Lançado em 1933 pela Chevrolet para atender as famílias dos subúrbios norte-americanos, o Suburban (foto 1) inaugurou um segmento do mercado automobilístico. Foi o primeiro SUV do mundo, sigla que a princípio se referia a Suburban Vehicle e só depois passou a definir um Sport Utility Vehicle: utilitário esportivo com vocação familiar para rodar tanto no campo como na cidade. Em resumo, um veículo versátil que logo seria tido como um “jeans sobre rodas”, pois cai bem em diferentes situações: lavou está novo. Claro que dos anos 1930 para cá os SUVs ganharam status. Nos Estados Unidos mesmo, em 2016, oito dos dez veículos mais vendidos se encaixam na categoria. E o Brasil, como sempre, mira-se no exemplo. Este ano, a venda dos SUVs aqui superou a dos veículos de entrada. A projeção para 2017 é que, no mínimo, 20% dos automóveis comercializados no País sejam utilitários esportivos, contra 16,8% em 2016 e 9,2% em 2013. O que lembra um velho slogan utilizado quando do lançamento dos carros a álcool: “Um dia você vai ter um”. Se é que já não tem.
Entre as montadoras, os lançamentos se sucedem. Renegade (Jeep), HR-V (Honda), Duster (Renault) e Kicks (Nissan) são alguns dos que chegaram ao Brasil nos últimos anos, sendo que, para 2017, ao menos 15 novidades estão previstas. Um exemplo de como os SUVs estão bombando no País é o Hyundai Creta que, apresentado no final de 2016, durante do Salão do Automóvel de São Paulo (SP), chegou a junho como o terceiro mais vendido da categoria – 17.325 unidades. Trata-se do primeiro SUV compacto global da Hyundai produzido na planta de Piracicaba (SP) – a mesma de onde sai o HB20 – sobre a plataforma do sedan médio Elantra e com motores 1.6 e 2.0. Com isso, a montadora coreana torna-se, na prática, especializada em SUVs, ao menos no Brasil, pois ela é uma das que mais oferecem aqui veículos que cabem nesse conceito, como o Santa Fé (em duas carrocerias diferentes) e o Tucson (em três gerações, incluindo o ix35).
Dispostos a entender um pouco melhor esse fenômeno que fez dos SUVs uma preferência nacional – e global –, os repórteres do Jornal Oficina Brasil assumiram, no final de julho, o volante de um Hyundai Creta. Mais exatamente a sua versão Prestige 2.0 AT – sigla para Alta Tecnologia –, o modelo top de linha do veículo, avaliado em R$ 100.237 mil, com pouco mais de sete mil quilômetros rodados, e equipado com uma volumosa lista de itens de série com, entre outros recursos, controle de tração e estabilidade, central multimídia com tela de sete polegadas sensível ao toque, rodas de liga leve diamantadas aro 17 e acendimento automático dos faróis (sensor crepuscular). O objetivo foi conduzir o veículo a três oficinas da cidade de São Paulo previamente escolhidas entre as muitas que compõe m o Guia de Oficinas Brasil. As escolhidas dessa rodada foram a Pneus Lopes, na Vila Nova Conceição, zona sul da cidade; o Centro Automotivo Barba, na Vila Independência, região do Ipiranga; e a Sadao Serviços Automotivos, também na zona sul. Nessas oficinas, nossa equipe foi recepcionada por...
Júlio Cézar Alves (e), Jimmy Martinez (c) e Marcos Tadeu dos Santos Júnior (d), (foto 2). Há 3,5 anos na loja da Vila Nova Conceição da Pneus Lopes – que tem mais duas unidades, uma no bairro de Indianópolis e outra em São Caetano do Sul (SP) –, o gerente Jymmy Martinez, de 45 anos, acumula 22 anos de experiência em reparação automotiva. “O forte dessa loja é o comércio de pneus que responde por 60% do movimento, e os outros 40% se devem à prestação de serviços”, afirma. “Fazemos praticamente de tudo que diz respeito à mecânica leve, como alinhamento, balanceamento, freio, suspensão, direção hidráulica e injeção”, enumera o chefe de oficina Júlio Cézar Alves, 53 anos e há 28 atuando como reparador. “Como temos na vizinhança muitas lojas de carros importados acabamos prestando serviços a elas”, completa o vendedor Marcos Tadeu, 28 anos e que há 14 atua no ramo.
