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Ford Ka Freestyle 1.5 AT com powertrain do Ecosport confirma aparência de off road e surpreende oficinas


Hatches nacionais com pinta de aventureiro nem sempre são o que parecem. Uma exceção é o compacto da Ford com conjunto mecânico caracterizado pela robustez, recheado de tecnologia e que arrancou elogios dos reparadores

Por: Antônio Edson - 28 de novembro de 2018

Toda moda esconde uma intenção mercadológica ou ideológica e essa é, geralmente, estimular a venda de um produto, serviço ou comportamento. Logo, longe de surgir espontaneamente, a moda é algo inventado por publicitários, marqueteiros e profissionais especializados em descobrir necessidades ou frustrações da sociedade de consumo. Na indústria automobilística um exemplo disso é a tendência off road. Ela nada mais é do que um antídoto: acusando o autogolpe provocado pela febre dos crossovers e SUVs, cujas vendas crescem além da conta e ameaçam outros segmentos, as montadoras optaram por maquiar algumas carrocerias para dar a elas um aspecto aventureiro. Com pelo menos um objetivo: se não dá para o consumidor ter um monstrão 4x4 na garagem, um hatch ou picape com aspecto invocado pode, talvez, “matar a lombriga”. A receita deu certo. Muitas montadoras têm, hoje, em seu portfólio no mínimo um off road cover para chamar de seu: Citroen Aircross, Renault Sandero Stepway, Fiat Mobi e Uno Way, GM Onix Activ etc.  

A mais recente investida nesse nicho tipicamente urbano partiu da Ford. Em substituição ao Ka Trail 1.0 3 cilindros, a montadora lançou, em julho, o Ka Freestyle com o motor Dragon 1.5 TiVCT flex, também tricilíndrico, e equipado com a transmissão automática de seis velocidades 6F15. Na prática é o mesmo powertrain do Ecosport Freestyle 1.5 AT que introduziu o downsizing entre os SUVs. Trata-se do propulsor aspirado com maior potência específica por litro já produzido no País, com 90,85 cv/l, 136 cavalos de potência (e) e 16,1 kgfm de torque máximo. O hatch, que está em sua terceira geração, traz ainda outras novidades no conjunto mecânico e no visual. Ao que parece, a montadora do oval azul quer ir além do segundo lugar geral em vendas registrado no primeiro semestre do ano, quando vendeu 48.262 unidades do Ka. A ideia da Ford, que não divulga projeção de vendas, é pelo menos incomodar a tranquila liderança do Chevrolet Onix com mais de 89 mil unidades vendidas entre janeiro e julho.   

Para saber se o recente lançamento da Ford tem fôlego para encarar o campeão da Chevrolet, nada melhor do que testá-lo junto aos profissionais quem mais entendem de veículos em seu dia a dia: o reparador brasileiro. Assim, entre setembro e outubro, a montadora cedeu à reportagem do Oficina Brasil Mala Direta um exemplar do Ford Ka Freestyle 1.5 AT, modelo 2019, avaliado em R$ 66.736,00 pela Tabela Fipe, para ser posto à prova em três oficinas independentes da cidade de São Paulo (SP). As escolhidas entre as que formam o Guia On Line de Oficinas Brasil foram a Nikolaus Serviços Automotivos, na Vila Mariana; a Injecar Auto Elétrico e Mecânica, no Paraíso; e a RTR Autocenter, no bairro da Saúde. Nelas, o novo hatch da Ford passou pelo severo crivo dos seguintes profissionais: 

José Estanislau Germano (e) e Walter Harada (d)

O reparador e administrador de empresas Walter Harada, 71 anos e 60 de profissão, dirige uma das mais conceituadas oficinas do bairro da Saúde, zona sul de São Paulo, a RTR Autocenter, instalada há 18 anos na Avenida Bosque da Saúde 1074, quase na esquina da Avenida Ricardo Jafet. Tendo trabalhado 15 anos na Ford, onde ingressou como trainee, e comandado uma concessionária da marca por outros 13 anos, Walter é, hoje, referência obrigatória quando se trata de veículos dessa montadora. Sua experiência, no entanto, é anterior à Ford, pois com pouco mais de 10 anos já dava expediente na loja de autopeças da família. Um de seus colaboradores é o mineiro de Ouro Preto José Germano, 50 anos, e que como Walter parece ter gasolina e óleo nas veias, pois trabalha com automóveis desde os 11 anos.   

