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Ao recordar o passado, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade escreve em Confidência do Itabirano que Itabira é “apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”. De antemão se desculpando aos leitores da melhor literatura já produzida no País por se apropriar de tão nobre imagem para fins tão pouco humanos, o herege autor destas linhas a utiliza somente para refletir a situação de um automóvel: o Ford Ecosport. Pioneiro entre os meios que se movem sobre quatro rodas ao inaugurar em 2003 o, hoje, congestionado segmento dos SUVs compactos, o Eco, como é chamado pelos íntimos, pontificou por 11 anos. “Não tinha para ninguém”, poderia dizer de si mesmo se gente fosse, ao mirar o passado. Atualmente, porém, os gráficos estampam outra foto. Em um mercado fratricida no qual produtos saídos das mesmas linhas de montagem se canibalizam pela preferência dos consumidores, o Eco, no acumulado de 2017 (janeiro a setembro), figurou em um remoto quarto lugar nas vendas, com 11,23% de participação. Pouco demais para quem já foi rei.
Criado pela área de engenharia da Ford Brasil sobre a plataforma da segunda geração nacional do Fiesta, de 2002, o Eco, sob várias configurações, virou um sucesso mundial sendo produzido em seis fábricas ao redor do globo e comercializado em mais de 140 países, incluindo Estados Unidos e Canadá. Segundo a Focus2move, agência global especializada em consultoria e mercado automobilístico, o Ecosport figurou por anos entre os mais comercializados do planeta automóvel. Como, porém, o segmento dos SUVs compactos ou crossovers, termo que define veículos produzidos sobre a plataforma de outros para rodarem como utilitários esportivos, é lucrativo demais para ficar sob a hegemonia de uma marca, outros players avançaram para dividir o bolo. Vai daí que o SUV da montadora do oval azul começou a perder espaço com a incessante chegada de concorrentes cada vez mais preparados como os Honda HR-V e WR-V, Jeep Renegade, Renalt Duster e Captur, Nissan Kicks, Hyndai Creta etc. Contribuiu para enfraquecer o desempenho comercial do Eco a infeliz opção pela transmissão automatizada power-shift que tantos prejuízo e transtorno deram, respectivamente, à montadora e seus proprietários.
Apesar das últimas patinadas do seu SUV compacto, a Ford, talvez por ter criado o segmento, não o abandonou e tratou de renová-lo. Produzido no Complexo Industrial da Ford Nordeste de Camaçari (BA) e lançado em julho agora, o novo Ecosport Titanium 2.0 AT 2017 é o resultado de um upgrade e de uma reestilização capazes de preocupar a concorrência. Entre outras novidades, o Eco disse adeus ao câmbio power-shift e adotou uma transmissão automática convencional de seis velocidades. O motor Duratec também trouxe injeção direta e o interior do veículo, requintado, é uma prova que a Ford aprendeu alguma coisa com a concorrência. A montadora ainda melhorou em 6% o controle de rolagem do Eco e aumentou em 5% sua rigidez torcional. Com tudo isso, o líder voltará? Para saber a resposta, o SUV, cotado em R$ 93.857,00 pela Tabela Fipe, foi, em setembro, testado pela equipe de reportagem do jornal Oficina Brasil que o submeteu a um time de primeira linha de reparadores, como Irismar Conceição do Nascimento (e) e Walter Harada (d) (foto 1). Por ter tra
balhado na Ford durante quase 15 anos e por outro tempo igual ter comandado uma concessionária da marca, o reparador Walter Harada, 71 anos e 60 de profissão, é uma autoridade quando se trata de analisar veículos dessa montadora. Desde criança, Walter já trabalhava na loja de autopeças da família, mas após graduar-se em Administração de Empresas ele se transferiu para a Ford, onde começou como trainee e passou por várias áreas, inclusive a técnica. Atualmente ele é proprietário da oficina RTR Autocenter, cujo movimento chega a 150 carros por mês e está instalada há mais de dez anos no bairro da Saúde, em São Paulo (SP). Um dos dez colaboradores da oficina é Irismar, 41 anos, baiano de Paulo Afonso, com dez anos de experiência e que passou por vários cursos profissionalizantes.
Jorge Hidemasa Ifuku (foto 2). Técnico em eletromecânica e administrador de empresas, Jorge tem 49 anos dos quais 30 dedicados à reparação automotiva. Desde 1991 ele está à frente da própria oficina, sendo que nos últimos quatro anos o reparador tem como sócio Roberto Yasuhiko Takushi, que empresta o nome à Oficina Takushi, localizada na Vila Nilo, zona norte da capital paulista. A oficina conta com dois colaboradores e responde por um movimento aproximado de 70 ordens de serviço mensais, boa parte das quais relativas a reparações preventivas. “Meu sócio e eu procuramos incutir em nossa clientela a necessidade da manutenção preventiva que, para eles, sai mais em conta do que uma manutenção corretiva. É sempre melhor prevenir do que consertar”, garante.
