo de funcionamento do veículo. “Teremos poucos problemas com esses faróis, pois os leds e as lâmpadas de xenônio não costumam dar manutenção e, se derem, o acesso aos faróis está bem facilitado”, espera Valdenir de Lima, da Brandini Serviço Automotivos. Marcelo Sanches, da Carbumac, elogiou o revestimento da caçamba (foto 10), em manta durabed, uma pintura semelhante ao epóxi e que protege bem a lataria contra umidade, oxidação e as intempéries, dispensando outras coberturas plásticas. “Para quem é adepto de pescarias, como eu, esse é o melhor dos mundos”, sonha.
Em meio a tantos itens de série fornecidos pela nova Amarok Highline Extreme 2017, Márcio Sanches detectou uma falha. “Por ter um vão livre do solo de 24 centímetros (foto 11), trata-se de um carro em que não entramos, mas subimos. Logo, senti falta de um estribo maior que sirva efetivamente como um degrau. Quem tem menos de 1,80 metro sofre para entrar na cabine. Acho que os engenheiros não pensaram muito nos baixinhos”, protesta.
TEST DRIVE
Vencidas as dificuldades em “escalar” a Amarok, o sacrifício parece ter valido a pena, confirmando a impressão – na verdade, certeza – de que as grandes picapes estão cada vez mais parecidas com os veículos de passeio luxuosos e distantes do tempo em que tinham acabamento espartano e estavam condenadas à dura lida do campo. Hoje, de fato, com tanto luxo e tecnologia a bordo e sob o capô, elas estão mais para o gênero country ou sertanejo universitário. “A posição de dirigir, a ergonomia, é agradável e funcional”, credita Márcio Sanches. Segundo a montadora, os bancos dianteiros da nova Amarok, que são revestidos em couro – como os traseiros –, envolvem os ocupantes de maneira anatômica, permitem suportar longas distâncias e receberam o certificado “ergoComfort” por entregarem a seus ocupantes “um conforto compatível aos de sedans de luxo”. De fato, eles possuem 12 ajustes elétricos e dois manuais, mas não são perfeitos. “Faltou um ajuste de memória”, observou bem Douglas Neves, da Carcel. “Em compensação, os retrovisores são bem focados e sem ponto cego. Em certas picapes, ao fazer uma curva você se depara com uma coluna e aqui não encontrei nenhuma”, aponta Valdenir de Lima, da Brandini Serviço Automotivos, para quem a picape se comporta como um autêntico sedan ou hatch moderno. “O acelerador eletrônico dá uma boa resposta e o motor enche rápido e de forma silenciosa”, descreve.
O revestimento do painel em plástico duro (foto 12) não foi uma unanimidade. “É simples e levando em conta o valor do veículo poderia ser mais luxuoso. Seria melhor se tivesse uma textura emborrachada”, sugere Marcelo Sanches. “Mas é preciso ser realista”, adverte Douglas Neves. “Moramos em um país tropical e um painel emborrachado em um carro desses acaba rachando depois de uns 10 anos de uso, devido a incidência dos raios de Sol, o que só traz um problema a mais. Prefiro assim mesmo”. Douglas também chamou a atenção para a falta de algo que, no entanto, é positivo. “O barulho! O nível de ruído interno é baixíssimo mesmo em altas rotações. Deve ser resultado de um eficiente isolamento acústico”, detectou. “Pelo silêncio a bordo a sensação é a de que você não está dirigindo um veículo movido a diesel”, confirma Márcio Sanches.
