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A reclamação entre os reparadores quanto à aplicabilidade de peças tem aumentado. Pesquisa do site Oficina Brasil mostra que 80% das oficinas já tiveram prejuízo com a compra de peças erradas, somente nos últimos 30 dias
Em maio de 2012 o jornal Correio Braziliense publicou uma reportagem que ilustra e reforça um cenário preocupante vivido no segmento da reparação. Uma oficina mecânica foi condenada judicialmente a ressarcir ao cliente o valor que ele pagou pela peça, pelo serviço e mais dois mil reais de indenização, porque ao realizar o reparo, a oficina instalou uma peça errada no veículo que foi deixado para conserto.
Comprar peças corretamente é uma tarefa tão crucial quanto realizar bons serviços, sem os quais a oficina não existiria. Porém, comprar peças automotivas no Brasil é uma tarefa cada vez mais difícil. De acordo com o relato de diversos mecânicos entrevistados pelo Jornal Oficina Brasil, o número de erros na aplicabilidade das peças tem aumentado assustadoramente. Não deveria, mas tem acontecido. E é cada dia mais corriqueiro.
“Posso enumerar uma série de casos. E para piorar, a maior incidência é nas peças para veículos populares, com maior parcela no mercado. Mesmo informando a marca, ano e modelo corretos, já aconteceu de comprar e receber amortecedor, embreagem, coxins, bomba d’água dentre outros, e na hora de instalar ou na instalação, a peça não servir”, diz Carlos Côrrea, gerente da oficina Auto Mecânica Minas Auto, em São Bernardo do Campo (SP).
Isso se reflete no tempo de serviço da oficina assim como em sua lucratividade. Elaine Maria da Silva, responsável pela compra de peças no centro automotivo RenovaCar, em Interlagos, zona sul de São Paulo, explica que quando ocorre a aquisição de peças erradas, além da oficina mecânica perder tempo com o processo da troca de peças, o prejuízo é maior porque a oficina fica ocupada com serviços parados: “quando preparamos um orçamento, estamos contando que o serviço será executado com precisão e para isso, precisamos da peça certa”, diz.
“Existem casos em que mesmo informando a marca, modelo, ano e outros códigos, a peça enviada não é compatível com o veículo. Nesse caso solicitamos a troca e o trabalho fica interrompido, ocupando espaço na oficina, o que diminui a rotatividade de outros veículos para serviço, o ticket médio e a passagem no box”, conclui Elaine.
Para Ruy Silveira, gerente da oficina Benito Bertolino Junior, que fica no Tucuruvi, na zona norte de São Paulo, a situação é mais preocupante quando o cliente tem urgência ou em caso de indisponibilidade de troca por parte do fornecedor, pois toda a mão de obra e o tempo gasto para adaptação fica a cargo da oficina: ”alguns itens não são compatíveis por folga. Nesse caso (urgência e indisponibilidade de troca), instalamos uma braçadeira, ou um ponto de solda, quando o proprietário autoriza e se for cabível. Quando a peça não serve por ser maior, temos de lixar, ou tirar uma camada de tinta ou revestimento. Tudo isso demanda tempo e mão de obra, e como o orçamento já foi entregue e aprovado pelo dono do veículo, para não perder o cliente arcamos com os custos”, finalizou.
Diversidade do Segmento
A chegada de novos fabricantes de veículos ao país trouxe outra realidade ao mercado automotivo brasileiro. Se na década de 90 apenas a Volkswagen, GM, Fiat e Ford fabricavam e vendiam veículos por aqui, atualmente, de acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos fabricantes de veículos), 15 montadoras de veículos estão presentes no Brasil, e este número deve aumentar para 25 até 2015.
Ao oferecer produtos com mais tecnologia e design avançado, os “newcomers” (novos fabricantes de veículos e de autopeças), favorecem a competitividade no setor, além da inclusão de novas tecnologias e a redução de preços. Por outro lado, também pulverizam o mercado com novos modelos e mais “part numbers”, consequentemente aumentando a diversidade e a quantidade de peças, elevando ainda mais a margem para a compra de itens errados.