Ricardo Zanoner (e), Bianca Barba (c) e Kanan Barba (d), (foto 3). Fundada nos anos 1970 pelo reparador Vanderlei Barba, o Centro Automotivo Barba é administrado por seus filhos Bianca, 24 anos, e Kanan Barba, 26 anos, desde seu falecimento, no ano passado. Engenheiro mecânico graduado no Instituto Mauá de Tecnologia, de São Caetano do Sul (SP), e com vários cursos de especialização na área da reparação automotiva, Kanan já estagiava na oficina do pai desde os primeiros anos de faculdade e, ao assumi-la, convocou a irmã Bianca, formada em Direito na Universidade Mackenzie, para gerenciar a área administrativa. Com uma sólida formação acadêmica, os irmãos levam a sério o desafio de conduzir o negócio da família com o auxílio do reparador Ricardo Zanoner, 46 anos, e com 20 anos de experiência. Para tanto, disposição não falta. “Muita coisa mudou da época dos nossos pais até hoje. Por isso não podemos nos acomodar. Precisamos nos preparar para receber veículos cada vez mais dotados de recursos eletrônicos”, aponta Kanan. “Nossa estratégia está na organização, em agregar valor aos nossos serviços, justificando o valor de nossa mão de obra”, completa Bianca.
Robson dos Santos Ribeiro (foto 4). Com 23 anos, esse jovem baiano de Campo Alegre de Lourdes chegou na capital paulista aos 18 anos com uma ideia na cabeça: tornar-se reparador automotivo. “Desde os meus tempos de menino já admirava quem consertava carros e me interessei pela profissão”, lembra Robson. Em São Paulo, matriculou-se no Senai do Ipiranga onde fez alguns cursos de capacitação, como o de diagnóstico eletrônico básico e avançado. Não demorou a ser admitido na Sadao Serviços Automotivos onde hoje atua como chefe de oficina e encontrou o que queria: exercitar a sua prática. “O chão de oficina é uma das melhores escolas que existe para um reparador. Aqui encontrei um bom aprendizado, pois trabalhamos com diferentes tipos de frotas formadas tanto por veículos populares, de entrada, como por grandes picapes”, afirma. Projetando o futuro, Robson espera especializar-se cada vez mais em eletrônica embarcada. “É para onde os automóveis caminham”, aponta.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
O Hyundai Creta Prestige 2.0 AT é um carro de aparência discreta ao primeiro olhar. Segundo os reparadores, suas linhas, vistas de perfil, lembram remotamente às de um Kia Soul, principalmente ao se fazer um recorte sobre as portas dianteiras. Mas a semelhança fica por aí. Sem um design quadradão e os ângulos retos do hatchback de origem coreana, o Creta tem linhas mais suaves. Seu DNA, na verdade, é outro. Como não poderia deixar de ser, a dianteira (foto 5) lembra um pouco a de seu irmão mais velho, o Santa Fé, e a tampa do porta-malas, com as lanternas horizontais e a placa abaixo da linha da cintura, na base da tampa do porta-malas, (foto 6) dá ao observador a impressão – de resto, verdadeira – de já ter visto algo parecido ou igual no New Tucson. O porta-malas generoso (foto 7), com capacidade para levar 431 litros, também chamou a atenção dos reparadores. Igualmente mereceram destaque os itens de segurança, como os seis airbags (incluindo o lateral de tórax e o de cortina) e o sistema Isofix para cadeira de bebê (foto 8).
Internamente o SUV exibe sinais de uma identidade própria. “A novidade que vejo é esse acabamento bicolor preto e marrom no painel, bancos e revestimento das portas (foto 9). Ficou diferente, bonito. Porém, mais do que bonitos, os bancos de couro verdadeiro são anatômicos e envolvem bem o condutor e os passageiros. É um carro em que a gente se sente bem vestido e bem calçado”, compara Júlio Cézar Alvez, da Pneus Lopes. O engenheiro mecânico Kanan Barba destacou que o diferencial dos bancos não está só no tom bicolor, mas no fato de o banco do motorista, especialmente, ter o recurso da ventilação. “Esses furinhos do banco (foto10) têm a função de ventilar. Em alguns carros de luxo os bancos podem ser aquecidos ou resfriados, já a Hyundai inovou ao oferecer ventilação”, comenta. Outro destaque apontado por Kanan foi o painel de instrumentos permanentemente iluminado (foto 11). “Facilita a leitura.” Já o reparador Robson elogiou o bom encaixe do painel do Creta, sem rebarbas e saliências, mas enxergou aí um outro lado. “Vamos ter trabalho quando for necessário desmontar esse painel para realizar algum reparo, e mais trabalho ainda para recolocá-lo”, observa.
TEST DRIVE
A despeito do Hyundai Creta Prestige 2.0 AT apresentar diversos ajustes de altura do banco do motorista que permitem uma posição alta de dirigir e, assim, conferir ao condutor uma sensação de segurança um tema dominante entre os reparadores, logo que assumiram o volante, foi o sistema start-stop (foto 12) chamado de Stop & Go pela Hyundai, que equipa o SUV, um recurso de economia de combustível ainda pouco aplicado nos veículos nacionais. Impressão comum: ceticismo ou a suspeita de que ele não resistirá muito quando o veículo for submetido, por exemplo, a um dia chuvoso em São Paulo na hora do rush, em um trajeto entre as zonas sul e leste, enfrentando o anda-e-para de uma 23 de Maio, uma Marginal ou uma Radial Leste, para ficarmos em três das centenas de avenidas e ruas congestionadas da cidade.
