Na edição de janeiro, apresentamos um breve histórico da evolução tecnológica que permitiu aos veículos brasileiros funcionar, primeiramente, com álcool combustível e, agora, com álcool e/ou gasolina, simultaneamente, em qualquer proporção.
Na ocasião, explicamos que, para entender como a unidade de controle do motor (UCM) gerencia o motor de combustível variável, era preciso compreender três conceitos, sendo que apresentamos apenas um: a relação ar-combustível (RAC).
Nesta edição apresentamos os outros dois conceitos: autoadaptatividade e erro sistêmico, e calor latente de evaporação e o problema da partida a frio.
Autoadaptatividade e erro sistemáticoConceitualmente erro sistemático é a diferença entre a média de um número considerado suficiente de medições e o resultado verdadeiro esperado. O erro sistemático indica a tendência de um instrumento, ou de um sistema de controle, em registrar resultados sistematicamente acima ou abaixo do valor real e qual a amplitude esperada dessa variação. Para você entender melhor, veja um exemplo num alvo de tiro.
No exemplo da figura 3, apesar do atirador mirar no centro do alvo, observe que ele sistematicamente acerta acima e à direita do objetivo dele. Podemos afirmar que o instrumento utilizado pelo atirador possui um erro sistemático associado.
A questão agora é: seria possível acertar o centro do alvo com um instrumento que sabidamente possui um erro sistemático associado? Não é preciso pensar muito para responder que sim e a solução é extremamente simples. Basta o atirador deslocar a mira para a esquerda e abaixo de modo a deslocar a média dos seus tiros para o centro do alvo. Veja a figura 4, com o que acabo de descrever.
Então um erro sistemático pode ser compensado. E é exatamente isso o que quer dizer autoadaptatividade nas estratégias de funcionamento de uma unidade de controle do motor.
Lembra o conceito? "... entre a média de um número considerado suficiente de medições ..." , o projetista define esse "número suficiente de medições" e a partir daí o sistema é capaz de calcular a média, verificar o quanto desvia do alvo e compensar para evitar o erro. Em outras palavras, o sistema torna-se inteligente o suficiente para reaprender o cálculo levando em consideração os próprios erros.
A estratégia de autoadaptatividade apareceu nos sistemas de injeção eletrônica em veículos brasileiros em 1997. Com a estratégia da autoadaptatividade tornou-se possível corrigir o cálculo do tempo de injeção na medida em que o motor envelhecia.
Imagine a situação de um veículo com certa quantidade de combustível E24 no reservatório, que é reabastecido com E100, de tal modo que o novo combustível no tanque mude de E24 para E50, por exemplo. Inicialmente a UCM irá calcular um tempo de injeção t24 que é muito pouco para um combustível E50, ou seja, acabamos de introduzir um erro sistemático. A mistura vai ficar pobre, só que na estratégia flex esse tal "numero suficiente de medições" é reduzido todas as vezes que a UCM percebe um aumento no nível do reservatório de combustível. Em outras palavras, a autoadaptatividade é acelerada e a UCM é capaz de encontrar rapidamente t50 e, com isso, determinar a existência de um E50 no reservatório até que seja feito um novo abastecimento.
A partir da determinação do teor de combustível no reservatório, a UCM passa a calcular normalmente o tempo de injeção, só que agora levando em consideração a nova RAC e volta com a estratégia de autoadaptatividade lenta para acompanhar o envelhecimento do motor e outras fontes de erro.
Entretanto o etanol traz consigo alguns inconvenientes a serem estudados, como o calor latente de evaporação e o problema da partida a frio.
Partida a frioO combustível é dosado na forma líquida, mas é queimado na forma gasosa. Portanto, o combustível obrigatoriamente terá que mudar seu estado físico de líquido para gás e isso só é possível com o fornecimento de calor. Essa energia vem do próprio ar que se resfria (perde calor sensível) enquanto o combustível pulverizado troca de estado (recebe calor latente).
Quem já trabalhou com motores carburados vai lembrar de uma série de estratégias utilizadas para aquecer o ar:
1 - Circular água quente pela base do carburador
2 - Captar ar quente das proximidades do coletor de escape para o coletor de admissão
3 - Circular gases de escape pelas paredes do coletor de admissão
4 - Instalar uma resistência de aquecimento elétrico no coletor de admissão
Essas soluções desapareceram naturalmente com a introdução da injeção eletrônica e uma linha de combustível pressurizada. Contudo, mesmo hoje temos o exemplo dos motores diesel common rail com velas aquecedoras. A questão é a mesma, precisamos da energia térmica acumulada no ar para transformar o combustível de líquido para gás. Esse calor necessário é da ordem de 380 a 500 kJ/kg no caso da gasolina, e de 904 kJ/kg no caso do etanol. Em resumo, precisa-se de 2 a 3 vezes mais calor para transformar de líquido para gás o etanol se comparado com a gasolina.
O problema se agrava quando o ar e os componentes do motor estão frios. A solução encontrada para a questão da partida a frio foi a introdução de um pequeno reservatório com gasolina. Assim a UCM deverá controlar o acionamento da partida a frio quando ocorrer a seguinte situação:
1 - A temperatura da água do motor estiver abaixo de um determinado valor, por exemplo, 17ºC
2 - O teor de álcool no combustível for superior a um determinado valor, por exemplo, 30%
A temperatura da água é determinada diretamente com o uso de um sensor de temperatura. Já o teor de álcool deverá ser armazenado quando do último funcionamento do motor. Assim, quando se desliga o veículo, a UCM deverá guardar o teor de etanol preparando-se para a próxima partida.
Isso porque se tivermos um combustível E24 no reservatório principal será desnecessário ativar a partida a frio, bem como se a temperatura ambiente no ato da partida for da ordem de 25ºC.
Outra solução ainda não adotada seria o aquecimento do combustível ainda no injetor.