Apesar de sofrer com as mesmas dificuldades que o setor de reposição brasileiro, mercados mais maduros como o americano e o europeu já contam com um sistema de padronização de peças automotivas implantado e operante, enquanto que no Brasil esse é um processo inexistente. Atualmente, cada montadora de veículo tem seu catalogo próprio com códigos de identificação e part numbers individuais para todos os itens que compõem o veículo. E essa mesma regra se aplica aos fornecedores independentes de autopeças.
De acordo com Aaron Lowie, vice-presidente da Automotive Aftermarket Industry Association – AAIA (Associação da Indústria Automotiva do mercado de reposição), nos Estados Unidos, qualquer empresa pode fabricar peças e fornecer para o mercado automotivo, desde que atenda aos critérios estabelecidos para ser aceito e consequentemente ter seus produtos publicados no Catalog Standards (Aces - Aftermarket Catalog Enhanced Standard) e Product Standards (PIES - Product Information Exchange Standard), institutos responsáveis por padronizar, catalogar e publicar os códigos e part numbers dos novos produtos.
O Catalog Standards é uma publicação padrão do mercado de reposição americano com foco no reparador, no profissional que trabalha na oficina. É baseado nela que o reparador efetua a compra de peças, pois oferece a mais precisa identificação e compatibilidade de peças. Do lado da indústria está o Product Standards, com a proposta de redução de custos na cadeia de suprimentos, contribuição para eficiência operacional e aumento de vendas, baseado na padronização, gestão e troca de informação entre os fabricantes do aftermarket.
Já na Europa, para que as empresas tenham suas peças e produtos publicadas, precisam adequar-se às exigências do catálogo TecDoc, único órgão que regulariza a padronização, a catalogação e a publicação de códigos e part numbers de novas peças por lá, e que conta com a confiabilidade de mecânicos e compradores.
Opinião dos Especialistas
Se o mesmo critério fosse utilizado no Brasil, Alberto Batista, proprietário e gerente da oficina Marinho Radiadores, no bairro da Penha, na zona leste de São Paulo, não teria comprado a peça errada: ”Precisava de um jogo de pastilha de freios para um cliente. No momento da compra informei a marca, o modelo e ano. Porém, quando estava fazendo a instalação, fui surpreendido. A peça simplesmente não serviu. Precisei solicitar a troca e o prazo de entrega atrasou”, afirmou desapontado.
De acordo com Marcos Dellanino, gerente da oficina Automobile Serviços Automotivos, em Diadema (SP), a frequência de recebimento de peças erradas tem aumentado nos últimos anos: “Trabalho há algum tempo aqui, e já aconteceu de comprar uma peça e dentro da caixinha vir outra, para outro modelo. Antigamente acontecia menos, hoje em dia presenciamos mais casos. Temos trocado alguns itens”, afirma.
Já José Aparecido Garcia, gerente do centro automotivo Nino Auto Center, situado em Agudos, a 12km de Bauru, acompanha o relato de outros reparadores e revela que a maior incidência de compras erradas acontece nas distribuidoras de autopeças: “Talvez pelo fato de o atendimento ser realizado por telefone, mais mecanizado, mais superficial. E também pela correria, os vendedores têm metas a bater, e talvez não tenham tanto conhecimento técnico. Com isso podem se atrapalhar. Qualquer equivoco é fatal. Colabora para que o erro aconteça”, disse.
O presidente do Sincopeças (Sindicato do Comércio Varejista de Peças e Acessórios para Veículos no Estado de São Paulo), Francisco De La Torre, aponta um dos possíveis motivos para os erros: “O mercado brasileiro conta com uma gama de modelos muito grande, variações sistêmicas, marcas. Sem contar o problema mais grave, que é o aumento da quantidade de itens que compõem os veículos atualmente”, explica.
Apesar da situação preocupante, Ademir Tassini, proprietário da Auto Box Manutenções Automotivas que fica em Santana, zona norte de São Paulo, encara com bom humor a situação: “entre os mecânicos, brincamos que a Fiat não consegue fabricar dois carros iguais”, divertiu-se.
