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Para Frederico dos Ramos, presidente da Andap (Associação Nacional dos Distribuidores de Autopeças), 2009 começou mal, mas pode acabar bem, caso o consumidor mantenha seu emprego.
Aos 18 anos de idade, o português Frederico dos Ramos desembarcou no Brasil e começou a trabalhar com autopeças, como auxiliar de estoque de almoxarifado. Isso foi em 1962. Em pouco tempo, virou caixeiro viajante, profissão de ostentou por 10 anos. Durante esse período ele e os irmãos fundaram a Ginjo Autopeças, empresa que atualmente possui centros de distribuição no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Porto Alegre e em São Paulo.
À frente da Andap há cinco anos, Ramos tem uma visão bastante crítica do mercado e, ao mesmo tempo, cautelosa na hora de fazer previsões. Acredita que o desempenho do setor de reparação e reposição depende, este ano, da taxa de desemprego, consequência direta do bom ou mau humor da economia mundial, que passa por um momento de reflexão profunda.
Jornal Oficina Brasil – Quais as expectativas da Andap para 2009?
Frederico dos Ramos – É um momento de grande atenção. Penso que é um pouco cedo para traçar cenários positivos ou negativos. De um modo geral, 2008 foi positivo. Começou bem e acabou mal. Provavelmente, 2009 está começando mal e acabe bem. Depende muito de uma série de fatores.
JOB – Quais?
FR – Um deles é o cenário externo. Com a globalização, querendo ou não sentimos os reflexos do que acontece no primeiro mundo. Se não for via consumo, é via investimentos, empregos, enfim. No entanto, a frota de veículos tem crescido mais de 10% nos últimos anos e isso nos leva a crer que o mercado de reparação e reposição deve contar com cerca de 2,5 milhões de novos consumidores.
JOB – E o que isso significa?
FR – Que dependendo do índice de desemprego, teremos um resultado bom ou ruim. Se não houver um desemprego muito grande, acredito que o setor de reposição vai ser positivo. Se houver, ai fica um ponto de interrogação, porque de um modo geral a pessoa desempregada evita um consumo alto. A questão vai ser saber até que ponto será o percentual de desemprego.
JOB – A distribuição em 2008 cresceu?
FR – Cresceu, apesar de eu não ter números fechados, deve ter crescido em torno de 5%. Vinha muito bem, acompanhando o setor, mas nos últimos dois meses ficou ruim.
JOB – Você afirmou que 2009 começou mal e provavelmente acabe bem. Por que?
FR – Como disse, os dois últimos meses de 2008 foram muito ruins. Janeiro está indo bem, mas não tão bem quanto foi janeiro do ano passado. Fevereiro deve ser um mês pior do que o de 2008, pois é muito curto, tem carnaval no meio. A partir de março é que a gente vai começar a adivinhar as coisas. Sendo realista, não consigo enxergar que 2009 seja melhor do que 2008. Se tudo correr bem, e ficar igual, será positivo. Temos essa vertente que é o fator de aumento de consumidor. Isso é positivo para a reposição.
JOB – Então, esse ano vai mesmo começar depois do carnaval...
FR - O País não para. Mas penso que os consumidores de um modo geral estão retraídos pelas noticias que surgem na mídia diariamente. Mesmo quando não cremos, assistimos a mídia e as notícias são as mesmas: crise, crise, crise e crise. E isso, querendo ou não nos leva a reflexões de consumo, e adiamos ao máximo o que podemos consumir.
JOB – Para o setor de distribuição quando a crise chega?
FR – A crise chega depois que passa pelo reparador. Se não houver crise na reparação e a reparação continuar crescendo, a reposição vai crescer também. Mas a gente acha que vai haver queda de demanda na reparação, apesar do otimismo do sindicato da categoria, que tem perspectiva de crescimento.
JOB – Queda de demanda?
FR – São cenários que a gente forma sobre dados passados. A partir de hoje temos um ponto de interrogação e eu não tenho convicção de que haja crescimento nem na reparação nem na distribuição.
JOB – Por que?
FR – Por causa dos fatores colocados anteriormente, principalmente o desemprego.
