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De Reparador a Advogado: uma trajetória de desafios e conquistas pela realização de um sonho


Nelson Pasini é um grande “colecionador” de carros em miniatura, que tem a profissão de Reparador como peça marcante na história de sua vida

Por: Margarida Putti - 08 de maio de 2014

Advogado e Comendador, Nelson Passini

Mais de 60 anos de vida e muita história para contar. Na memória, as lembranças de uma época da qual ele se orgulha muito. A oficina, “velha guerreira”, local que abrigava peças, máquinas, ferramentas e muita graxa, ganhou uma história emocionante de humildade, amor e respeito ao longo dos anos. O passado é parte integrante do presente, principalmente quando se fala da profissão: Reparador.  A doce recordação de Pasini pela luta de seu pai, Sr. Mário Pasini, imigrante italiano e proprietário de uma singela oficina mecânica, em 1957, que sustentou sua família e fez história no setor da reparação.

Para conhecermos melhor essa lição de vida, o Jornal Oficina Brasil entrevistou o Advogado e Comendador, Nelson Pasini, que retrata “nestas páginas” sua vivência em uma oficina mecânica, sua paixão por carros e a decisão pela carreira jurídica.

JOB – Como seu pai entrou para a carreira de Reparador?

Nelson Pasini – Meu pai era da artilharia italiana, e tudo começou quando ele foi lutar pela Itália, na Segunda Guerra Mundial. Ao desembarcar na Líbia, no território de Trípoli, ele se tornou prisioneiro dos ingleses, durante 5 anos, e precisava trabalhar para comer. Então meu pai iniciou trabalhos como cooperativista. Nesta época, meu pai já tinha conhecimentos como reparador, pois havia trabalhado numa pequena cidade chamada San Donà di Piave (onde nasceu), na Itália, e nela tinha apenas uma oficina mecânica, a Batistella, e apenas um reparador: meu avô Giuseppe Maschietto, um especialista em reparos de máquinas agrícolas. Meu pai foi aprendiz da oficina de meu avô, onde adquiriu grande experiência profissional. Devido a esse conhecimento, meu pai foi trabalhar na oficina mecânica dos ingleses. Ele consertava motocicletas e também era motorista de ônibus dos militares. Após o término da Guerra, em 1946, meu pai voltou para casa, em San Donà di Piave, e continuou trabalhando como reparador e torneiro em outra oficina. Em outubro de 1949, meu pai chegou ao Brasil com residência na cidade de São Paulo. Ele iniciou como funcionário na oficina Sabrico, que depois virou concessionária Volkswagen. Em 1955, surgiram as montadoras e meu pai acabou sendo contratado pela empresa Mário Barros do Amaral, que representava no Brasil a inglesa Rover, fabricante da Land Rover. Após a saída desta empresa, meu pai passou a ter as suas próprias oficinas.

JOB – Como era a oficina de seu pai naquela época?

Nelson Pasini – Recordo das oficinas como um grande galpão, que cheirava gasolina, ferramentas por todos os lados e folhinhas com fotos de mulheres seminuas nas paredes. Eu achava engraçado e gostava de ficar observando as paredes. Era uma oficina simplória, mas tinha um toque especial. Meu pai também tinha uma taça na oficina cheia de parafusos. A primeira oficina foi na Rua do Glicério, na Liberdade. Depois uma outra no bairro dos Campos Elíseos, o nome da oficina era Nembo (em homenagem ao pelotão de paraquedistas italianos da 2ª Guerra) porque meu pai foi da artilharia da Itália. Depois ele montou outra oficina somente para a Volkswagen, de 1962 a 1964, localizada na Rua Barão de Limeira, chamada Itacar.

JOB – Quem eram os clientes da oficina de seu pai?

Nelson Pasini – Eram pilotos de competição, pessoas simples e amigos. Recordo quando fui a primeira vez na oficina mecânica de meu pai, era domingo, ano de 1957, e ele era reparador da “Ferrari Testarossa 1958” de um piloto de automobilismo muito famoso daquela época, o Celso Lara Barberis. Eu tinha 6 anos, e fiquei emocionado em ver aquele homem. Meu pai decidiu me levar ao cinema, pois o serviço era demorado. A oficina ficava na Rua do Glicério, próximo à Rua Itapura, onde tinha o Cine Itapura (que encerrou suas atividades em 1978, mas sua edificação existe até os dias de hoje), e antes de iniciar o filme, passou um jornal com informações diversas, e para minha surpresa, apareceu uma reportagem do piloto Lara Barberis que eu acabara de ver pessoalmente na oficina de meu pai. Assim, eu passei a ter meu primeiro ídolo no ramo do automobilismo.

