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O sucesso da distribuição é o relacionamento


Em entrevista exclusiva para o jornal Oficina Brasil, José Carlos Di Sessa, diretor da CAR, que congrega as bandeiras Roles e RPR, revela que o segredo do sucesso da distribuição no aftermarket automotivo é o relacionamento com o cliente, e alerta: “O varejo que compra direto da indústria perde dinheiro sem sentir”

Por: Alexandre Akashi - 16 de novembro de 2009

Com 9 mil itens em estoque, as distribuidoras de autopeças Roles e RPR atendem cerca de 16 mil clientes em todo Brasil. No comando das duas empresas, José Carlos Di Sessa busca evoluir constantemente, em conjunto com o mercado. 

Segundo o executivo, um dos segredos para o sucesso na operação de distribuição é o relacionamento com o cliente. “Quanto mais próximo do cliente mais você ouve, mais você sente os anseios dele, e isso te dá as orientações das deficiências que a sua empresa tem, e corrigindo, você acaba atendendo os anseios dele”, diz Sessa.

Por outro lado, Sessa alerta para a necessidade de o varejista investir em vendas. “Não vejo muito o nosso varejista preocupado com a venda”, diz ele. “As grandes lojas criam estruturas fantásticas de compra e não fazem o mesmo na área de vendas. O grande investimento tem de ser em vendas”, avalia. Confira abaixo a entrevista completa em que o diretor da Roles e RPR comenta sobre a importância da reposição independente no mercado automotivo.

Jornal Oficina Brasil – Este ano a Roles completou 40 anos e a RPR, 25. Quais os fatos que na sua opinião mais marcaram o setor de distribuição de autopeças neste período?
José Carlos Di Sessa – Ao longo dos anos, a maior marca foi evoluir juntamente com os clientes. O mercado de reposição é extremamente sensível e todos nós aprendemos muito. Nossa função foi aprender junto com a cadeia e tentar aproximar cada vez mais os laços entre as lojas de varejo e nós, distribuidores.

JOB – Como você avalia o mercado de reposição?
JCDS – Essa estrutura do mercado nacional (fabricante, distribuidor, loja de autopeças e reparador) já vem de muito tempo. Tempos atrás pensou-se que ela sofreria alguma alteração, que a cadeia seria rompida, mas o mercado é forte, tanto que a rede de distribuição formada hoje é muito sólida e eu não vejo a curto prazo qualquer eminência de rompimento. O que existe, eu observo em algumas partes do País, especificamente, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, é uma atuação muito mais decisiva das indústrias vendendo diretamente para as lojas de varejo.

JOB – Por ineficiência do canal de distribuição?
JCDS – Não, rompendo o canal. Isso ocorre porque o mercado regional tem características diferentes, e as indústrias buscam espaço.

JOB – Mas isso é a ação de uma indústria pequena?
JCDS – Nem sempre. Às vezes tem indústrias competitivas que não querem deixar o espaço, não querem perder.

JOB
– E o que o setor de distribuição pode fazer para se proteger?
JCDS – Não tem como se defender, porque se a fábrica atua rompendo um canal, ao longo do tempo você perde força. Não há onde buscar solução. A vantagem que nós, distribuidores, temos é que a nossa logística é infinitamente superior em qualidade ao atendimento da indústria, que não tem sistemas de entrega apropriados a atender bem as redes de varejo, que tem o hábito de ter a mercadoria em um espaço de tempo muito curto, e isso só a rede de distribuição tem condições para atender.

JOB – Então o varejo perde dinheiro ao comprar direto da indústria?
JCDS – Perde dinheiro sem sentir, porque eventualmente não tem a peça.

JOB – Existem reparadores que compram direto do distribuidor. Como vocês lidam com isso?
JCDS – Nossa filosofia vender com prioridade máxima para as lojas revendedoras. Esse é o nosso forte. Temos hoje um universo entre 88% a 90% de vendas para as lojas de autopeças. Existem as grandes redes de reparadores que se abastecem até de fabricantes, diretamente, então porque o distribuidor eventualmente também não pode? E isso não é só um distribuidor, todos chegam nesse cliente.

JOB – O que determina a venda ao reparador?
JCDS – Volume de venda.

JOB – De quanto?
JCDS – Varia muito de empresa para empresa. De repente tem uma grande companhia que você abre concessão pelo tamanho que ela é e não pela quantidade que ela representa efetivamente de compra. Não dá para medir tamanho, pois cada um tem uma concepção diferente de tamanho.

JOB – A Roles e a RPR tem um histórico de sucesso. Qual é o segredo?
JCDS – Tanto a Roles quanto a RPR maturaram ao longo dos anos que o relacionamento com o cliente é a porta mais estreita para um bom resultado. Quanto mais próximo do cliente, mais você ouve, mais você sente os anseios dele, e isso te dá as orientações das deficiências que a sua empresa tem, e corrigindo, você acaba atendendo os anseios dele. A grande dúvida é quando o cliente sabe que você tem uma deficiência e ele não te fala. Isso é a pior coisa que pode acontecer.