De acordo com Tassini é fácil para o vendedor se confundir: “Quantas marcas de veículos existe hoje no Brasil? Temos modelos com oito válvulas, com 16, veículos com ar e sem ar, outros são flex, outros só a gasolina. Aí tem os que são 1.0 e outros 1.6. O cara olha só o nome e marca. Mas apesar disso, nunca tive problemas para realizar a troca nas distribuidoras”, que segundo ele é o local de onde mais recebeu peças erradas.
Mas para o diretor executivo da Andap (Associação Nacional dos Distribuidores de Autopeças), Luiz Sérgio Alvarenga, o motivo para o aumento de compra de peças erradas é o foco do negócio: “A distribuição de autopeças tem forte atuação junto ao varejo de autopeças e consumidores corporativos, também conhecidos como frotistas, o que nos leva a atendimentos mais precisos junto aos nossos clientes através de uma relação B2B (business to business), não chegando ao consumidor final”, explicou.
De acordo com Alvarenga, a Andap não possui indicadores ou evidências que comprovem a não conformidade por parte de seus clientes, e palpita porque no Brasil ainda não existe padronização semelhante a do mercado americano e europeu: “Não possuímos estudos nesta direção, apenas o conhecimento que existem ferramentas já disponibilizadas em mercados mais maduros como Europa e Estados Unidos, mas que ainda não estão disponibilizados no Brasil, pois acreditamos que sua implantação torna-se um pouco mais complexa em nosso mercado face aos modelos classificatórios estabelecidos pelo governo através de CNAEs (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), NCMs (Nomenclatura Comum do Mercosul), etc” encerrou.
Porém, De La Torre afirma que as entidades do segmento têm conhecimento sobre a situação: “É um fato constatado e consumado. Tanto os órgãos do setor quanto as empresas (distribuidores), têm ciência dessa reclamação dos mecânicos e da realidade do mercado”, disse.
E apesar de dizer que não existe nenhum estudo ou projeto para padronização de catálogos, Francisco De La Torre revelou que atualmente o Sincopeças tem voltado seu foco para a garantia de autopeças, e ainda registrou sua opinião para a resolução do problema: “Penso que a segmentação é inevitável, tanto por sistemistas (fornecedores), quanto por catálogo. Mas acho que é um processo mais trabalhoso e demorado de ser implantado, pois o Brasil gosta de ter seu próprio sistema” disse finalizando a entrevista.
Conselheiro do Mercado de Reposição do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), Elias Mufarej tem o pensamento alinhado a De La Torre. Para ele, a segmentação é a solução mais viável no momento: “Diante da constante atualização tecnológica que vive o segmento, cada vez temos mais peças e componentes. Principalmente por causa dos novos fabricantes que chegaram nos últimos 5, 10 anos. Acredito que a solução, que deverá começar em breve, é a segmentação.
Oficinas e distribuidores especializados em uma marca ou tecnologia. Como aconteceu com os importados certa vez”, disse.
Para o presidente do Sindirepa (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado de São Paulo), Antônio Carlos Fiola Silva, a dificuldade de implantar algum tipo de padronização está na multinacionalidade das empresas: ”Inserir no Brasil uma padronização como a que existe nos Estados Unidos e Europa é uma questão muito complexa, e que vai além de determinar como devem ser definidos os códigos, part numbers e formatar um catálogo. Envolve, por exemplo, que todas as empresas adotem desde um mesmo modelo de ferramental, até seguir um único desenho no AutoCad para a mesma peça. Mas o fator determinante é que todas essas diretrizes partem da matriz e a maioria do headquarter dessas empresas não estão no Brasil, fora isso, cada uma delas tem um modelo de gestão”, afirmou.
Quando os reparadores entrevistados foram perguntados sobre experiências de compra de peças erradas em concessionária da rede autorizada das montadoras, os mesmos foram unânimes em reconhecer que a incidência de erro é baixíssima, o que é uma vantagem competitiva deste canal em relação a cadeia independente, agravando ainda mais o cenário vivido no aftermarket brasileiro.