JOB – Como eram os concorrentes daquela época?

Nelson Pasini – Pela experiência no mercado que meu pai tinha ninguém competia com ele. Eram poucos os concorrentes que se atreviam. A verdadeira tecnologia chegou, no Brasil, via São Paulo, com a imigração. Após a Guerra, os reparadores que vieram para o país eram técnicos e ferramenteiros italianos e espanhóis. Até os pedreiros italianos possuíam técnicas desconhecidas pelos brasileiros. Meu pai fazia de tudo, era um homem muito esforçado.

JOB – Qual era a formação técnica de seu pai?

Nelson Pasini – Meu pai nunca foi engenheiro. Fez o primeiro e segundo grau somente. Não fez curso técnico para reparador. Sua sabedoria era advinda de suas experiências profissionais adquiridas ao decorrer dos anos. Era um homem de uma inteligência incrível, respeitado pelos seus conhecimentos no setor da reparação. Ele falava sobre qualquer assunto.

Mário Passini, na atividade de reparador em 1970

JOB – Seu pai conseguia sustentar a família com o trabalho da oficina mecânica?

Nelson Pasini – Meu pai sustentou a nossa família com o dinheiro da oficina. Lembro-me que no Natal de 1964 meu pai comprou uma casa e isso descapitalizou nossa família. Foi um “Natal magrinho”, ninguém ganhou brinquedo do Papai Noel, e minha mãe ficou até tarde da noite ajudando meu pai na oficina. Acabou sendo uma data triste para nós. Mas, nunca desistimos. Meu pai sempre tinha um olhar adiante. “O Natal de 60 foi terrível. Mas, aprendi que na dificuldade nasce à união”.

 

 

JOB – Quando começou a trabalhar como Reparador? O que você aprendeu com essa profissão?

Nelson Pasini – Em 1964, eu comecei a trabalhar como reparador numa oficina aos 12 anos de idade. Meu pai já trabalhava com turbos, ele fazia os protótipos para instalar em automóveis. O primeiro Opala a turbo foi meu pai quem fez o projeto. Detalhe: ele não era engenheiro, era reparador. Eu limpava as peças a diesel que naquela época era muito sujo e a fuligem não saí da unha, terrível! Eu trabalhei nesta oficina até o ano de 1973. Realizava o pagamento da minha escola com meu salário desta oficina. Fui reparador por 10 anos. Eu adorava montar turbos, isso aguçava a minha criatividade. Eu não gostava de lavar as peças, porque minhas unhas ficavam sujas e as meninas fugiam de mim. Como reparador aprendi que a humildade está acima de tudo. Aprendi a ouvir para conhecer mais sobre as coisas da vida. E graças a isso, aprendi a ser decisivo.

JOB – Do que você sente saudades daquela época?

Nelson Pasini – Emocionado. Sinto saudades do meu pai. Ele era um homem incrível, mais do que pai – meu amigo. Sempre conversávamos sobre diversos temas, era meu companheiro. Em minha opinião, meu pai é o melhor do mundo.

JOB – Por que escolheu ser advogado?

Nelson Pasini – Eu assistia muito uma série da televisão chamada Perry Mason, ela retratava os tribunais, os advogados em julgamentos, e eu ficava fascinado com aquele universo jurídico. Então perguntei ao meu pai: - Posso prestar vestibular para Direito? Você não ficará decepcionado? Meu pai logo respondeu: - Claro que não! Eu virei o orgulho da família, fui o primeiro filho diplomado. Fiz duas graduações porque achava importante. Cursei Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Publicidade e Propaganda pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

JOB – Fale sobre sua trajetória como advogado?

