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Troca preventiva da correia dentada: Essa responsabilidade é só do dono do carro?


Pode até parecer clichê, mas, a troca preventiva da correia dentada ainda é algo desconhecido e/ou ignorado por muitas pessoas, que acabam correndo riscos de acidentes e pagando caro quando ela quebra

Por: Tenório Jr. - 11 de agosto de 2018

Seja por falta de informação, por descrédito, por negligência ou mesmo por mero desleixo, o fato é que a cultura da manutenção preventiva ainda não está totalmente inserida na cabeça de grande parte dos proprietários de veículos.
Basta ficar por uma hora no balcão da recepção de uma boa retífica de motores, para constatar a quantidade de cabeçotes que chegam diariamente de várias oficinas, com válvulas empenadas decorrentes da quebra da correia dentada. 

Seria o proprietário do veículo obrigado a saber sobre a importância da troca preventiva da correia dentada? Qual a relevância do papel do Reparador automotivo no processo de transmitir a informação correta, de forma clara e em tempo hábil?
O cliente chega à oficina e pede para fazer uma revisão, no entanto, nem sempre ele imagina o que deve ser realizado nesta revisão. Muitas vezes, por não estar sentindo ou percebendo, no veículo, nenhum comportamento anormal, ele imagina que a revisão será a mais básica possível - entretanto, o carro já passa dos 60.000 km rodados - é nessa hora que deve entrar em ação o “consultor técnico”.
Ele terá o importante papel de informar ao cliente sobre os riscos que ele irá correr caso a correia venha a quebrar e as vantagens que ele terá se optar pela troca preventiva da correia dentada.
A decisão será sempre do dono do carro, contudo, vale ressaltar que o Reparador contemporâneo que preza a relação de confiança com o cliente, tem a obrigação de informa-lo sobre os itens que devem ser substituídos preventivamente em cada revisão, mesmo que estes não estejam apresentando nenhum problema. Uma vez alcançado este status, a fidelização acontecerá naturalmente. 
Dentro desse contexto, não poderia deixar de salientar a dificuldade para vender esse tipo de serviço, ou seja, convencer o cliente a pagar por algo que ele não pode ver nem tocar, ou seja, o carro entra na oficina sem nenhum sintoma aparente, troca a correia dentada e sai do mesmo jeito que entrou, sem nenhuma diferença visível ou perceptível - bem diferente de vender a instalação de um sistema multimídia, por exemplo. Talvez seja essa a causa de tanta resistência por parte de alguns proprietários de veículos, à manutenção preventiva.
O conceito desse tipo de manutenção deve ser muito bem transmitido pelo Reparador e compreendido pelo cliente, para que a sensação após o serviço realizado, seja de confiança no profissional e segurança no carro.

Me permitam um à parte: quando comecei a empreender (1994), procurei uma forma de me diferenciar das demais oficinas mecânicas que estavam ao meu redor. Adotei a estratégia de “ensinar” para meus clientes tudo que eles precisavam saber sobre a manutenção do seu carro, dando ênfase à manutenção preventiva. Percebi que, por menos que eles entendessem, quando o funcionamento de um sistema ficava claro para eles, era mais fácil para enxergar a necessidade e os benefícios de trocar as peças preventivamente. Essa fórmula funciona até hoje.
Nessa matéria irei focar a importância da troca da correia dentada, enriquecendo o amigo Reparador no tocante à argumentação técnica para implementar esse importante serviço na lista de revisão, quando necessário for. 

Conceito

Correias dentadas ou correias sincronizadoras são utilizadas comumente em motores de quatro tempos nos quais não pode haver a perda do sincronismo entre eixo comando de válvulas e árvore de manivela. 
O sincronismo permite que o movimento de abertura e de fechamento das válvulas seja relativo ao movimento de subida e descida dos pistões e aos quatro tempos do motor - admissão, compressão, combustão e exaustão. 
Se houver a mínima perda do sincronismo todo o funcionamento do motor ficará comprometido, desde oscilações em regime de marcha lenta até perda de potência e aumento significativo do consumo de combustível - Em casos extremos, o motor nem funciona!

Atualmente, a maioria dos veículos da linha leve utiliza sistema de sincronismo por correia dentada, sobretudo, pelo baixo custo do sistema em si. Os fabricantes de correias, por sua vez, investem cada vez mais no desenvolvimento e na produção das correias com o objetivo de obter ótimo desempenho e prolongar sua vida útil.  
No final da década de noventa, a indústria automotiva, sobretudo a brasileira, começou a produzir motores com maiores taxas de compressão, que resulta em aumento de potência e também da temperatura, logo, as correias que eram fabricadas com o composto de borracha denominado “Cloropreno”, não resistiam à temperatura dos novos motores. Surge então, a correia com “HNBR” que é elastômero mais resistente a calor, ozônio, lubrificantes e com grande resistência à fadiga. Esse tipo de correia começou a ser aplicado aos veículos fabricados a partir de 1996. 
Na construção da correia dentada também são utilizados “cordonéis” de fibra de vidro que possuem alta resistência à tração, 

Cuidado com a aplicação! Para alguns carros (mais antigos) existem os dois tipos de correias, porém, se aplicar a correia de “Cloropreno” num carro que utiliza originalmente a “HNBR”, a durabilidade será bem menor e o risco de quebra será grande! Nesse caso, se ocorrer um problema com a correia, o fabricante não fará a garantia porque a aplicação foi incorreta. 

