Motores flex são motores que podem queimar uma combinação qualquer de gasolina e álcool sem a intervenção do motorista. Em 1931, o Brasil começou a misturar álcool à gasolina. No início, a quantidade de álcool era tímida, de apenas 5% em cada litro do combustível de petróleo. A idéia original era fortalecer a produção de cana-de-açúcar, que não vinha bem há décadas. Em 1975 a mistura passou fazer diferença no preço da gasolina, com um percentual bem maior no combustível vendido ao consumidor.
Gasolina e álcool no mesmo tanque: tarefa para a unidade de controle do motor
Com o lançamento do Proálcool, durante o governo de Ernesto Geisel (1974 - 1979), tornou-se obrigatória a solução com 20% do produto da cana e 80% de gasolina. A última regulamentação até a presente data a respeito do assunto foi formatada pela lei 10696 de 2 de julho de 2003 que em seu artigo 18 possui a seguinte redação:
Art. 18. O § 1º do art. 9º da Lei nº 8.723, de 28 de outubro de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 9º ................
§ 1º O Poder Executivo poderá elevar o referido percentual até o limite de vinte e cinco por cento ou reduzi-lo a vinte por cento.
Essa possibilidade de combinações exigiu a criação de uma codificação. O álcool utilizado no Brasil é o etanol (em outros países existe o metanol), assim, quando dizemos que temos no reservatório um combustível E100 estamos dizendo que trata-se de um combustível 100% etanol. Com a lei 10696, a gasolina brasileira passa a ser denominada E20-25, ou seja, uma gasolina com um percentual de etanol entre 20 e 25%. Como no Brasil não existe uma gasolina pura (E0) podemos dizer que o combustível dos motores flex é do tipo E20-100 o que significa dizer que este motor deverá funcionar perfeitamente com uma gasolina com um teor de etanol igual a 20% até o limite do etanol puro (100%).
Para entender como a unidade de controle do motor (UCM) irá gerenciar o funcionamento desse motor de combustível variável, você deverá entender alguns conceitos:
1 - A combustão do ar e a Relação Ar - Combustível (RAC)
2 - Autoadaptatividade e erro sistemático
3 - Calor latente de evaporação e o problema da partida a frio
Relação ar-combustível (RAC)De modo genérico, a combustão ou queima é uma reação química exotérmica (com liberação de calor para o ambiente) entre uma substância (o combustível) e um gás (o comburente), usualmente o oxigênio, para liberar energia. No nosso caso específico, o comburente será sempre o oxigênio o que significa que em uma combustão completa ou estequiométrica, o combustível reagirá com o comburente, e como resultado obteremos dióxido de carbono, vapor d’água e energia.
A fonte fornecedora de oxigênio é o próprio ar atmosférico. Sendo este composto basicamente de dois gases: nitrogênio e oxigênio na proporção de 79% e 21% respectivamente. Como não existe um processo de separação do nitrogênio, teoricamente este será admitido e expelido sem participar efetivamente da reação química.
Se desenvolvêssemos aqui a reação química da combustão do etanol e posteriormente calculássemos a massa de ar (em gramas) necessária para queimar um grama desse etanol, chegaríamos a um valor aproximado de 9g/g, ou seja, nove gramas de ar para um grama de etanol.
De modo análogo ao etanol podemos fazer os mesmos cálculos para qualquer outro combustível. No caso específico da gasolina pura sem álcool o carbono representa cerca de 86% em massa e o hidrogênio os 14% restantes. Nestas condições, chega-se a uma RAC de 14,7 g/g.
Para evitar cálculos complexos na determinação da RAC de gasolinas com diferentes teores de etanol, adotaremos a seguinte estratégia: a RAC é uma função linear do teor de etanol na gasolina. Essa estratégia pode ser visualizada na figura 1.