JOB – O consumidor tem trocado os bens de consumo duráveis pelos não-duráveis?
FR – Eles tem de consumir. Pode consumir menos, mas a parte de alimentação sempre permanece. Trocar de carro, já não está fazendo; faz menos do que antes. Manutenção do veículo, se ele precisar usar, vai fazer, mas uma ‘meia-sola’. A manutenção essencial é postergada, pelo receio do amanhã. Talvez em fevereiro, já tenhamos um cenário diferente, com um desemprego não tão forte quanto se anuncia, e o país começa a andar. Tudo isso pode acontecer. Estamos trabalhando com cenários distintos. Resposta certa não tem.
JOB – Com o volume de vendas para montadoras em queda, a indústria se volta para a reposição?
FR – Tem algumas autopeças que só participam da reposição. Quem participa de montadoras também está presente no aftermarket. Chegou a faltar um item ou outro, mas não é por isso que vai melhorar na reposição. O consumo, na nossa visão, não vai ampliar. Perspectivas de baixa de preços, não. Porque estão perdendo escala e se perde escala, aumentam os custos.
JOB – Reposição e reparação substituem a montadora?
FR – Diria que se completam. O mercado de reposição não dá conta sem a montadora, porque tem o item inicial. E se não houver a montadora, não há peça de reposição. Não tem escala. Só começa a ter reposição depois que os carros estão rodando. O inverso também é verdadeiro. As montadoras e as concessionárias não dão conta da reposição.
JOB – Quando uma vai mal a outra vai mal?
FR – Não necessariamente, mas acaba ocorrendo. O mercado é o mesmo. Por que é que vai mal o mercado de reposição da montadora? Se o mercado cai, cai para a montadora e cai para o independente. Não tem nada a ver a reposição para o carro novo. A montadora pode ir mal e vender na reposição e vice-versa. Normalmente, quando cai a demanda de carro novo, a reposição das montadoras melhora, porque eles ficam voltados para a reposição.
JOB – E no independente, melhora também?
FR – Se o mercado for crescente sim. Somos concorrentes? Somos. Mas você já imaginou um determinado veículo que não tem peças na reposição e o proprietário fica com dificuldade na manutenção? O dissabor que ele tem fará com que provavelmente não compre mais daquela marca por falta de assistência. Pode ocorrer isso. Então, a reposição independente vem ajudar e muito a imagem da montadora. Por que se continua vendendo muito VW, Fiat, GM? Por causa da manutenção. Encontra manutenção em todos os lugares.
JOB – E as novas?
FR – As novas são um ponto de interrogação. Tem muito trabalho a ser feito. Imagina uma montadora que guarda os segredos lá e não libera para o mecânico independente. Aí o carro do usuário quebra e ele não consegue arrumar em lugar nenhum porque somente alguns consertam. É um cidadão que provavelmente, quando vender esse carro, não vai mais querer aquela marca. Então as montadoras precisam enxergar isso. Vamos dar informação porque cria facilidade para o usuário.
JOB – Como a Andap vê projetos como a Campanha Carro 100% Caminhão 100%?
FR – Estamos juntos no projeto, que vai ser bom em médio prazo. Não conseguimos avaliar hoje os benefícios que já trouxe, porque é um projeto de conscientização do usuário. Na nossa visão, é muito favorável a toda cadeia, principalmente ao usuário, porque a manutenção preventiva é muito mais barata do que a corretiva.
JOB – Mas muito motorista não se atenta a isso...
FR – Muito usuário de automóvel acha que o carro dele não quebra. Está funcionando, rodando, vai embora. Infelizmente ou felizmente o carro vai ficando ruim aos poucos, e o condutor vai se acostumando com isso e acha que o carro está bom. Só percebe quando quebra, mas na verdade o carro está ruim faz tempo, e ele não sente. A embreagem vai se desgastando; perde frenagem, mas ele vai se acostumando, se adapta à ineficiência do dia a dia. Resultado: fica na rua.
JOB – E como convencer o usuário de que a manutenção preventiva é boa?
