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Câmbios automatizados: incompreendidos, pouco amados, nem sempre bem utilizados. Mas com futuro


Montadoras omitem suas limitações, concessionárias exageram suas virtudes, motoristas esperam demais deles. E os reparadores não especializados os criticam. Apesar disso, os câmbios automatizados têm um caminho a seguir

Por: Antônio Edson - 02 de novembro de 2017

Em maio, o noticiário que cobre o mundo sobre quatro rodas estampou a seguinte previsão do vice-presidente de vendas e mar­keting da BMW Motorsport (divisão de alta performance da BMW), Peter Quintus: os câmbios manuais e as transmissões automatizadas de dupla embrea­gem têm seus dias contados devido ao avanço tecnológico das caixas de transmissão automáticas tradicionais e aos aprimoramentos que essas receberão nos próximos anos. Segundo Quintus, a tendência é que as transmissões automáticas se tornem melhores, mais inteligentes e mais rápidas que as transmissões do tipo DSG (Direct Shift Gearbox). Se a bola de cristal do executivo não estiver embaçada resta saber se um dia as caixas automáticas poderão mesmo ser mais rápidas do que os câmbios semiautomáticos dos carros de Fórmula 1, capazes de realizar uma troca de marcha na casa do 0,05 segundo. E que destino terão os câmbios automatizados do tipo ASG (Automated Sequential Gearbox), de embreagem simples. Também desaparecerão?

Transportando a questão para a realidade dos países subdesenvolvidos, onde a maioria da população precisa fazer hora extra para adquirir um automóvel de entrada com câmbio mecânico – o Chery QQ Smile, veículo mais barato do Brasil, custa o equivalente a 28 salários mínimos – é certo que os veiculos com câmbio automatizado de embreagem simples continuarão a ser oferecidos ainda por muito tempo aos brasileiros. Afinal é preciso ir, de carro, aonde o povo está e se esse caminho já é desafiador para as montadoras nas condições atuais imagine-se, então, se os câmbios mecânicos ou automatizados desaparecerem. Atualmente, o automático mais em conta vendido por aqui, o Toyota Etios X, sai por R$50.653, enquanto o automatizado mais barato, o Mobi Drive GSR-Comfort, custa R$10 mil a menos, ou R$40.633 – os valores são da Tabela Fipe de outubro de 2017.

AVAL DE ESPECIALISTA

“Não vejo o câmbio automatizado como destinado a desaparecer, por que ele é, entre outras coisas, um rito de passagem para quem deseja, um dia, um carro automático”, vislumbra o engenheiro mecânico Carlos Napoletano (foto 1), 64 anos, 35 dos quais dedicados à transmissão automática, fundador e diretor técnico da Associação de Profissionais Técnicos em Transmissão Automática (Aptta), localizada em São Caetano do Sul (SP). Para ele, o câmbio automatizado surgiu da necessidade das montadoras oferecerem um pouco mais de conforto, por um custo mais baixo, para o motorista, que, por sua vez, terá algo melhor do que uma transmissão mecânica sem desembolsar o mesmo que o faria por um automático. “E desde que o motorista seja bem orientado sobre como utilizá-lo pela concessionária que vendeu o veículo ou pelo reparador que faz sua manutenção, e proceda a uma manutenção preventiva correta, essa transmissão pode funcionar bem por muito tempo”, argumenta.

Foto 1

O aval do engenheiro é esclarecedor porque um problema enfrentado pelas transmissões automatizadas é a incompreensão da maioria dos reparadores não especializados. “A crítica resulta da falta de informação porque muitos desconhecem seu funcionamento”, defende Marcos Morales (foto 2), 48 anos, 34 como reparador e desde 2010 técnico em transmissão automática – ele é um dos três mil profissionais capacitados pela Aptta e consultor da entidade. Segundo Morales, um especialista em transmissão precisa fazer curso, estudar, investir em manuais e equipamento. “Aí sim ele terá outro conceito do câmbio automatizado”, afirma. “O tripé básico de um especialista em transmissão automática é treinamento, informação e ferramental”, resume Napoletano, para quem a desinformação vai além dos reparadores. “Ao vender o veículo, a concessionária exagera suas virtudes, omite suas restrições e até informa que o óleo do câmbio tem validade vitalícia. Isso faz o cliente esperar demais do câmbio automatizado”, lamenta.