Nelson Pasini – Trabalhei muito para pagar a faculdade. No setor da reparação, atuei no controle de qualidade e medições de peças, depois fui para a Vasp, como despachante de voo, em 1976, comecei meu primeiro estágio com Direito. Prestei um concurso para a Secretaria da Fazenda do Estado, e trabalhei na área fiscal. Quando me formei fiz outro teste para entrar no antigo Unibanco, e fiquei lá por muitos anos. Meu sonho era ser advogado de um grande escritório. Cheguei a conseguir um emprego num escritório internacional, mas não pude continuar devido às condições financeiras. Em 1983, consegui o maior emprego da minha vida no Banco Citibank, e lá permaneci por 10 anos. Realizei alguns projetos de sucesso no Citi, como o instrumento de hedge perfeito (uma forma de proteção contra a desvalorização da moeda nacional). Minha criação foi regulamentada, deixei o Citibank com o cargo de Vice-Presidente Jurídico. Prossegui com a carreira no banco e entrei no ABN Real. Resolvi neste banco mais de oito mil processos trabalhistas. Eram acordos infinitos. Todos foram aceitos e tivemos uma economia gigantesca no banco. Por conta disto, a Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduz-zi, solicitou que indicassem o meu nome para a Comenda da Ordem da Justiça do Trabalho concedida pelo TST. E, para minha surpresa, fui escolhido. Recebi o título de Comendador. Em 2004, montei meu próprio escritório – Pasini Advogados. Neste ano, meu escritório comemora 10 anos de existência.

Parte da coleção de miniaturas do advogado Nelson PassiniJOB – Sua paixão por carros em miniaturas surgiu devido a sua vivência numa oficina mecânica?

Nelson Pasini – Minha paixão surgiu por dois motivos: primeiro, quando criança eu não tive carrinhos de brinquedo; e segundo, porque era reparador dos carrinhos em miniaturas que dava para os meus filhos. Eles nem se importavam com os carrinhos, então resolvi criar uma coleção. Neste instante, percebi o quanto gostava dos carrinhos e comecei a comprar carrinhos quebrados e consertar, desmontava alguns e colocava peças. Tornei-me um mini reparador de carrinhos. Tenho uma coleção de 367 carrinhos em miniatura, alguns são raridades, todos com detalhes. Minha esposa, Lucia Pasini, também foi a grande incentivadora da minha coleção, ela sempre me presenteava com carrinhos.

JOB – Qual foi a maior loucura que você já fez para conseguir uma miniatura?

Nelson Pasini – Certa vez um rapaz que vendia shampoo numa feirinha na Paulista, em 1995, me deixou impressionado. Eu passeava pela feira quando visualizei na barraca dele um carrinho em miniatura. Era uma Ferrari Testarossa 1957 (escala 1.24), uma loucura! Foram produzidos apenas 200 daqueles carrinhos. Eu insisti tanto para aquele homem me vender o carrinho, mas o rapaz era resistente. Então, resolvi comprar uma caixa daquele shampoo horrível que ele estava vendendo por mil dólares. Levei minha miniatura. Outra vez, num sebo em New York, que vendia livros usados e também carrinhos e soldadinhos de chumbo, achei mais uma raridade: uma miniatura da Ferrari 250, ano 1961 (escala1.43), abria todas as portinhas, roda raiada de alumínio e vinha dentro de um estojo de veludo, não resisti! Paguei mil e cem dólares pela miniatura.

JOB – Me fala sobre a exposição das suas miniaturas.

Nelson Pasini – Em 2001, o banco ABN AMRO REAL patrocinava a Fórmula 1 e realizou uma grande exposição no hall de entrada do banco. As minhas miniaturas ficaram expostas. A história da corrida foi contada através dos meus carrinhos. Até o filme que passava no salão de exposição eu que fiz a edição, pois as imagens eram minhas.

JOB – Além de carros, você tem outro hobby?

Nelson Pasini – Gosto muito de vinhos e sou um bom apreciador. Outro hobby que tenho é livros. Adoro literatura. Tenho uma boa biblioteca, quase uns 1.000 (mil) livros. No mundo dos colecionadores contamos muito com a sorte, o oportunismo, destino e a oportunidade. Meu objetivo é conhecimento. Carrinho é igual vinho, uma questão de cultura.

JOB – O que o seu pai representa para você?

Nelson Pasini – Meu pai foi único líder da minha vida. As histórias de vida que ele contava serviram de exemplo. Era um grande conselheiro. Um exemplo de profissional ético. Algumas vezes saía da oficina e depois voltava para verificar se tinha montado corretamente algum sistema de freio. Um operário italiano, que formou uma família, sustentou a mesma com o suor de seu trabalho em oficinas de reparação e viu seus filhos serem formados, para mim é um grande vencedor. Esse amor pela profissão de Reparador passou de pai para filho e nunca esquecerei. Eu tenho uma oficina dentro da minha casa, e meu filho, Marcelo Pasini, é fissurado por mecânica.  Meu pai faleceu em abril de 1977, para minha maior tristeza.