FR – Para o usuário final a conta fica mais barata. Esse argumento é altamente válido. É mais barato para ele e para a sociedade, pois o fluxo de trânsito melhora, vidas deixam de ser perdidas, e é mais barato para o país que tem de pagar menos seguro hospitalar, menos seguro de invalidez.
JOB – Muitas vezes o cliente da oficina precisa ser financiado, tanto para manutenção corretiva quanto preventiva. Como fazer isso?
PR – As boas oficinas de reparação usam cartão de crédito e financiam em seis vezes sem o menor problema. Infelizmente é a minoria. Por sua vez, elas também têm um prazo no varejo, assim como um prazo na distribuidora. Só que prazo e preço não combinam. E tem gente que quer prazo e preço e esse é o grande problema para o financiamento do setor. Nós [distribuidores] vendemos com uma média de 60 dias de prazo.
JOB – Varejo compra mais preço ou prazo?
FR – Tem de tudo, para todos os gostos. Tem varejo que opta pelo preço e os que optam pelo prazo.
JOB – O que é mais vantagem para o distribuidor?
FR – Independe. A relação custo benefício está feita. Se eu vender como atacadista, o preço é diferente de 60 dias. Não é o fator risco de crédito é o fator custo.
JOB – E como financiar peças para mecânicos?
FR – O cadastro deles nos bancos é fraco. O mecânico é bom pagador, honesto, mas não tem estruturação. Na verdade não tem como fazer financiamento. Nós temos pleiteado sempre da fábrica o prazo máximo possível. Só que é aquela história, prazo e preço não combinam. O ideal seria que o varejo, ao ver confiança no mecânico, oferecesse um prazo maior.
JOB – A cadeia do aftermarket é bem definida: reparador, varejo, distribuidor e indústria. No entanto, algumas empresas quebram essa hierarquia. Como a Andap lida com isso?
FR – Temos consciência de que determinados produtos a venda são de fabricante para reparador, como também temos consciência de que em outros a venda é de fabricante para varejo. Depende muito do tipo do item do produto, porque a variedade é muito grande e porque é um item muito técnico. Então provavelmente alguns segmentos, como o de óleo lubrificante, a grande venda se dá direto para o varejo. Se pegarmos determinados produtos, onde houver uma concorrência acirrada, a venda se dá diretamente aos reparadores. Depende qual é o produto e a proposta da fabricante. As grandes fábricas, na verdade, continuam como sistema de distribuição que, na opinião delas e da nossa, é o meio mais barato e mais eficiente de colocar o seu produto no cliente final.
Somos especialistas no que fazemos. Se a fabrica fizesse diretamente ao aplicador ou ao varejista todo o trabalho de logística, análise de crédito, o fracionamento de embalagem e a administração da carteira de crédito de clientes, provavelmente o produto chegaria mais caro ao consumidor final. Por incrível que pareça. O distribuidor trabalha com uma margem muito apertada. Quando sobra 2% no fim da linha é muito bom.
JOB – Como a distribuição lida com a relação entre autopeça original e paralelo?
FR – A maior parte dos distribuidores trabalha com peças de qualidade assegurada e que são fornecidas pelos mesmos fabricantes das peças originais. Então a gente não considera essa peça paralela. Considera original. Não é genuína com a marca da montadora, mas é original porque é o mesmo provedor. E tem alguns que não são provedores da montadora, mas tem qualidade assegurada.
JOB – E as importadas?
FR – Hoje entram coisas importadas que são arriscadas. O ideal é que houvesse uma normatização, sancionada pelo Inmetro. Assim a qualidade estaria assegurada. Quem fornece equipamento original, normalmente tem maior facilidade de vender.
JOB – Qual a opinião da Andpap sobre redes como a Âncora?
FR – Não temos nada contra. Dizer se é bom ou não, são eles que têm de avaliar. Há direitos e deveres. Às vezes eu gostaria de trabalhar com outras marcas aqui, mas não faço porque tenho deveres com a que represento. Provavelmente, os associados da Rede Âncora também tenham esses problemas e alguns estejam se perguntando se vale ou não. A princípio, tudo parece maravilhoso. Depois tem o dia-a-dia para ser trabalhado.
Matéria da edição Nº216 - Fevereiro de 2009