JOB – Vocês têm algum case que exemplifica isso?
JCDS – Vários cases já se passaram ao longo dos anos. Um dos mais marcantes foi quando havia determinadas faltas de produtos no mercado. A gente tinha um sistema de rede de distribuição horizontalizada, um pouquinho para cada um. Esse foi um marco na vida da nossa empresa. Conquistamos vários clientes nessa época. Hoje, trabalhamos com a busca contínua do melhor estoque possível em cada depósito e a entrega no menor espaço de tempo para cada cliente. Essas são marcas que temos perseguido, e faz parte do nosso business atender o lojista com eficiente e agilidade.

JOB – Como é o atendimento ideal?
JCDS – Para se ter idéia, hoje, de 80% a 90% das nossas entregas intermunicipais ou interestaduais (dentro do raio de 400 km 600 km) são feitas no prazo de menos de 12h. As entregas de vendas feitas dentro das bases, na maioria das unidades, são realizadas, no mesmo dia, à tarde, quando o pedido é feito pela manhã, e quando é feito à tarde, entregamos de manhã no dia seguinte. Em situações de urgência, a entrega é feita em menos de uma hora.

JOB – Isso requer um bom investimento em logística...
JCDS – O investimento em logística é muito grande. Na realidade o processo não é só na logística, é em todo processo de venda. Toda nossa equipe de vendedores externos é 100% automatizada. Eles, na rua, estão conectados online, e em qualquer local passam o pedido via internet pelo nosso sistema, que é faturado, separado, embalado e enviado. A grande arma que o distribuidor tem é a logística, e ter a mercadoria para disponibilizar ao cliente no menor espaço de tempo possível.

JOB – E quando não tem? Como lidar com momentos de crise?
JCDS – Ai se tem o outro lado da história que é o relacionamento com o fornecedor. Tem de ter a área de compras dinâmica, mensurando diariamente os itens que faltam, e trabalhar, junto com a indústria, a reposição no menor espaço de tempo possível. A Roles e a RPR sempre tiveram a característica de ter estoque. Não compramos de última hora. Mantemos um nível de estoque adequado, e isso é uma característica nossa. Tanto que o nosso nível de entrega é superior a 97%.

JOB – Com quantos itens vocês trabalham?
JCDS – Hoje temos cerca de 9 mil itens e estoque girando entre 60 a 70 dias.

JOB – Quando esse nível é considerado crítico?
JCDS – Quando abaixa para menos de 15 dias. Como a venda é muito irregular, os depósitos mantêm seus estoques reguladores. As unidades mais distantes de São Paulo têm uma média de estoque maior, em razão da dificuldade de abastecimento pela distância, e os mais próximos têm um estoque menor.
JOB - De quanto é a força de vendas e quantos pontos vocês atendem?
JCDS – Temos em torno de 460 pessoas ao todo, entre Roles e RPR, para atender entre 15 mil a 16 mil clientes, por mês.

JOB – De que forma vocês coletam as informações que vêm do cliente?
JCDS – Pela força de vendas. A grande maioria é o pessoal das ruas que filtra as informações. Porém, elas chegam de forma desordenada porque cada cliente se expõe para o seu atendente de modo diferente. Isso resulta em uma miscelânea, que ocorre por captação de informações generalizadas, e não ponto a ponto.

JOB – Como assim?
JCDS – Para determinadas situações temos uma pessoa que apura junto aos clientes se aquilo que está ocorrendo é uma tendência ou não. É um ‘ombudsman’ que faz contato com os clientes e nos informa e, a partir disso tomo minhas decisões.

JOB – Para determinar um ponto fora da curva...
JCDS – Eu não consigo identificar isso no curto prazo. Eu identifico se ele está ou não comprando e se ele tem o hábito de comprar determinadas bandeiras e de repente ele foge.

JOB – Então seu pessoal traz informações do que ocorre na base?
JCDS – Pouquíssimo. A grande força do nosso varejo é ele também se relacionar com o cliente dele. O varejo tem hoje do cliente todas as informações e a facilidade que as grandes indústrias criaram de atendimento. O distribuidor nem precisa interferir, porque a própria indústria tem o relacionamento próximo com o varejo. Mas, via de regra, os distribuidores acabam atendendo uma série de solicitações, como cursos, palestras, treinamentos e ai faz parte da nossa missão integrar todos nesse processo.

JOB – A Roles e a RPR desenvolvem alguma ação com varejo e reparação?
JCDS – Nos últimos anos houve uma redução. No início dos anos 2000 houve uma grande investida tanto das fábricas e dos distribuidores de fazer esse trabalho dirigido, auxiliando o varejo e fazendo os grandes treinamentos aos reparadores. De 98 até 2004 foi muito grande o nível de treinamento. Hoje existem ainda treinamentos, mas o grande boom foi naquela época.

