Discutida há quase 20 anos, a renovação da frota circulante brasileira ainda não definiu seus metódos e processos. A manutenção preventiva, que não está inclusa nos projetos, deve ser associada durante toda a vida útil dos veículos
No mês anterior falamos sobre as oportunidades e ameaças de um projeto de renovação de frota. Abordamos alguns pontos importantes:
• Precisamos renovar uma frota que é nova ou garantir à frota circulante o pleno acesso a manutenção?
• Se o caminho é a renovação da frota, quais os critérios para definir a “linha de corte”?
• Quais os benefícios que serão oferecidos aos proprietários? A abordagem será positiva, com bonificação justa, ou punitiva, como a pretendida pela ministra em 1995?
• O que é mais nocivo à mobilidade urbana, tão em moda nas últimas semanas: carros “velhos” com boa manutenção ou carros “novos” sem manutenção?
• Se o veículo não cumpriu um plano de manutenção, quais, então, são os critérios de avaliação para se determinar se um veículo deve ser descartado ou permanecer circulando?
• Qual a definição e os parâmetros para definir um veículo como estando em fim de vida?
• Uma vez um veículo sendo considerado em fim de vida, qual o incentivo para o proprietário entregá-lo e adquirir outro, aprovado, para circular? E qual o destino de suas peças e componentes?
Dissemos, na matéria, que a cada resposta mais dúvidas apareciam. E isso vai num crescimento que se perde o fio da meada e todos ficam perdidos ou falando, cada um, uma coisa diferente dos outros. Vemos, então, que não há coordenação, não há uma direção única para onde todos caminhem. E não há, sequer, uma sugestão para ser discutida e desenvolvê-la até o consenso amplo e geral entre Sociedade, Indústria, Comércio, Governo e Entidades.
Afinal, o que realmente estamos a discutir a respeito de uma política sobre veículos automotores?
Repetimos que estamos próximos de celebrar, em 2015, vinte anos das primeiras discussões sobre renovação de frota iniciadas pelo Governo Federal. São vinte anos de discussão e, de concreto, nada há de concreto.
A indústria continua a despejar carros novos nas ruas que, somados aos que já existem, rodam sem que exista um plano claro e definido de manutenção. Faz-se, apenas e olhe lá, as revisões obrigatórias de fábrica.
Depois de acabada a garantia, e mesmo ainda dentro dela, apenas repara-se quando o carro apresenta problemas. Não há uma política de manutenção preventiva, não há monitoramento da frota, não há critérios e procedimentos para manutenção, pois informações são sonegadas ou restritas ao pleno acesso da rede de reparação independente. Lembramos que essa rede corresponde a 95% dos estabelecimentos dedicados a reparação no país e que cuida de 85% da frota circulante. Sabe-se, também, que, com raríssimas exceções, os veículos que circulam não possuem manual de manutenção nos quais estejam anotadas todas as manutenções: o que foi feito, quando foi feito, quem fez, o que usou, procedência das peças, etc.
Sem um histórico registrado de manutenção não há como verificar se a manutenção necessita ser feita.
Se não existem critérios e parâmetros definidos não há como declarar que um veículo está em final de vida, nem como destinar o veículo para o desmonte e encaminhar peças ou componentes para reutilização, para reciclagem ou descarte. Em suma, não há como alguém se desfazer de seu veículo e adquirir outro carro, renovando a frota ao comprar um novo ou trocando por outro mais novo e em condições de rodar.
Um automóvel não é algo simples de se jogar numa lixeira. Ou é?
Ou será que devemos tolerar o problema da frota circulante sem manutenção que cresce dia após dia sem que façamos alguma coisa?
Vemos, ao longo desses quase 20 anos, muitas ideias, muitas sugestões, muitas discussões. Alguém já viu algo abrangente a todo o ciclo de vida de um automóvel? Algo como sugerido ao lado?
Na edição passada, falamos que é preciso separar a questão automotiva em duas perspectivas diferentes. De um lado temos a retomada de uma discussão sobre a renovação da frota e de outro, precisamos estimular o debate sobre a manutenção da frota em circulação, assuntos que devem andar juntos e não podem estar dissociados.
Repetimos que o escopo da CINAU é fomentar e suscitar o debate saudável sobre o mercado automotivo fazendo com que o ciclo de vida de um veículo seja regido por regras e políticas claras quanto ao uso, à manutenção, à inspeção, à reciclagem e à renovação. Claro que nossa ênfase está mais ligada a duas delas – manutenção e inspeção.
Voltando aos pontos com que começamos a matéria, quais as políticas para a frota automotiva em todos os seus aspectos desde o uso e sua manutenção, suas inspeções e regras para circulação, parâmetros de licenciamento, regras e limites para desativação da frota, regras para desmonte e destinação de peças, política tributária e de incentivos para renovação?
Depois de quase vinte anos chegou a hora de uma discussão séria e ampla, para buscar um consenso e se adotar uma política única, coerente, sincronizada entre todos os elos da cadeia automotiva – Sociedade, Governo, Indústria, Comércio, Reparação. Com regras claras em relação aos direitos e deveres de todos os envolvidos, procedimentos possíveis de executar e sendo seguidos, política de manutenção definida e obedecida, regras e parâmetros técnicos em relação às inspeções, políticas públicas sobre as condições de circulação e destinação quando um veículo for classificado em fim de vida. Ou seja, modelo que contemple todo o ciclo de vida de veículos automotores, em todos os seus aspectos.
Entre deveres e direitos não podemos nos esquecer do Direito de Reparar que, além de equilibrar as relações de consumo, irá desenvolver o hábito de manutenção. Com este direito contemplado, a Rede Independente terá condições e informações de como reparar ou consertar a frota deixando-a o mais fiel possível às condições especificadas pelos fabricantes.
Aliás, como informação, separamos duas imagens impressionantes que servem para ilustrar o que falamos sobre a complexidade da manutenção. Como uma imagem diz mais do que mil palavras, vejam:
Com acesso à informação para manutenção e reparação, também se criará o hábito do registro de manutenção, com a obrigatoriedade de anotação de toda e qualquer manutenção executada, corretiva ou preventiva, tornando rastreável a vida do veículo e mais fácil estimar os três principais parâmetros do ciclo de vida do veículo: MTBF, MTTR e FV (tempo médio entre falhas, tempo médio de reparo e fim de vida, respectivamente).
Esses três parâmetros mais as variáveis de custos e de limites a observar nas inspeções podem vir a ser as condições técnicas e legais que determinarão ou não o fim de vida de um veículo, elegendo seu proprietário para benefício de renovação da frota.
Legenda dos Slides (Fotos):
Foto 1: Um automóvel não é algo simples de se jogar numa lixeira. Ou é?
Foto 2: Ou será que devemos tolerar o problema da frota circulante sem manutenção que cresce dia após dia sem que façamos alguma coisa?
Foto 4: ...há 40 anos, a complexidade de um VW 1300 era... (Crédito da foto: Arte de Damián Ortega)
Foto 5: ... e hoje, o nível de complexidade na montagem de um VW GOLF é... (Credito da foto: motorweb-es.com)