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Este questionamento se encontra em discussão nos órgãos de proteção e defesa do consumidor do Brasil (DPDC, PROCONs etc).
A produção em massa, bem como o avanço da tecnologia não impediriam que, excepcionalmente, os produtos já inseridos no mercado apresentassem defeitos e, portanto, riscos à saúde e segurança do consumidor. Com isso, foi inserido na legislação brasileira o instituto do recall, como forma de aliviar os riscos criados pela comercialização de produtos que se mostrem defeituosos.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor que posteriormente à introdução de produto ou serviço no mercado de consumo tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, tem a obrigação de comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários e adoção de diversas medidas, sob pena de responsabilização administrativa e criminal. O Ministério da Justiça detalhou o procedimento a ser adotado pelo fornecedor por meio da Portaria 487, de 2012.
O principal objetivo desse instituto é o de impedir que os consumidores sejam vítimas de acidentes de consumo. Por isso, os fornecedores devem criar um plano de mídia para que seus consumidores fiquem cientes, o quanto antes, dos riscos causados pelo produto.
Com a divulgação do recall aos consumidores e autoridades competentes, o fornecedor deve indicar, dentre várias informações, a quantidade de produtos sujeitos à campanha, assim como as medidas que serão adotadas para correção do defeito, tais como substituição do produto ou realização de reparos. Esse procedimento é fiscalizado pelo Departamento de Proteção de Defesa do Consumidor (DPDC) e Órgãos Estaduais de Defesa do Consumidor, mais conhecidos como PROCONs, além das autoridades reguladoras competentes, tais como ANVISA e DENATRAN.
Após o início da campanha, o fornecedor deve apresentar pelo menos uma vez a cada dois meses um relatório de atendimento da campanha, indicando o percentual de produtos recolhidos e reparados. A norma também determina que cabe ao fornecedor apresentar o relatório final da campanha, informando a quantidade de consumidores atingidos pela chamada, assim como as medidas que serão adotadas para atendimento dos produtos não recolhidos. O fornecedor não se desobriga da reparação ou substituição do produto ou serviço mesmo ao final da campanha, conforme indica a norma.
A norma não define, entretanto, até quando deve o fornecedor manter a campanha de recall ativa, com manutenção dos canais de divulgação da campanha e apresentação de relatórios bimensais às autoridades. As autoridades de proteção e defesa do consumidor já se manifestaram no sentido de que, em regra, a campanha deverá permanecer ativa até que 100% dos produtos chamados pela campanha sejam reparados ou trocados.
Na prática, a exigência de que 100% dos produtos sejam reparados ou substituídos para que se dê o encerramento do recall pode se transformar, muitas vezes, em uma obrigação infinita da empresa. Dificilmente as empresas conseguem encontrar ou rastrear todos os produtos que são objetos da campanha, seja pela ausência de mecanismos de rastreabilidade no produto, seja pelo fato de que muitos produtos podem ter sido descartados pelos consumidores ou, até mesmo, porque os consumidores, ainda que venham a ter conhecimento da campanha de recall, simplesmente não tomam as medidas necessárias para retornar o produto defeituoso.
Sabe-se que as empresas devem, antes de propor o encerramento da campanha, indicar às autoridades todas as medidas adotadas para atingir seus consumidores. Entretanto, quando todas as medidas razoavelmente possíveis já foram tomadas e 100% dos produtos não foram atingidos, resta evidente o impasse entre autoridades e setor privado: quando encerrar a campanha?
No Brasil, tem-se que já foi admitido o encerramento de campanhas de produtos perecíveis após ter encerrado o prazo de validade desses produtos. Entretanto, no caso de itens de maior durabilidade, como eletrônicos, seria o caso de se admitir o encerramento das campanhas após a vida útil razoável desses produtos, ainda que não se tenha atingido 100% dos produtos chamados? A análise de dados de outras campanhas também pode auxiliar as autoridades brasileiras a identificarem a realidade de cada caso, tendo em vista o tipo de produto, criando-se, na medida do possível e, de forma não vinculativa, metas de atendimento para cada gênero produto. As autoridades podem também incentivar medidas preventivas dos fornecedores para a identificação dos produtos inseridos no mercado de consumo que facilitem o monitoramento das campanhas, tais como a atenuação de sanções aos fabricantes que detenham informações precisas sobre a cadeia de distribuição de seus produtos.
Outra possibilidade que se pode admitir é a análise conjunta entre os órgãos competentes e empresa sobre o momento desse arquivamento, uma vez que, dificilmente haverá uma única regra para todos os casos de recall. Nessa oportunidade, a empresa apresentaria todas as medidas adotadas e resultados obtidos, para então verificar, de forma compartilhada, se existem outras formas possíveis para atingir os consumidores não encontrados. Em caso negativo, as autoridades autorizariam o encerramento da campanha, mantendo-se, ainda, a obrigação de a empresa de reparar ou substituir os produtos que são objetos da campanha, caso venham a ser apresentados por eventuais consumidores, mesmo após o encerramento da campanha.
Discussões entre órgão regulador e fornecedores podem proporcionar soluções mais rápidas e efetivas para o caso concreto, propiciando uma decisão compartilhada que acompanhe o real contexto de cada campanha de chamamento. Assim, o envolvimento do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), inclusive por meio do seu Grupo de Estudos Permanentes de Acidentes de Consumo (Gepac), PROCONs, órgãos reguladores e sociedade civil pode propiciar soluções realistas para o encerramento dos recalls promovidos no Brasil que não atinjam 100% dos produtos chamados.