Luís Antônio Gomes de Oliveira (foto 3). Com sua oficina, a Carbuline, localizada há 25 anos em um dos bairros de maior poder aquisitivo de São Paulo (SP), o Itaim Bibi, Luís Antônio, de 53 anos, e mais dois colaboradores dão conta de aproximadamente cem ordens de serviço por mês. O reparador considera-se quase um autodidata em sua profissão, pois aprendeu boa parte do que sabe na prática. “Fiz um curso de carburação, mas aprendi muita coisa mesmo sozinho, desde adolescente, no chão da oficina e também um pouco com o meu pai. Os membros da minha família parecem ter um dom de saber trabalhar bem com as mãos”, tenta explicar. Apesar da Carbuline ocupar um ponto privilegiado, Luís admite que sua clientela também sentiu os desdobramentos da crise. “O brasileiro passou por um período difícil e que o fez evitar a manutenção preventiva. Mas estou sentindo que, felizmente, o pior já passou e a microeconomia está voltando lentamente a se aquecer”, acredita.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Por fora, as mudanças do novo Ecosport Titanium 2.0 AT 2017 se concentram na dianteira com o conjunto ótico dotado de faróis de xenônio e luzes de neblina maiores, grade trapezoidal e para-choques (foto 4) que deixaram o veículo mais alto e com aparência moderna, parecendo uma espécie de irmão menor do Edge. Na traseira, ao contrário do modelo vendido em países do primeiro mundo, o estepe (foto 5) segue pendurado na porta. Por dentro, em compensação, tudo é novo. A montadora foi generosa na utilização de couro nos bancos, na faixa inferior do painel e nas laterais das portas. No painel, o revestimento emborrachado em dois tons (foto 6) é um acabamento exclusivo da versão topo de linha Titanium – nas demais configurações, o interior continuará com tons mais escuros. Outras novidades elogiadas pelos reparadores foram os sete airbags –frontais, laterais, de cortina e ainda um de joelhos para o motorista – e o sistema de áudio Sony Premium com nove alto-falantes (foto 7).
“Sem dúvida, o Ecosport subiu de patamar. Ficou mais moderno e luxuoso”, avalia Walter Harada. “Está mais confortável e silencioso. A Ford investiu mais no interior do veículo do que em seu exterior. O tratamento acústico da cabine é notável”, anota Jorge Ifuku. Entre os reparadores, a aprovação do interior do Eco só não foi unânime devido à tela de oito polegadas da central multimídia Sync 3 (foto 8), fixamente projetada no centro do painel e que causou estranheza. “Não gostei, dá a impressão que poderá se quebrar com um movimento mais brusco dos ocupantes dos bancos da frente”, receia Luís Antônio. “Não combinou com a arquitetura do interior”, critica Irismar, para quem o porta-luvas também poderia ser maior.
TEST DRIVE
Um carro confortável e silencioso, como já ficou registrado acima, é meio caminho rodado para apresentar uma boa dirigibilidade. E com o Ecosport Titanium 2.0 AT 2017 se deu o mesmo. O comportamento dinâmico do veículo comprovou o acerto do tratamento acústico até trafegando pelo relevo lunar das pistas da cidade de São Paulo, o que leva a crer – como ser verá mais adiante – que o trabalho realizado na suspensão, macia e estável, é elogiável. Em resumo, o Ecosport parado é bom e, rodando, melhor ainda. “Sua ergonomia é boa e a arrancada é adequada”, sintetiza Jorge Ifuku, que teve o privilégio de acelerar o veículo pela Rodovia Fernão Dias. “O comportamento em estrada é excelente, mas nada além do que se possa esperar de um motor 2.0 com câmbio automático de seis velocidades. Seus mais de 170 cavalos respondem bem, nas horas certas, principalmente na necessidade de retomadas e ultrapassagens. Por mim, o carro está aprovado no quesito dirigibilidade”, crava o reparador.