Foto 2

TUDO A SEU TEMPO

O engenheiro explica que o óleo da transmissão automatizada tem um prazo de validade máximo de 50 mil quilômetros e o sistema, como qualquer outro, tem limitações. “Sua mecatrônica imita o comportamento do motorista. Logo, ela tem o mesmo tempo que ele teria para pisar na embreagem, desengatar a marcha, selecionar o garfo, engatar outra marcha e tirar o pé da embreagem. Muita gente confunde isso com patinação. Mas é o normal de um sistema com apenas um conjunto de embreagem”, avisa. Pequenos trancos também são normais, pois há uma desaceleração durante a troca de marcha e uma aceleração quando a embreagem é novamente acoplada. Outra limitação é quanto ao uso, que não pode ser igual ao de um câmbio automático. “Ao parar em subidas, não segure o carro no acelerador, mas com o freio. Com isso, o sinal do interruptor do freio desliga a embreagem e seu desgaste será menor. Um problema comum que acomete os câmbios automatizados é o desgaste prematuro dos discos de embreagem por uso inadequado”, alerta. Outro defeito decorrente é com o atuador (foto 3) que não traciona ou perde pressão hidráulica”, completa Morales.

Foto 3

Avisos como esses são úteis para o usuário e também para reparadores não especializados que nem sempre estão familiarizados com algumas pegadinhas dos câmbios automatizados. Um exemplo: Morales conta um causo de um cliente que foi parar em sua oficina, pois o câmbio automatizado de seu carro só ficava na primeira e segunda velocidades, não acionava o manual e nenhum reparador conseguia descobrir o defeito. “Pedi para o cliente pisar no pedal do freio para ver se tinha queimado uma lâmpada traseira. Bingo! Uma lâmpada de freio queimada faz o módulo eletrônico do câmbio entender que o carro está sem freio e, como medida de segurança, ele não libera as outras marchas. Matei a charada em dois minutos e o rapaz foi embora feliz da vida. Isso pode acontecer com o Dualogic da Fiat, o Imotion da Volks, o Power-Shift da Ford e com qualquer outro”, avisa.

PRECIPITAÇÕES E NOVAS APOSTAS

Por falar no Power-Shift (foto 4), o câmbio automatizado de dupla embreagem da Ford recentemente descontinuado e, certamente, um dos principais responsáveis pelos receios em torno desse sistema devido aos inúmeros transtornos que causou para os proprietários de veículos, o engenheiro Carlos Napoletano concorda que, muitas vezes, as próprias montadoras são responsáveis pela má fama de alguns de seus produtos. “O princípio do câmbio Power-Shift em si é bom, mas o mesmo não se pode dizer do sistema que o gerencia e que aparenta não ter sido testado o suficiente e, sim, lançado com precipitação. O dia a dia mostrou que a entrada de água em sua mecatrônica oxidava a embreagem e os garfos”, descreve.

Foto 4

Foto 5

Outra caixa automatizada descontinuada por aqui foi a Easytronic da General Motors (foto 5) desenvolvida com um software da Luk. Por apresentar seguidos defeitos no motor elétrico que acionava o pistão de embreagem, a GM interrompeu sua produção no Brasil enquanto na Europa ela tomou outro rumo. Pesquisas e investimentos a levaram à sua terceira geração, a Easytronic 3.0. E com um sistema que adota o mesmo conceito – componentes 100% eletrônicos –, a Renault lançou no final do ano passado a caixa automatizada easy-R desenvolvida pela ZF Alemã, que, está colhendo bons resultados. “Semelhante às transmissões de dupla embreagem, ela traz respostas um pouco mais rápidas por ter um software elaborado”, conta Marcos Morales, que também tem um bom conceito do Imotion e do Dualogic (foto 6). “Produzidos pela Magnetti Marelli, os dois são excelentes. Neles, o motor elétrico faz a bomba trabalhar sob pressão, com eletroválvulas de engate, sensores e tudo monitorado eletronicamente. Com manutenção preventiva e cuidado qualquer carro está bem servido com eles”, acredita.

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