Líder absoluto no, por enquanto, reduzido nicho das picapes intermediárias disponíveis no País, o Fiat Toro pode ser considerado um case de automóvel comercialmente bem sucedido na indústria automobilística nacional. Lançado em fevereiro de 2016 para dividir um segmento inaugurado em novembro de 2015 pela Renault Duster Oroch – confira matéria sobre ela na seção Em breve na sua oficina –, o novo produto da FCA (Fiat Chrysler Automobiles), a princípio e internamente identificado pelo código “projeto 226”, ultrapassou a pioneira logo na arrancada. E não apenas ela. Ganhou terreno sobre as picapes médias – S10, Ranger, Hilux, Amarok –, as menores – Montana e Saveiro – e atropelou sua irmã mais velha, a Strada. O resultado? No acumulado do primeiro semestre, apeou essa última do posto de líder de vendas entre as picapes e assumiu a ponta com 24.690 unidades vendidas. Nem o mais otimista marqueteiro da FCA imaginaria uma dobradinha Toro-Strada nos primeiros lugares do segmento tão rapidamente.
Uma consequência da meteórica ascensão do Fiat Toro é que o até então desconhecido conceito de Sport Utility Pick-Up ou SUP, que atende pelo nome de picape intermediária, fincou bandeira no mundo dos automóveis, com o Brasil tendo tudo a ver com isso. Porque a ideia nasceu aqui. Se a Oroch foi a primeira picape produzida mundialmente pela Renault e ela sai exclusivamente de sua planta de São José dos Pinhais, no Paraná, para países do Mercosul, o Fiat Toro vem de Goiana, em Pernambuco, e poderá atravessar fronteiras. Há rumores de que a FCA planeja comercializá-la nos Estados Unidos sob a marca RAM Truck. Aqui, o sucesso do SUP poderá gerar o lançamento de uma versão com cabine simples ou uma nova SUV – percorrendo o caminho inverso da Oroch, derivada da Duster – embora a montadora nada confirme. Mas também nada desminta.
Entre as quatro versões do Fiat Toro montadas sob a plataforma do Jeep Renegade e lançadas no início de 2016, a FCA, posteriormente, detectou espaço para uma quinta que se posicionaria em meio aos modelos com motores flexível 1.8 e diesel 2.0. E resolveu preenchê-lo com uma versão dotada com propulsor Tigershark flexível de 2.4 litros, 16 válvulas e transmissão automática de nove velocidades. O modelo denominado Toro Freedom Road 2.4 Flex AT9 juntou-se ao leque de opções no final do ano passado para, em tese, reunir em seu conjunto mecânico o melhor da versão diesel Volcano – alto desempenho e múltipla transmissão automática – sem o pênalti da versão flex 1.8 – potência abaixo do esperado. E foi essa versão cotada em R$108 mil que a reportagem do jornal Oficina Brasil pilotou em agosto. O objetivo foi apresentá-la a três oficinas independentes do Guia de Oficina Brasil localizadas na cidade de São Paulo (SP) para que a picape fosse analisada por elas. As oficinas escolhidas – JC Mecânica Especializada, no Ipiranga; Navega Mecânica-Ecocar, em Moema; e a Luckycar Auto Mecânica, na Vila Guarani – deram conta do recado. Nelas, a picape foi analisada por:
Carlos Alberto Rodrigues (foto 1). Com 49 anos e há 29 anos na reparação automotiva, Carlos é o “C” da JC Mecânica Especializada. A empresa foi criada em 2008 com o sócio José Costa Moraes, também reparador. Ao contrário de alguns colegas de profissão, Carlos ingressou adulto no ramo. “Trabalhava com telecomunicação, mas minha vocação era a mecânica. Enquanto esperava uma chance fiz cursos no Senai (Serviço Nacional da Indústria) para estar preparado quando algo surgisse”, lembra. Esse algo surgiu em 2005 em São Bernardo do Campo (SP), quando ele abriu seu negócio próprio. Após três anos ali ele estava preparado para enfrentar a cidade de São Paulo. “Aqui no Ipiranga, começamos do zero pois o ponto não existia. Hoje temos o apoio do Sebrae, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, para prestarmos um serviço profissional aos clientes”, afirma. Sua oficina dá conta de uma demanda mensal de 50 veículos em média e emprega três colaboradores.
Pedro Alexandrino Rodrigues (foto 2). Ainda criança, Pedro gostava de consertar sua bicicleta e, adolescente, arriscava mexer em motos. Estava, portanto, definido seu futuro. Aos 14 anos, quando começou a trabalhar em uma empresa de engenharia, aproximou-se da seção de máquinas pesadas e só saiu dali para fazer um curso intensivo de Mecânica Diesel no Senai. Seis meses depois, formado, fez o curso de Mecânica Leve, ocasião em que conheceu o empresário Marcelo Navega que o convidou para trabalhar em sua oficina, a Navega Mecânica-Ecocar, onde é hoje reparador-chefe. Há 28 anos na empresa, Pedro responde pelo trabalho de nove colegas que, juntos, dão conta de uma demanda mensal aproximada de 80 veículos. “Trabalhamos com veículos de todas as procedências. A parceria da oficina com a Rede Ecocar possibilita a nosso pessoal estar sempre atualizado com o que existe de mais moderno”, avalia.