Até então, os motores desenvolvidos tinham como parâmetro fixo o valor da relação-ar-combustível e de modo simplificado, a unidade de comando do motor mede a quantidade de ar com o intuito de calcular a quantidade de combustível a ser debitada. O tempo de injeção depende basicamente:
1 - Da massa de ar admitida e quanto maior for a massa de ar admitida, maior deverá ser o tempo de injeção. A massa de ar é medida diretamente ou indiretamente pelo sistema de controle do motor e antes dos motores flex, era a única variável dessa equação
2 - Características geométricas do injetor influenciam na quantidade de combustível debitada. Isso significa que injetores diferentes debitam diferentes quantidades de combustível. Porém não se trata de uma variável, mas de uma definição de projeto, o que representa um termo constante. Em resumo, se você trocar o injetor por outro com características diferentes do injetor do projeto, estará induzindo a unidade de controle do motor a um erro. Outro detalhe importante é a limpeza do injetor, pois na realidade você estará reconstituindo sua área e seus coeficientes originais
3 - Quanto maior a diferença entre a pressão da linha de combustível e a pressão do ar no duto de admissão onde está inserido o injetor maior será o volume debitado, ou seja, menor a necessidade de tempo de injeção para debitar a quantidade desejada. Como a pressão da linha não é variável e determinada em projeto, trata-se de mais uma constante. Por isso é importante verificar a pressão da linha de combustível e uma vez que UCM assume este valor como conhecido e se for alterado, induzirá a UCM ao erro
4 - A densidade do combustível influencia no cálculo do tempo de injeção. Quanto maior a densidade do combustível, menor a necessidade de tempo de injeção. A densidade da gasolina encontra-se entre 0,720 a 0,775 kg/l, enquanto a do etanol é de 0,79 kg/l.
5 - Finalmente o termo RAC, que depende fundamentalmente do combustível utilizado. Em condições idênticas, um motor a álcool que possui RAC menor exigirá um tempo de injeção maior quando comparado a um motor a gasolina. A determinação da RAC é o ponto que torna a estratégia do motor flex diferente da estratégia do motor convencional que utiliza um único tipo de combustível. Esse valor, antes constante, agora é mais uma variável do sistema.
A UCM é capaz de calcular o tempo de injeção para uma condição ideal com um combustível E0 (t0) e com um combustível E100 (t100) e ainda existe o tempo de injeção real aplicado ao injetor (tr).
Como o que existe no reservatório é uma mistura em proporções ainda desconhecidas de E0 e E100, o sinal da sonda lambda entra como elemento determinante para que a UCM reconheça as proporções da mistura.
Se a mistura de ar-combustível na admissão tiver um excesso de oxigênio, este será expelido na descarga e detectado pela sonda lambda ou sensor de oxigênio. Em condições de estabilidade de funcionamento, a UCM então, deverá processar uma correção no sentido de aumentar o tempo de injeção no intuito de buscar a queima ideal. Essa correção, em geral, ultrapassa os limites do ideal e a mistura que era pobre de combustível fica rica no instante seguinte, o que provoca falta de oxigênio no escape e a necessidade de se reduzir o tempo de injeção. A UCM fica procurando a cada instante a queima ideal e é capaz de determinar um tempo médio de injeção onde ocorre a flutuação entre a mistura rica e a mistura pobre. Esse é o nosso tempo de injeção tr intermediário entre t0 e t100. Agora a idéia é similar ao da determinação da RAC. Veja o gráfico da figura 2 e certifique-se que conhecido tr é possível determinar a composição da mistura no reservatório de combustível sem a necessidade de um sensor específico para isso.
Como existem outros fatores como não homogeneidade da mistura ar-combustível, o envelhecimento do motor, queima de vapor de óleo lubrificante, vapor de combustível proveniente do sistema anti-evaporativo e outras inúmeras fontes de erro e que são impossíveis de serem determinadas, então é a realimentação do sistema, através do sinal da sonda de oxigênio no escapamento, quem vai minimizar essas fontes de erro.
É por isso que foi incluído na lista um entendimento mínimo sobre autoadaptatividade e erro sistemático, assunto que iremos abordar na segunda e última parte desta reportagem. Até lá!
Matéria da edição Nº215 - Janeiro de 2009