Rodando pela região de planalto da Rodovia dos Imigrantes, Walter Harada e Irismar Nascimento assinam em baixo o parecer do colega Jorge. “Na estrada, o Eco apresenta um comportamento compatível com a pegada 2.0 de seu motor. Parece desenvolver bem e ter uma tocada tranquila. Já no modo esportivo, utilizando as borboletas atrás do volante, o carro tem comportamento mais nervoso”, descrevem. Já pelas ruas normalmente entupidas do Itaim Bibi, Luís Antônio, impedido de acelerar o veículo como gostaria, chamou atenção para a ergonomia. “Dirigir em um trânsito difícil é, às vezes, uma tortura, mas fica melhor quando o carro é confortável. Com meu 1,86 metros e 100 quilos de peso, me senti confortável e à vontade. A regulagem do banco e do volante ajudam bastante a não sentir cansaço. Só acho que, talvez, pessoas com uma menor estatura não vão enxergar a extremidade do capô. Muitos usam essa visão para ter referência em manobras mais curtas. A visibilidade traseira também não é das melhores, mas essa é uma característica dos SUVs”, define.
MOTOR DURATEC GDI
Na versão Titanium, topo de linha, o Ecosport vem com motor 2.0 Duratec GDI (sigla em inglês para injeção direta a gasolina), o mesmo do Focus, com bloco, cabeçote e cárter de alumínio. Como sua sigla indica, o propulsor apresenta injeção direta, além de um duplo comando variável de válvula para admissão e escape (foto 9). Essas válvulas utilizam tuchos mecânicos que dispensam manutenção assim como o sistema de corrente metálica (foto 10), que substituiu a correia dentada e foi projetada para operar durante toda a vida útil do motor, que teve sua taxa de compressão aumentada de 10,8:1 para 12:1. Agora o propulsor do Eco, que entrega um alto torque em baixas rotações, rende até 176 cavalos no etanol e 170 cavalos na gasolina a 6.500 rpm, números que o elevam, oficialmente, ao posto de mais potente SUV compacto do País.
“Foi um avanço terem adotado a corrente metálica”, comenta Walter Harada, para quem o motor do Eco oferece a mesma arquitetura de antes, ou seja: pouco espaço para trabalhar. “Para chegar à válvula termostática teremos que desmontar várias partes do motor”, justifica. Para Luís Antônio essa dificuldade é intrínseca aos motores Duratec e foi acentuada com a sua evolução. “A injeção direta, em particular, veio dificultar o acesso aos bicos, no caso de uma reparação. Mas isso é inevitável. Em qualquer carro com essa tecnologia será preciso sacar o coletor de admissão (foto 11) para chegar até eles. A evolução, no entanto, compensa, e muito, o contratempo, pois o motor ganha em potência, economia e suavidade”, relativiza. O segredo para chegar a tanto? “O combustível entra diretamente, pulverizado, na cabeça do pistão graças a essa bomba de alta pressão (foto 12). A gasolina ou álcool é admitido ali com cerca de quatro bares e sai com até 150 bares, dependendo de como o motor estiver trabalhando”, aponta Luís. “Essa alta pressão aumenta a eficiência do combustível dentro do motor”, arremata Walter Harada.
Outro indício da evolução do motor do Eco foi observado pelo reparador Jorge Ifuku, que chamou a atenção para a especificação do óleo lubrificante impresso na sua tampa (foto 13) de admissão. “Agora o recomendado é o 5w20, mais fino, que não é uma especificação padrão. Antes era o 5w30, um lubrificante mais viscoso. A alteração se deve, certamente, às folgas internas do motor que ficaram mais justas. Isso faz parte da evolução”, explica. “Essa especificação na tampa evita que se coloque um óleo inadequado que desgaste o motor e isso faz toda a diferença. Antigamente os carros utilizavam óleos minerais cuja volatilidade variava com a temperatura e perdia a viscosidade conforme o aquecimento. Hoje os óleos sintéticos têm a propriedade de manter a viscosidade sob temperaturas mais altas”, completa Luís Antônio.
Em que pese algumas introduções pontuais no motor 2.0 Duratec GDI ele é um “velho companheiro de trabalho” para Jorge Ifuku. “As novidades, na verdade, vêm garantir uma sobrevida a esse motor que, aparentemente, não dará muitos problemas”, julga. Entre as características que não mudaram, segundo o reparador, estão o coxim, as bobinas individuais para as velas e o corpo de borboleta (foto 14). Entre os detalhes percebidos, o reparador apontou um ressonador (foto 15) na parte posterior do radiador e que contribui para neutralizar a vibração e evitar o barulho. “O colocaram aqui, na proximidade de algumas peças plásticas que cobrem o radiador, certamente por essas vibrarem mais”, entende. Outro detalhe, desta vez não muito abonador, aos olhos de Jorge foi um feixe de chicotes envolvidos grosseiramente (foto 16) com uma espécie de fita isolante. “Não é o acabamento que esperamos ver em um veículo desse porte. Aí faltou capricho”, critica.