Ninguém mais pode ignorar que o mundo vive a hora e a vez dos SUVs. Em um tempo que a indústria automobilística procura uma ressignificação para se reposicionar em um planeta que, principalmente nos países desenvolvidos, busca novos valores – motores elétricos e limpos, veículos autônomos e sistema de compartilhamento de uso que privilegia a mobilidade coletiva –, o segmento dos utilitários esportivos exibe disposição para animar um mercado que, tradicionalmente, ainda respira sobre quatro rodas. De 2014 para cá ele foi um dos poucos que cresceu e em 2016 já representava 28,8% do mercado global de automóveis. No Brasil, a tendência pisou fundo no acelerador, pois enquanto a venda de automóveis e de comerciais leves aumentou 9,36% em 2017, a dos SUVs bateu em 37%. E nesse grid quem disparou na pole foi o Jeep Compass que, no ano passado, sozinho respondeu por 11,9% das vendas do segmento com 49.187 unidades emplacadas. Mais, portanto, do que certos modelos de entrada.
O sucesso comercial de um SUV de nível premium e que parte de R$109.990 mil em um País subdesenvolvido e mal recuperado de uma crise econômica de proporções abissais é algo notável. Mas pode, em parte, ser explicado em função do que o veículo promete e, de fato, entrega: pacote bem recheado de equipamentos eletrônicos – principalmente com itens de segurança – por um preço igual ou até menor do que os concorrentes, design que lembra o estiloso e maior Grand Cherokke, conforto interno acima da média em se tratando de um carro nacional, robustez e motorização potente com opções flex e turbodiesel e trações 4x2 e 4x4. Também pesa a favor de sua boa aceitação, em comparação com os rivais, o variado leque de versões do modelo. Oito ao total: Sport 2.0 Flex AT6, Longitude 2.0 flex AT6 e 4x4 turbodiesel AT9, Night Eagle flex AT6 e 4x4 turbodiesel AT9, Limited 2.0 flex AT6 e 4x4 turbodiesel AT9 e Trailhawk 4x4 turbodiesel AT9.
Acrescente-se às qualidades desse Jeep o fato dele ter sido caprichosamente lançado, particularmente no Brasil. O Compass é um raro caso de veículo mundial com DNA norte-americano cuja segunda geração rodou primeiro por aqui, em setembro de 2016, e só seis meses depois, em março de 2017, nos Estados Unidos. Enquanto o carro vendido lá é montado no México o Compass brasileiro sai da planta da Jeep em Goiana, Pernambuco, de onde também vêm o Jeep Renegade e o Fiat Toro, com os quais ele compartilha a plataforma. Um desses Compass pernambucanos, o modelo em edição limitada Night Eagle flex AT6 2018, avaliado em R$ 122.990, recentemente foi confiado à equipe de reportagem do Jornal Oficina Brasil para uma avaliação junto a algumas oficinas que fazem parte do Guia de Oficinas Brasil. As escolhidas foram a Dimas Norte e a Plinio Car, ambas na região de Santana; a Luckycar Auto Mecânica, na Vila Guarani; e a Manarti Motores, na Vila Gustavo. Todas em São Paulo (SP). Nelas, o Jeep Compass passou pelo crivo dos seguintes profissionais...
Plínio de Aguiar. Há 40 anos no ramo da reparação automotiva e à frente do próprio negócio, Plínio, 60 anos, toca uma das mais tradicionais oficinas do bairro de Santana, zona norte paulistana. Entre outras razões porque se manteve sempre na mesma rua. “Estou no quarto endereço, mas sempre na Doutor Zuquim”, confirma o reparador, que começou a se interessar pela mecânica aos 12 anos devido às constantes avarias do carro de seu pai, um Ford Prefect que vivia mais nas oficinas do que a serviço da família. Como consequência, o pai, que era baterista da orquestra da Rádio e Televisão Record, dividia seus afazeres entre as baquetas e as ferramentas, como mecânico amador, para alegria do filho que, assim, descobriu sua profissão e, também, um hobby. Músico? Não, Plínio dedica o raro tempo livre ao antigomobilismo. Além dos carros de seus clientes é possível ver em sua oficina algum Cadillac ou um Simca Esplanada dos anos 1960, ou um irretocável Chevrolet Fleetmaster 1948. “Se eu achar um Prefect, acho que compro”, desafia.