JOB – O varejo tem reclamado de vender menos ou não crescer?
JCDS – Tudo na vida caminha para um funil. Os grandes varejistas, estruturados, que cuidam da área financeira, que mantêm um relacionamento com os principais clientes e têm estoque, crescem continuadamente. Para ele não há crise. Não vejo como o varejo não possa crescer, a tendência é o crescimento. Mas, talvez, nem todos os varejos continuarão crescendo, assim como nem todos os fabricantes e reparadores conseguem crescer. Existe um funil e vão ficando os mais competentes.

JOB – Seu cliente pede sua ajuda para vender mais?
JCDS – O varejo em geral identifica que a possibilidade de vender mais é comprando mais barato. Essa é a percepção que ele tem. Haja visto que as grandes lojas criam estruturas fantásticas de compra e não fazem o mesmo na área de vendas. O grande investimento tem de ser em vendas. Em uma empresa comercial, você tem de ter uma boa estrutura de compras, mas o seu grande investimento é em vendas. E eu não vejo muito o nosso varejista preocupado com a venda, porque ele também sofre muito a pressão do reparador, que quando vem para a compra exige dele sempre o melhor preço.

JOB – Pesquisa  da CINAU (Central de Inteligência Automotiva) indica que as peças genuínas ocupam hoje o 3º lugar entre as marcas mais lembradas pelo reparador, a frente de outras muito tradicionais. Na sua opinião, as montadoras têm trabalhado isso de forma mais intensa?
JCDS – Com muito mais intensidade. A força da marca, das bandeiras, a estrutura de orçamento para verba de marketing e campanhas é infinitamente superior do que qualquer indústria. Então, cada vez mais, sentimos a presença da rede de concessionários compartilhando o mercado de reposição. Isso sempre vai acontecer, no mundo inteiro. Nunca vai acabar. A preocupação que a rede de distribuição tem de ter é com o avanço contínuo, para saber se proteger dessa investida. Porém, sabemos que eles são um universo de 3 mil contra 40 mil, 50 mil de lojas revendedoras.

JOB – Ainda assim, são uma ameaça?
JCDS – Tudo é uma ameaça desde que você não tome a medicação adequada no tempo certo. Tem de se preparar para diminuir a incidência dessa ameaça.

JOB – E qual é o remédio?
JCDS – O policiamento contínuo que fazemos em relação à prática dos preços das indústrias para as montadoras, e a medição contínua dos preços que a reposição das montadoras fazem no mercado. Comparamos esses preços, e tentamos fazer com que as diferenças não sejam muito significativas.

JOB – Na sua opinião, o reparador é base na demanda?
JCDS – Pode ser uma base positiva ou negativa.

JOB – Como assim?
JCDS – A negativa é quando ele troca tudo quanto é peça sem a necessidade. Em contrapartida tem o consciente que troca o que precisa e dá confiança muito grande para o consumidor.

JOB – Que armas a Roles e RPR dispõe para coibir a pirataria?
JCDS – Peça pirateada hoje existe no mundo inteiro. O distribuidor tem de ser um vigilante. Por isso é importante a gente estar muito próximo do cliente e falar para ele tomar cuidado, pois às vezes ofertas de preços acima de médias razoáveis dão indícios de que há algo errado. E hoje observamos uma movimentação e atenção muito grande das fábricas em relação às peças falsificadas, pirateadas e recondicionadas. Há uma preocupação grande de toda cadeia em relação a isso.

JOB – Manutenção preventiva é o caminho para o aftermarket crescer?
JCDS – A manutenção preventiva hoje é como cuidar da saúde antes de ir ao médico. Existe uma consciência generalizada que você deve tomar cuidados com a sua saúde, com o meio ambiente, prevendo situações que vão ocorrer lá na frente. Com o carro é o mesmo. Se você conseguir trabalhar o seu carro, fazendo com que ele tenha uma boa alimentação (um bom combustível), tomando os cuidados necessários, trocar óleo, filtros etc., raramente terá problemas. São situações que você pode entender que caminham juntas. O que falta? A cultura. O que já começou? O início desse trabalho. Então, as pessoas já estão sabendo que precisam cuidar da saúde e do carro. Não é recomendado viajar sem uma revisão dos itens principais de segurança. A manutenção preventiva é algo muito importante e nós vamos conseguir isso com o tempo.

JOB – Fortalece a venda de peças?
JCDS – Pode haver dois sinalizadores: num primeiro momento é bom, porque a frota  está muito desgastada, relativamente antiga e sem a manutenção adequada. Porém, a longo prazo, em que as pessoas vão cuidar melhor do veículo, só teremos a reposição de peças de desgaste natural. Outras peças que hoje eventualmente se desgastam, é por não conformidade do que devia ser feito. Talvez essas peças não se desgastem da mesma forma que hoje.

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