“A iniciativa é interessante. Mas teremos que esperar um tempo para emitir um julgamento seguro se vai dar certo. Meu palpite? Pode ser bom em outro lugar, aqui há dúvidas”, projeta o chefe de oficina Júlio Cézar, da Pneus Lopes. “Se o condutor tiver aquela cultura do carburador, de que um motor ao apagar quando o trânsito para não vai religar, esse sistema dá um pouco de insegurança. Mas a iniciativa merece um crédito”, analisa Kanan Barba. Robson Ribeiro, da Sadao Serviços Automotivos, recomenta desligar o recurso – sim, há essa possibilidade (foto 13) através de uma tecla localizada ao lado direito da alavanca do câmbio – quando o condutor reparar que ele está sendo usado em demasia. “Uma medida prudente seria recorrer ao sistema com comedimento”, aconselha o reparador. Mas aí fica a pergunta: de que serve um sistema start-stop se você o desliga quando ele precisa ser mais utilizado e se ele foi criado para desligar e religar o motor em repetidas situações de anda-e-para? “Talvez para oferecer uma opção a mais para o condutor”, arrisca Robson.
Fora isso, o test drive com os reparadores foi tranquilo. “O comportamento do carro demonstrou segurança, estabilidade e conforto no trânsito urbano. Daria nota 8 para a sua dirigibilidade e se deixo de dar um 10 é porque ele poderia ser um pouco mais macio principalmente em comparação aos importados. Mas, talvez, essa falta de maciez seja necessária para enfrentar o nosso piso esburacado”, avalia Júlio Cézar. “Por ter um motor aspirado e levando-se em conta o tamanho e o peso do carro, ele tem um comportamento bem esperto na cidade. Também achei a suspensão bem calibrada”, pontua o reparador Robson Ribeiro. “A suspensão se portou bem em ruas calçadas por paralelepípedos. Dou nota 10 para a dirigibilidade”, resume o engenheiro Kanan Barba.
MOTORIZAÇÃO
O motor 2.0 do Creta (foto 14), que recebeu da Hyundai o código de denominação Nu, é o mesmo que empurra o ix35 e gera 166 cv e 20,5 mkgf no etanol a 4700 rpm. Com duplo comando de válvula variável (Dual-CVVT) e corrente metálica, o propulsor tem tecnologia flex de combustível, bloco de alumínio e sistema de partida a frio e-start dispensando o tanquinho de gasolina. Segundo a montadora, o carro faz de 0 a 100 km/h em 9,7s e chega a uma velocidade máxima de 188 km/h.
“Apesar de ser um motor 2.0 e, em tese, grande, o que vemos é uma configuração compacta que não aparenta a potência que tem. Uma forma de tornar possível essa compactação é mexer nos pistões. O curso de subida dos pistões é diminuído e isso gera menos gasto e mais potência. A ficha técnica informa que esse curso é de 97 mm, sendo que em um motor com essa potência, antigamente, os pistões iam a 130 mm. O resultado é um motor bom de trabalhar, com bastante espaço para as mãos do reparador”, aponta o chefe de oficina Júlio Cézar, que ainda viu mais virtudes no cofre do Creta. “O sistema de corrente metálica é, para mim, mais seguro do que o de correia dentada banhada a óleo, pela durabilidade. Também aprovei o coxim (foto 15) hidráulico e blindado, bastante eficiente para diminuir a vibração do motor”.
A exemplo de Júlio, Kanan Barba destacou a boa reparabilidade do motor. “Temos acesso às diferentes partes do motor que é mesmo compacto para uma configuração 2.0 e de fácil reparação preventiva, com livre acesso às velas de ignição, bobinas (foto 16), bicos injetores e sensores de fase (foto 17)”, afirma o engenheiro, que também aprovou o sistema de corrente metálica. “É melhor por conta da menor manutenção e por exigir troca menos constante”. Mas isso não quer dizer que o Creta não pudesse ser mais moderno. “Ficou devendo um sistema de injeção direta. Também senti falta de um coletor de escape preso ao cabeçote”, completa.
“Tenho boas referências desse motor a julgar pelos carros da mesma montadora que passaram pela oficina. É uma configuração semelhante aos motores TSI da Volkswagen, com o mesmo formato da tampa de válvula a não ser pela ausência de um turbo”, explica o chefe de oficina Robson Ribeiro,