Dica: Se houver a opção, com ou sem HNBR, escolha a correia que já possui HNBR – a durabilidade será bem maior!

O tempo e/ou quilometragem de vida útil da correia dentada é estimado pelo fabricante do veículo e consta no manual do proprietário. Entretanto, algumas circunstâncias podem interferir nessa estimativa, como a utilização do veículo em trânsito intenso e com frequência; estradas de poeira ou onde há a concentração de minério de ferro – componente que vem pelo ar e agride a correia diminuindo a sua vida útil. 

Causas de quebra da correia dentada

Existem diferentes causas possíveis de quebra da correia dentada, por isso, é importante identificar a causa para que o mesmo não aconteça com a correia nova. Veja alguns exemplos:  
Rompimento irregular (foto 3 e 4) – Tensão incorreta; entrada de corpo estranho na correia ou travamento de algum dos eixos girados pela correia. Sempre que houver essa característica, verifique o eixo comando de válvulas girando com o auxílio de uma ferramenta para saber se não está duro ou travado. Faça o mesmo com a árvore de manivelas e bomba d’água (quando esta é movida pela correia dentada).

Rompimento regular – vinco na correia provocado por armazenamento incorreto ou manuseio inadequado. 
Os cordonéis da correia dentada são muito resistentes no sentido de trabalho da correia, mas sensíveis às forças de torção e aos vincos. Portanto, se ela for dobrada ou torcida, pode ocorrer a quebra desses cordonéis e consequentemente a quebra prematura da correia.
Arrancamento de dentes – Baixa tensão da correia, tempo de uso ultrapassado e presença de óleo na correia. 


Trincas no dorso da correia (foto 5) – Temperatura extrema do motor, polia tensora com desgaste ou travada. Em alguns casos, a polia tensora chega a derreter.
Nota: no caso registrado pela foto 06, o rolamento do tensionador travou, o cliente não se preocupou com o barulho que estava fazendo e continuou andando até que o calor gerado pelo  atrito entre o dorso da correia e o plástico da polia do tensionador derreteu a polia tensora, ocasionando a quebra da correia dentada e o empenamento das oito válvulas (foto 6). Detalhe: essa correia havia sido trocada recentemente, mas a polia tensora não!

Dica: deixe separado em uma bancada / prateleira apropriada, uma correia dentada “quebrada”, tensionador ruim e válvulas empenadas. Isso irá facilitar a explicação sobre a correia dentada.

Componentes que podem prejudicar a correia

As polias dentadas, ao contrário do que pode parecer, também sofrem desgaste e precisam ser substituídas, se for o caso. 
Para que a correia fique devidamente tensionada, é necessário o uso de polias tensoras (foto 7) e polias de apoio (8). Essas peças também sofrem desgaste e devem ser substituídas juntamente com a correia dentada. 

Nota: mesmo que os rolamentos das polias tensoras estejam aparentemente bons no momento da troca, é importante que sejam substituídos porque certamente não irão suportar mais uma jornada de 60 mil km (em média), e se eles quebrarem, a quebra da correia será inevitável!

E se a correia dentada quebrar?
Quando a correia dentada quebra, o motor “morre” imediatamente porque o eixo comando de válvulas se “desligou” da árvore de manivelas. Onde o carro estiver, irá ficar porque é impossível o motor funcionar só com o eixo inferior (árvore de manivelas).

Porque as válvulas empenam quando a correia dentada quebra?

No momento da quebra da correia dentada, o eixo comando de válvulas para imediatamente. Já o eixo virabrequim (árvore de manivelas) continua girando, tanto pela força da inércia quanto pelo câmbio (se o carro estiver engatado e em movimento).
Assim, no movimento de subida dos pistões, as válvulas que estiverem abertas serão “atropeladas” por eles. Logo, aquela “conversa” de que as válvulas empenaram porque a pessoa tentou dar a partida no motor é um mito, pois elas empenam no momento da quebra da correia!
Veja no (foto 9) como as válvulas ficaram após a quebra da correia dentada. Todas deveriam estar totalmente assentadas em seus alojamentos. (Esse é o mesmo carro da foto 5)


Na (foto 10) veja outro cabeçote com as válvulas devidamente assentadas em suas sedes.

