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A história viva do automóvel


Em entrevista exclusiva ao jornal Oficina Brasil, o jornalista e engenheiro José Luis Vieira, autor da trilogia A História do Automóvel (editora Alaúde), conta sobre seu  fascínio pelos carros e como um monte de ‘tralha’ se transformou na mais rica coleção a respeito da evolução dos automóveis

Por: Alexandre Akashi - 19 de abril de 2010

O jornalista e engenheiro José Luis Vieira é uma sumidade em automóveis.
Não é à toa, portanto, que a ele coube escrever A História do Automóvel, trilogia que revela toda a paixão de pelo automóvel, cultivada desde criança e primeiramente alimentada pela mãe. 

O resultado não podia ter sido outro: antes mesmo de o Brasil pensar em ter uma indústria automotiva expressiva, Vieira freqüentava aulas do Curso de Engenharia Automobilística, nos Estados Unidos.

Um ano antes de terminar o curso, foi feito jornalista, e passou a contribuir de forma significante aos leitores brasileiros, ao escrever suas impressões sobre as novidades do mercado, para a Revista de Automóveis, do Rio de Janeiro.

Assim, a rica história de vida de Vieira confunde-se com a história do automóvel no Brasil. Confira abaixo um pouco mais sobre esta incrível personalidade do setor automotivo nacional e conheça algumas histórias que não estão nos livros.

Jornal Oficina Brasil – Como surgiu a idéia de escrever a trilogia A História do Automóvel?
José Luis Vieira – A idéia de escrever os livros não foi minha, mas de minha esposa, Vera. Em casa havia um quarto cheio de papéis que eu não deixava ninguém mexer e um dia ela me encostou na parede e disse: “Ou você faz algo com essa tralha toda ou quando você voltar não vai encontrar mais nada aqui!” “E o que você quer que eu faça?”, perguntei a ela. “Por que você não faz um livro? Aproveite esse material todo para escrever sobre a história do automóvel.” E eu achei essa uma boa ideia, pois para mim era um absurdo eu ter todo esse material e não compartilhar com tanta gente que gostaria de ter esse material e não tinha acesso.

JOB – Quando foi isso?
JLV – Há uns 20 anos. Durante 15 anos, eu fucei em toda aquela papelada e encontrei mais ou menos 80 mil fotos, livros, revistas, catálogos, foi uma loucura. E eu fazia isso nas horas vagas, por isso que levou 15 anos.

JOB – Qual foi a maior dificuldade nesta pesquisa?

JLV – Foi catalogar tudo. Por sorte já havia um negócio chamado computador que facilitou por ordem cronológica. Uma hora encontrava algo de 1914, depois de 1981, pegava outro troço, era referente a algo de 2000 aC. Para colocar isso no jeito, só em ordem de tempo. E se não houvesse computador, não teria sido feito.

JOB – E tudo coube em três livros...

JLV – Quando terminei eram 5 ou 6.

JOB – E por que encolheu para três?
JLV – Isso foi uma decisão da editora. Segundo eles, coleções com mais de três volumes não vendem. Então reduziram. Quem entende de vender livros são eles.

JOB – Então ainda há material para mais três livros?

JLV – É possível, mas ai haveria a dificuldade de incluir no meio. Mas tenho recebido muitos agradecimentos de pessoas que precisavam das informações e não tinham. Era isso o que eu queria passar.

JOB – Como você juntou tanta informação naquele quarto?

JLV – Desde que eu era criança eu adorava automóvel e ia catando coisas. Minha mãe percebeu que o filho mais velho dela conhecia os automóveis pelo barulho do motor, reconhecia a marca e o tipo, e ela começou a me cutucar, já que se interessa tanto, faça alguma coisa a respeito. E até os meus 18 anos, quando ela faleceu, catei tudo o que pude. Aos 18 anos fui embora para os Estados Unidos e lá fiz o curso de engenharia automotiva e no último ano recebi uma carta de um senhor, chamado Murilo Pereira Reis, que publicava a Revista de Automóveis, no Rio de Janeiro, reclamando das dificuldades de encontrar material sobre automóveis no Brasil, e pedindo para que eu escrevesse sobre o assunto. O resultado foi que eu me tornei jornalista antes de virar engenheiro. E é lógico, era péssimo como escritor. Aprendi relendo os textos que ele publicava, comparando o que eu havia enviado com o artigo final, publicado na revista.

JOB – Mas você chegou a trabalhar como engenheiro?
JLV – Sim, claro. Foi algo curioso, pois naquele tempo, muito mais do que hoje, a imprensa nos Estados Unidos era algo muito sério e respeitado. Todo mundo naquele tempo usava chapéu, e na base do chapéu o repórter colocava uma etiqueta com a palavra press (imprensa) e todo mundo deixava ele passar, ele tinha acesso livre a diversos locais que eu, como engenheiro, não tinha. Naquele tempo, ninguém pensava em colocar uma etiqueta daquelas no chapéu sem ser da imprensa. E ele chegava na fábrica e entrava em locais que eu que estava lá não podia entrar, pois era fora das minhas possibilidades. Foi ai que eu vi que percebi que era mais vantajoso eu ser jornalista.

JOB – Naquela época você já havia feito um curso que aqui no Brasil não existia...
JLV – Sim.