Carlos Alberto Neves da Silva. Com 52 anos, Carlos Neves é reparador desde os 16 quando, após deixar um colégio interno, resolveu que era hora de procurar um trabalho para seguir sua vocação. A primeira oficina foi no bairro da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, como ajudante de funilaria. “Era onde tinha vaga, mas eu queria mesmo era ser mecânico”, lembra. Um dia a chance apareceu e ele foi trabalhar em uma retífica onde aprendeu carburação e a regular motores. Em 1992, montou sua oficina, a Luckycar Auto Mecânica onde, a princípio, cabiam dois carros. Hoje ele atende entre 80 e 100 veículos por mês. “Como moramos e trabalhamos há 25 anos no mesmo bairro muitos clientes já nos conhecem e confiam no nosso trabalho”, afirma Carlos, que tem na esposa Marta Aparecida Giardini, responsável pela parte administrativa, sua sócia. Completam o time da Luckycar o filho Thiago Giardini, de 25 anos, graduado em Eletrônica Automotiva no Senai, e o reparador Valmir Costa, de 56 anos e reparador desde os 12. Na foto 3, Marta aparece à frente, Thiago à sua direita, Valmir ao centro e Carlos à esquerda.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Ainda que esteja circulando pelas ruas do País há mais de um ano e, portanto, tenha deixado de ser novidade, o Fiat Toro, com suas linhas harmônicas em que se destacam uma dianteira formada por dois grupos óticos – acima, a luz diurna de led em formato oblíquo, e abaixo os faróis de uso noturno (foto 4),– ainda atrai olhares. Carlos Neves, da Luckycar Auto Mecânica, referiu-se a ela como inovadora. “A montadora parece ter privilegiado a aerodinâmica. O carro tem uma frente ousada entre as picapes que, geralmente, têm linhas conservadoras por serem quase todas derivadas de outros automóveis. Sob esse ponto de vista, o Fiat Toro não se parece com nenhum outro carro”, diz. “A primeira impressão é que se trata de um carro alto e robusto”, emenda Pedro Alexandrino, da Navega Mecânica-Ecocar.
Em seu interior, Carlos Rodrigues, da JC Mecânica Especializada, destacou o bom gosto do acabamento black-piano do painel (foto 5) que, no entanto, “ficaria melhor” com um revestimento emborrachado ao invés do plástico duro que predomina em todo o interior do veículo. “A menos não percebi rebarbas nas junções das peças e os encaixes parecem bem feitos. A pegada do volante é macia”, testemunha. O reparador reprovou a pequena tela multimídia de meras cinco polegadas (foto 6), mesmo tamanho de um smartphone. Sem dúvida, um ponto negativo para a picape, pois em boa parte dos concorrentes as telas multimídias chegam facilmente a sete polegadas. “Espaço no painel não falta”, observa Carlos Rodrigues. “Sim, dá impressão de um espaço mal utilizado”, concorda Carlos Neves. “Passa um pouco de insegurança porque é através da imagem da câmara de ré projetada nessa tela pequena que o motorista pode observar o que se passa na traseira do veículo em uma manobra. Como em todas as picapes, a visão natural que temos da traseira do Fiat Toro através do espelho retrovisor é ruim”, analisa Pedro Alexandino.
Os pontos positivos foram para os bancos de couro (foto 7), painel de leitura dos instrumentos com iluminação permanente (foto 8), volante multifuncional (foto 9) e boa ergonomia da cabine (foto 10), além do acesso à caçamba através da porta bipartida (foto 11) que possibilita uma abertura horizontal, tomando menos espaço. “É mais prático porque possibilita abrir apenas uma parte da porta”, afirma Carlos Neves. “Os comandos estão todos à mão e o acabamento interno caprichado lembra o de um automóvel de passeio de bom padrão e não o de uma picape”, compara Pedro Alexandrino. “Sou meio gordinho e tenho problemas de coluna, por isso o acesso às picapes, que têm uma altura maior do solo, é complicado, mas ao menos me senti confortável no banco”, completa Carlos Rodrigues.