Teste para saber se as válvulas empenaram

No caso de quebra da correia dentada, nos motores que utilizam mais que duas válvulas por cilindro, como os motores que possuem 16 válvulas, a possibilidade de não empenar válvula, é nula!
Entretanto, nos motores de 8 válvulas, existe a possibilidade (somente em alguns motores) de não empenar. 
Para saber se empenou ou não, antes mesmo de instalar a nova correia dentada, é possível fazer um teste relativamente simples. Segue o passo a passo do teste:
1 – Retire as velas;
2 – Gire o motor até que o pistão do primeiro cilindro atinja o PMS (ponto morto superior);
3 – Gire o comando para que as válvulas do primeiro cilindro fiquem fechadas;
4 – Instale a ferramenta (foto 11) no local da vela do primeiro cilindro;


5 – Aplique pressão de ar comprimido dentro da câmara de combustão, através da ferramenta;
6 – Verifique se há estanqueidade no cilindro e se há vazamento de ar pelo corpo TBI e escapamento;
7 – Repita o procedimento em todos os cilindros.

Conclusões dos testes
A-    Se a pressão indicada pelo manômetro da ferramenta estiver abaixo do esperado, significa que há passagem de ar pelas válvulas.
B-    Se a pressão de ar sair pelo corpo TBI significa que a válvula de admissão não está com a vedação total;
C-    Se a pressão de ar sair pelo escapamento, significa que a válvula de escapamento não está vedando.
Nos três casos (A,B e C), indica a necessidade de remover o cabeçote para reparos nas válvulas.
D-    Quando as válvulas estão vedando perfeitamente, não há perda de pressão por elas, logo, não haverá passagem de ar para o sistema de admissão nem de escapamento.

Qual a diferença entre a troca preventiva e corretiva da correia dentada?

Corretiva - Se dá quando a correia quebra; as consequências são: 
Risco de acidente e de assalto, no local onde o carro ficar parado esperando o guincho para levar até a oficina;
O tempo de reparo será no mínimo de 4 dias;
O custo do reparo será no mínimo 4 vezes maior.
Nesse caso, o carro deve ser levado para a oficina, de guincho; o tempo de reparo será de no mínimo 4 dias úteis; 

Preventiva - Ocorre quando a troca é realizada antes da quebra; os benefícios são:
 - É possível programar o dia que vai parar o carro para a troca da correia, de acordo com a disponibilidade de tempo e de dinheiro;
- O tempo de reparo é de 3 horas (em média);
- O custo é relativamente baixo;
- Não corre o risco de ficar com o carro quebrado na rua pela quebra da correia.
Cuidados na substituição da correia dentada
Todos os carros possuem posição específica de montagem da correia dentada, um erro no sincronismo pode gerar códigos de falhas no do sistema de injeção, consequentemente, mal funcionamento do motor.
Os códigos de falhas mais comuns são: falha na sonda lambda, sensor de detonação e sensor MAP.
Os sintomas são: marcha lenta irregular, dificuldade na partida, perda de potência, aumento do consumo de combustível e aumento de emissão de poluentes.
Antes de instalar a correia dentada nova, o Reparador deve verificar as condições das polias dentadas, retentores dos eixos comando de válvulas, virabrequim e árvore auxiliar (quando houver). Vazamentos de óleo, desgaste e/ou desalinhamento nas polias dentadas comprometem a vida útil da correia. 

Considerações finais

O Reparador automotivo é como o médico da família, é ele quem deve dizer que está na hora de trocar a correia dentada, explicar o porquê e as vantagens desse tipo de manutenção preventiva.
Independentemente do carro ou da marca, se o proprietário do veículo não fizer a troca preventiva dessa importante peça, mais cedo ou mais tarde, ela fatalmente irá quebrar e provocar prejuízos de ordem financeira e outros que são impossíveis de serem mensurados, como a perda de tempo ou de um compromisso importante e até mesmo danos traumáticos provocados por um assalto inoportuno ou um acidente enquanto o carro permanecia quebrado na rua. 

Do outro lado está o Reparador que, de certa forma, acaba assumindo grande responsabilidade neste processo, tanto na execução do trabalho quanto na transmissão da informação correta e de forma transparente.
Levando em consideração que o cliente é leigo em manutenção automotiva, cabe ao Reparador dar o suporte técnico necessário para que  ele faça todas as manutenções necessárias e tenha segurança ao utilizar o carro.
Além disso, para a substituição da correia dentada é necessário utilizar peças originais, ferramentas específicas, ter muito conhecimento técnico, perícia e atenção para não cometer erros, pois qualquer vacilo pode causar desde falhas no funcionamento do motor até a quebra prematura da correia dentada e uma sucessão de problemas relacionados.