JOB – O que mais te marcou naquele tempo?
JLV – Demorou um pouco, mas compreendi que os carros são feitos a partir da cultura do povo. Eu olhava aqueles carros e não entendia por que os Citroën tinham tração dianteira, uma estabilidade incrível, mas uma caixa de mudança horrorosa. Haviam diversas diferenças entre um carro e outro, e eu olhava o carro do meu pai, grandão, totalmente diferente, e via uma Mercedes, que não era nada do que é hoje e, eu olhava aqueles Fiat 1.100 que tinha muito aqui no Brasil, era um carrinho rápido, interessante, gostoso, mas coitadinho, não agüentava os buracos de jeito nenhum, desmanchavam. Tinha um, inclusive, que foi batizado no Brasil de Leite Gloria, porque desmancha sem bater.

JOB – Que carro era esse?
JLV – Era o Renault Dauphine, que depois virou Gordine.

JOB – Como é viver toda esta evolução do automóvel?
JLV – Os carros mudaram muito, sem dúvidas, mas na essência o princípio é o mesmo.

JOB – E você arrisca uma visão de futuro?
JLV – Toda vez que tentei fazer uma previsão de como seria o carro do futuro eu errei, então não me arrisco mais.

JOB – Mas diante de toda informação que você tem, qual seria a tendência da evolução do automóvel? O motor elétrico?

JLV – Ainda não, pois existe o problema das baterias. Se isso for resolvido, ai, sim. Uma alternativa por hora é o veículo híbrido, com dois motores, um elétrico e outro a combustão.
Uma aplicação possível é a instalação de um motor elétrico individual para cada roda, e isso pode mudar todo o sistema de direção, pois se cada motor tiver uma velocidade diferente, direciona o veículo de acordo com a aceleração das rodas.

JOB – E que boa ideia você viu nascer e não vingou?

JLV – Havia uma perua com capota removível, que virava picape. Era uma ideia incrível, porque permitia levar objetos grandes atrás, porém não foi para frente. [Nota do editor: o veículo citado era um Studebaker Wagonaire, produzido nos Estados Unidos entre 1963 e 1966. Veja mais detalhes no site do jornal Oficina Brasil]

JOB – E em todos estes anos de indústria automotiva, qual foi o carro que você mais gostou dirigir?

JLV – Sem dúvida nenhuma foi um Duesenberg 1932, com motor V8 de comando duplo, de 320 cavalos de potência.

JOB – E como vocês se conheceram?
JLV – Um dia estava lendo uma revista que comprava sempre, chamada Cars and Parts, que é especializada em manutenção e parte técnica de carros antigos, e li uma nota sobre um senhor que tinha um Duesenberg e ele tinha acabado de doar este carro para o museu Auburn Cord Duesenberg, com a condição de que o carro seria entregue ao museu apenas depois que ele morresse. Eu fiquei entusiasmado com isso, pois havia descoberto uma pessoa que anda com este carro. Um maluco, porque é um carro típico de museu, para ser protegido por guardas armados.

JOB – Quando foi isso?
JLV – Na década de 1980. Naquela época se usava telefonista nos Estados Unidos, e assim eu consegui o número do telefone dele e liguei. Ele ficou surpreso por alguém de um lugar chamado Brasil, tão distante dele, pudesse ter interesse naquele automóvel. E me convidou para ir lá, num dia que estivesse nos EUA. Na primeira oportunidade que fui a Detroit, peguei um carro e me desloquei para Ohio, mas quando cheguei lá o Duesenberg estava desmontado, ele o estava preparando para que eu pudesse dar uma volta.

JOB – Foi frustrante essa primeira tentativa...
JLV – E como! Mas eu voltei lá algum tempo depois e entrei em contato com ele novamente, e ai, sim. Ele me levou para dar uma volta e um determinado momento ele parou e disse: “Agora é sua vez de guiar”, eu quase morri! Isso não vai sair da minha cabeça nunca.

JOB – E qual a sensação de dirigir uma raridade dessas? Você chegou a testar o carro de forma ampla, ou só a sensação de sentar ao volante, engatar a primeira marcha e sair devagarzinho já era o bastante?
JLV – Já era o bastante, mas fizemos algumas besterinhas com o carro, que andava muito. E no interior dos Estados Unidos raramente há guardas muito perto e a gente consegue extrapolar um pouco. Quando tem é um problema, mas havia um sistema de rádio que os caminhoneiros usam muito lá, chamada de CB (Citizen Band, Faixa do Cidadão) que é utilizada para trocar informações. Quando alguém quer andar rápido, perguntam se há algum guarda por perto. Quando não tem, dá para andar. Claro que não dei os 200 km/h que o carro oferecia, mas cheguei a 173 km/h em segunda marcha. Aquilo era automóvel. Depois a gente engatava terceira, que era a última marcha e andamos um pouco acima do limite.

JOB – De todo o material que você pesquisou, tem algo sobre caminhão? Você tem planos de escrever um livro sobre a História do Caminhão?

JLV – Vivem me perguntando isso, mas a verdade é que ainda não sei a resposta. No meio daquela papelada toda tem algo sobre caminhão, mas não é muito. Tem coisas como o primeiro carro do Daimler, que era um carro alto e muita gente o tinha comprado, pois ele levava carga ao se retirar os bancos de trás, e era uma alternativa para as carroças puxadas a cavalo. Isso foi muito mais típico nos Estados Unidos, pois os carros grandes eram normalmente vendidos para que o sujeito o utilizasse durante a semana como meio de transporte de carga e de fim de semana como meio de transporte de passageiros. Isso era normal e tem uma duas ou três histórias nesse sentido.

JOB – E o que aconteceu com a sua biblioteca?

JLV – Eu a doei para a FEI. Foram duas Kombis totalmente cheias e depois saiu meio carro meu. Está lá. Eles montaram uma biblioteca e puseram meu nome. Mas nunca fui lá.