Carlos Alberto Neves da Silva. Criado em colégio interno durante a infância, Carlos Neves, hoje com 52 anos, tinha um desafio a vencer na adolescência: arranjar um emprego em uma oficina mecânica para seguir a profissão desejada. O que conseguiu, a princípio, foi uma vaga de ajudante em uma funilaria. Aceitou, mas, perseverante, continuou procurando até encontrar a chance em uma retífica onde aprendeu noções de carburação e regulagem de motores. Determinado, trabalhou para abrir a própria oficina, a Luckycar Auto Mecânica, em 1992, onde, no começo, cabiam apenas dois carros. Hoje seu movimento pode chegar a 100 veículos em um mês. Sua sócia é a companheira Marta Aparecida Giardini, responsável pela parte administrativa da oficina. A equipe ainda tem o filho Thiago Giardini, de 25 anos, graduado em Eletrônica Automotiva no Senai, e o reparador Valmir Costa, de 56 anos e reparador desde os 12.
Rogério Yossef e Antônio dos Anjos Manarti. Há 33 anos, Rogério começou a trabalhar como office-boy na Dimas Norte, bairro do Carandiru, oficina comandada por Antônio Fiola, atual presidente do Sindirepa, Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios. Hoje, com 49 anos, ele é gerente operacional e sócio da empresa que dispõe de outras unidades na Avenida Engenheiro Caetano Alvares, bairro do Mandaqui, e na Avenida Jabaquara, zona sul da cidade, que trabalha com funilaria e pintura. “Orientado pela oficina pude fazer vários cursos de capacitação, inclusive no Senai, que possibilitaram meu crescimento profissional no ramo da reparação automotiva”, recorda Rogério. A Dimas Norte ainda conta com algumas oficinas parceiras com as quais partilha ou terceiriza serviços, como a Manarti Motores, do reparador Antônio Manarti, 51 anos e há 20 anos no ramo. Também ex-aluno do Senai, Antônio acumula a experiência de ter trabalhado nas oficinas da Polícia Militar de Belém (PA) antes de ter imigrado para São Paulo há 25 anos.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Se Darth Vader tivesse um SUV para suas aventuras em terra esse possivelmente seria o Compass Night Eagle flex AT6 ou a outra versão 4x4 turbodiesel AT9. O visual all-black do Jeep – apenas o revestimento interno do teto, em tons claros, escapou ao decorador dark – não deixa dúvidas que os fãs de Star Wars irão apreciá-lo. Grade dianteira, friso das janelas, molduras dos faróis de neblina, apliques do console central e das saídas de ar, bancos de couro, rodas em aro de 18 polegadas e até o emblema levam a cor preta que pode ser sólida ou metálica. Esse jeitão de invocado, no entanto, esconde um carro com boas intenções que traz a mesma lista de itens de série da versão Longitude do Compass, com acabamento de materiais de qualidade e arremates acertados segundo os reparadores. De modo geral, as linhas do Compass, claramente inspiradas no Gran Cherokee, trazem referências positivas aos profissionais das oficinas.
“Apesar de não ser sua única virtude, o belo design ajuda a explicar seu sucesso de vendas. Examinando bem, não é um SUV grande. Seu projeto está em um limite bom de altura para todas as pessoas da família terem acesso ao seu interior sem dificuldade. Deve agradar ao público feminino”, acredita Plinio de Aguiar. “Suas linhas caíram no gosto dos consumidores de SUVs que não abrem mão de confortos oferecidos por sedans luxuosos, como esse painel com revestimento soft e os bancos de couro. Ele tem um acabamento acima da média e, por isso, bom custo-benefício. O interior preto agrada ao público brasileiro, que não gosta de cores claras dentro dos carros”, externa Rogério Yossef. “Esse teto solar panorâmico, por exemplo, é show. Destaco ainda o porta-malas de 410 litros, atenderá bem às famílias grandes”, aponta Carlos Neves.
AO VOLANTE
No teste dinâmico, os reparadores confirmaram as boas impressões causadas pelo Compass Night Eagle flex AT6. Rogério Yossef teve a oportunidade de fazer o trajeto ida e volta entre o bairro de Santana e o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), através da rodovia Ayrton Senna, rodando cerca de 60 quilômetros sem parar e aprovou a experiência. “A posição de dirigir é excelente. O volante com regulagem de altura e profundidade e o banco com amplos ajustes de altura e distância fazem o condutor se sentir à vontade. Com a ajuda do câmbio automático de seis velocidades, o carro não nega potência nas ultrapassagens. Aliás, o condutor sente o carro nas mãos o tempo todo”, descreve.