MOTOR 2.0 TDI
De fato, prestes a se aposentar, o motor 2.0 TDI Biturbo Diesel da Amarok Highline Extreme 2017 se esforça para sair de cena silenciosamente, o que não é pouco para quem passou por um “Dieselgate”. Embora tenha menos potência do que o de suas concorrentes, o propulsor da Amarok não faz feio devido ao câmbio automático de oito marchas e ao sistema biturbo que consegue extrair um alto rendimento de seus 1968 cm3. Na picape, as duas turbinas (foto 13) atuam de modo sequencial. Primeiro entra em ação a turbina menor, que enche mais rápido, com o motor em baixa rotação, e a turbina maior entra na sequência, quando o motor trabalha em rotações mais altas e em velocidades maiores. Todo esse esforço de extração, no entanto, para um motor de, relativamente, pequena litragem, não resolveu o problema do consumo elevado de combustível. Enquanto algumas de suas rivais, como a Toyota Hilux, com motor turbo de 2.8 litros – portanto, com um motor maior –, fazem até 12 km/l na estrada e 10 km/l na cidade, a picape alemã rende, respectivamente, 9,2 km/l e 8,9 km/l. “A Amarok bebe muito”, sintetiza Douglas Neves.
De modo geral, no entanto, o motor desperta mais elogios do que críticas, até porque têm o que todo reparador gosta: espaço para trabalhar. “Nele, os elementos estão bem distribuídos e há bons respiros para se fazer as reparações”, confirma Pedro Luís Casson, da Carbumac. Seu chefe, Márcio Sanches, complementa: “A Amarok é grande, mas não assusta. Já pegamos motores menores e mais complicados. Às vezes, quanto maior o cofre do carro mais espaço encontramos para trabalhar”. Marcelo Sanches concorda e aponta, por exemplo, que o filtro de óleo (foto 14), filtro de ar (foto 15), bomba injetora (foto 16), reservatório de fluido da direção hidráulica (foto 17) e do fluido de freio e a as turbinas estão em locais bem acessíveis.
Por sua vez, Valdenir de Lima, da Brandini Serviço Automotivos, elogiou o fácil acesso à correia dentada (foto 18) e ao seu tensionador (foto 19), ainda que esperasse por uma Amarok já equipada com uma corrente metálica. “Acho que a Volks, nesse caso, priorizou o custo-benefício”, acredita. “Uma correia dentada é, a longo prazo, sempre mais sensível à poeira em carros de uso off-road, por isso aqui cairia melhor uma corrente metálica”, endossa Douglas Neves.
O reparador da Carcel ainda destacou que o motor da Amarok, como muitos outros, acompanhou a evolução dos propulsores movidos a diesel que, no mundo todo, têm conquistado um novo status. “Eles caminharam bastante, é fato, em função dos sistemas de gerenciamento que ganharam a injeção direta e muita eletrônica embarcada, assim como os motores movidos flex. Não por acaso, na Europa, muitos sedans de luxo são movidos a diesel. Outro fator que ajudou na evolução dos motores foi a engenharia de materiais, com mais peças de alumínio que contribuíram para a redução de peso do bloco. A física propriamente dita dos motores é sempre a mesma, mas na soma desses fatores você acaba tirando uma cavalaria mais forte e economia maior de combustível”, analisa o reparador.
Assim como as virtudes do motor são visíveis alguns vícios não se escondem. E um desses é o duto do filtro de ar, de borracha (foto 20), que alimenta a turbina e está perigosamente perto dessa peça e, consequentemente, exposta ao seu calor. “Essa mangueira deveria ser de outro material, mais resiliente ao calor, ou vir coberta por uma manta defletora. Com o tempo e sua exposição a tendência é que ela não aguente a alta temperatura da turbina”, antecipa Márcio Sanches. O alerta vermelho foi geral: “Talvez será preciso rever isso logo”, concorda Douglas Neves, da Carcel. “Essa mangueira vai sofrer e, com ela, o proprietário e o reparador”, completa Valdenir de Lima, da Brandini.
Outro ponto sensível da nova Amarok que não chega, ainda, a ser um embaraço, mas pode vir a ser em função do histórico do veículo nas oficinas é a válvula EGR (Exhaust Gas Recirculation) (foto 21). “Nesses carros já vi mais de um caso em que essa válvula apresentou vazamento líquido, o que é uma pequena dor de cabeça. O pior é que não há como evitar o problema, pois é consequência de uma fadiga precoce de material”, previne Douglas Neves, da Carcel. Essa válvula, que serve para fazer a recirculação de gases no motor, tem um preço bastante salgado, como de resto a maioria das peças da Amarok. A peça original sai por cerca de R$ 4 mil reais.