AO VOLANTE
Feitas, na prática, mais para um uso urbano do que rural, as picapes modernas têm performance cada vez mais parecida com a dos carros de passeio. E com o advento das picapes intermediárias ou SUPs o comportamento se aproximou mais. “Trata-se de um veículo razoável para o trânsito urbano e o único senão que vejo é o tamanho um pouco maior do que o de um sedan compacto. Mas por ser menor do que as picapes médias ele se torna um veículo agradável de dirigir”, relata Carlos Neves, da Luckycar Auto Mecânica. “A picape não é desajeitada e dá para usá-la no dia a dia. Pode ser o veículo da família desde que ela não seja grande. No banco de trás, o passageiro do meio vai sofrer devido à falta de espaço. Se for uma criança tudo bem”, completa Carlos Rodrigues, da JC Mecânica Especializada.
“A picape ter uma posição alta de dirigir e isso transmite segurança. A visão frontal é excelente, mas faltou um detector de aproximação nos retrovisores laterais. Já a visão traseira é típica das picapes: ruim, devido à caçamba”, analisa Pedro Alexandrino, da Navega-Ecocar. Pedro e os demais reparadores ainda poderiam reparar em outro pênalti da picape que atrapalha seu trânsito na cidade: o diâmetro de giro, ou capacidade de esterçamento, que chega a 12,2 m e obriga o motorista a fazer mais manobras do que o necessário para mover o veículo em locais apertados como garagens de prédio. A título de comparação, a picape da Fiat tem o mesmo diâmetro de giro do que uma Hilux SR 2.7 4x2, 34,5 centímetros maior, e necessita de quase dois metros a mais do que a rival Oroch (10,7 m) para fazer uma meia volta em uma manobra.
Enquanto Thiago Giardini, da Luckycar, e Pedro Alexandino destacaram bom nível de silêncio interno, Carlos Rodrigues apontou que o pouco barulho dentro da cabine é proveniente da rolagem dos pneus (foto 12) 215/65 R16 de uso misto (on-road e off-road) e não da suspensão. “Uma melhor vedação acústica resolveria o problema”, avisa. “Do motor, a gente não ouve nada”, completa Pedro Alexandrino que, ao volante, ratificou sua primeira impressão da boa ergonomia. “Poderia dirigir horas e não sentir cansaço”, confirma. “Quanto ao desempenho, é um carro bom de retomada. Tem um motor esperto que responde bem nas reduções. Mas ficaria mais tranquilo em usá-lo na cidade se seu consumo fosse menor”, alerta Carlos Rodrigues. Essa característica é explorada a seguir...
MOTOR TIGERSHARK 2.4
Carlos Neves afirma, e todos concordarão, que não há automóvel perfeito. E uma imperfeição da Toro Freedom Road 2.4 Flex AT9 é o consumo do motor Tigershark flexível de 2.4 16V (foto 13), que poderia beber com mais moderação. Segundo a montadora, a picape faz 5,9 km/l na cidade e 7,4 km/l na estrada com etanol e, nas mesmas situações, 8,6 km/l e 10,8 km/l com gasolina. Para Pedro Alexandrino, em um tempo em que motores de três cilindros rendem mais de 13 km/l na cidade o consumo da Toro 2.4 é um problema. “Hoje todos pensam em economizar. Nessa picape, o fator do consumo deve-se mais ao peso do veículo, 1,7 tonelada, do que ao motor”, acredita.
Os recursos do Tigershark 2.4 indicam que isso seja verdade. Ele é produzido na planta de Saltillo, México, inteiramente com bloco de alumínio que facilita a troca de calor e diminui seu peso, além de ser dotado do recurso HCSS (Heated Cold Start System), que dispensa o tanquinho de gasolina para partida a frio. Seus quatro pistões de menor altura, com curso de 97 mm, contam com pinos flutuantes e um revestimento composto por uma liga de carbono e diamante que reduz o atrito interno. Ainda melhora a queima do combustível, reduzindo as emissões de gases, o sistema MultiAir2 responsável por variar o tempo e abertura das válvulas de admissão através de um comando eletro-hidráulico gerenciado eletronicamente. O resultado é que o Tigershark confere mais fôlego ao Fiat Toro e resolve o problema da baixa potência da versão equipada com propulsor flexível E.torQ de 1.8 litro que, assim, deverá cair no ostracismo.
De acordo com Carlos Neves, o motor lembra um pouco o do antigo Fiat Stilo Abarth de 2.4 litros, cinco cilindros e 20 válvulas. “Não deixa de ser uma referência. Aquele tinha correia dentada e esse Tigershark tem corrente metálica (foto 14) lubrificada no óleo, sem a necessidade de tanta manutenção”, lembra o reparador.
Carlos Rodrigues aponta que o motor pode apresentar certos obstáculos. “Daqui não vejo os bicos que ficam na parte de atrás do motor”. E isso dificulta o acesso. Teremos que desmontar o coletor de filtro de ar (foto 15) adianta. “Em compensação, o módulo da injeção (foto 16) está acessível, assim como a válvula TBI (foto 17)”.