Trafegando predominantemente por um circuito urbano, as ruas da Vila Paulicéia, Plínio de Aguiar surpreendeu-se com a facilidade de manobrar o Compass que, segundo sua montadora, emprega 70% de aço resistência em sua carroceria para deixá-la mais leve e rígida. “Ele parece estar bem calibrado para rodar no trânsito urbano. Sua dirigibilidade se assemelha mais a de um sedan, um carro de passeio, do que a de um utilitário, o que não deixa de ser um pouco estranho para um Jeep. O conceito de que essa marca está associada a veículos rústicos decididamente faz parte do passado. O mais correto seria, hoje, associá-la a veículos robustos e resistentes, mas não necessariamente desconfortáveis”, classifica o reparador.
Carlos Neves também considerou macio o rodar no Jeep, só que, talvez, um pouco demais... “Os utilitários esportivos normalmente são mais sequinhos e este é o oposto, por isso é bom ter cuidado ao atacar as lombadas e quebra-molas”, aconselha o reparador, que também sentiu falta de um comando eletrônico com memória na regulagem dos bancos. “Um carro de nível premium deveria oferecer esse recurso que já existe nos importados desde pelo menos os anos 1990”. De resto, porém, ele elogiou o conforto interno, a ótima vedação acústica da cabine e a visibilidade. “Ainda que a vigia traseira, como em todos os SUVs, não seja grande, o carro oferece retrovisores amplos que proporcionam segurança nas mudanças de faixas”, completa.
MOTOR Tigershark
O motor Tigershark de 1.995 cm³ que está sob o capô do Compass Night Eagle flex AT6 descende diretamente do powertrain norte-americano – na verdade, produzido no México – de quatro cilindros que equipa o Dodge Dart e o Jeep Patriot. Em sua versão bicombustível, desenvolvida no Brasil, ele traz bloco e cabeçote de alumínio que ajudam a dissipar o calor e a diminuir seu peso além de ser dotado do recurso HCSS (Heated Cold Start System) que dispensa o tanquinho de gasolina para partida a frio. Ele entrega até 166 cavalos de potência (e), faz o Compass ir de zero a 100 km/h em 10,6 segundos e alcançar uma velocidade máxima de 192 km/h, sendo que 86% do seu torque especifico – 20,5 kgfm (e) – já está disponível aos dois mil giros, o que dá uma ideia de sua força nas baixas rotações. Ele também conta com comando variável de válvulas tanto na admissão como no escape. Com esse mesmo motor, o Compass deverá ser exportado para outros países da América Latina.
“À primeira vista trata-se de um motor compacto e moderno, mesmo sem injeção direta. O que chama a atenção nele é o uso de muito alumínio a começar pela tampa de válvulas que, em muitos carros, é de ferro ou chapa. Se isso torna o motor mais leve e econômico também o deixa mais sensível, mas desde que a sua manutenção esteja em dia não há problema”, acredita Rogério Yossef. Plínio de Aguiar igualmente destaca o emprego extensivo do alumínio, inevitável para deixar o motor mais eficiente, mas que limita o trabalho dos reparadores. “Nos blocos de ferro, no caso da queima da junta, você tira o cabeçote, o aplaina e pronto. A parte de cima está retificada. Mas quando isso acontece em um bloco e um cabeçote de alumínio a parte de baixo pode empenar e afetar todo o conjunto. O prejuízo é maior. Além disso, ao retificar o bloco e o cabeçote, você aumenta a taxa de compressão do motor e ele terá uma maior detonação, ou seja, vai começar a bater pino. O que eu prevejo, com isso, é que, no futuro, não vamos mais retificar os motores que, simplesmente, serão trocados em um caso de necessidade”, presume.
Outra característica do Tigershirk registrada pelos reparadores é que se trata de um motor clean, arejado, fácil de trabalhar, bem ao gosto desses profissionais. “Os bicos injetores estão aqui atrás da flauta, do coletor de admissão. Complicado? Até que não levando-se em conta que se trata de um motor 2.0”, relativiza Rogério Yossef. “É verdade. Quando você abre o capô não vê aquele emaranhado de fios. Em muitos motores, dependendo de onde você vai mexer, é necessário deslocar muitas peças. Aqui você tem acesso direto a velas, bobinas, sondas lambda etc”, concorda Carlos Neves. “A reparabilidade é excelente. Para trocar um coxim principal do motor basta tirar o filtro de ar. E isso sempre será necessário porque com motores transversais esse coxim sofre muito e periodicamente exige reposição”, completa Plínio de Aguiar, que também aprovou a posição exposta da válvula TBI. “Porque toda a vez que o reparador realizar uma manutenção no sistema eletrônico do motor deve também providenciar uma limpeza no corpo de borboleta com um líquido especial, um spray a base de álcool isopropílico”, orienta.