Adilson Silva Oliveira (e) e André Antônio Silva dos Santos (d)

Fundada há 19 anos e instalada na Rua Arujá 46, no bairro do Paraíso, a Injecar Auto Elétrico e Mecânica caracteriza-se pelo constante entra e sai de veículos e pelo trabalho incessante de seus quase 20 profissionais. Em meio a eles, Adilson Oliveira, 51 anos e com 38 de profissão, controla o chão da oficina e o atendimento aos clientes sem descuidar dos detalhes, mesmo que o movimento mensal da oficina supere, com frequência, as 150 ordens de serviço. “Pode parecer tudo corrido, mas é um trabalho natural para quem começou na profissão ainda adolescente”, garante Adilson, que incentiva seus colaboradores a participar de cursos e palestras. Um deles é André Antônio, de 32 anos, reparador desde os 18, vindo de Belo Jardim (PE) há 14 anos. “Perdi a conta do número de cursos que fiz desde que entrei na Injecar, há cinco anos. O último foi sobre elétrica automotiva e o próximo deverá ser sobre injeção eletrônica. Aprender na prática é bom, mas a capacitação teórica é fundamental”, orienta o profissional.  

Paulo José Santana (e), Pedro Demeter (c) e Euclides “Jackson” Campos (d)

Desde 1999, o engenheiro mecânico Pedro Demeter, graduado na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial) e pós-graduado em Administração de Empresas na FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo (SP), de 62 anos, dirige sua própria oficina de reparação localizada na Vila Mariana, na capital paulista. A Nikolaus – uma homenagem a seu pai – Serviços Automotivos localiza-se na Avenida Sena Madureira 52 e sua equipe conta com os reparadores Paulo José e Euclides Campos, mais conhecido como Jackson. Paulo, de 40 anos e reparador há 18 anos, começou a trabalhar no ramo com o irmão Paulo Henrique e se especializou em mecânica leve e manutenção básica. Jackson, de 52 anos, tem 31 anos de experiência e trabalhou com os primeiros veículos importados que chegaram ao Brasil após o final da reserva de mercado, em 1990. 

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES 

Lançado na Europa em 1996 e em 1997 no Brasil, o Ka inaugurou o conceito new edge criado por Jack Telnack, vice-presidente de projetos da Ford Motor Company. Em resumo, esse conceito de design visava economizar tempo de produção com vincos e formas aerodinâmicas suaves e bordas fáceis de alinhar. Desenvolvido como modelo de entrada, o Ka – seu nome, em tradução livre do egípcio, significa Alma e se refere ao formato de inspiração piramidal da primeira versão – tinha sua plataforma, a Mk4, e conjunto mecânico compartilhados com o Fiesta. O modelo foi levemente reestilizado em 2002 e ingressou na segunda geração em 2008. Desenvolvida inteiramente no Brasil, a terceira geração chegou em 2012 com uma configuração de cinco portas baseado na plataforma global B da Ford, a mesma do Fiesta e 266 milímetros maior que a anterior. Produzido em São Bernardo do Campo (SP) e em Valência (Espanha), o Ka, hoje, é comercializado em 125 países e a Ford calcula já ter vendido mais de dois milhões de unidades do hatch. 

Produto mundial da Ford, o Ka Freestyle 1.5 AT foi preparado para atrair o maior número possível de consumidores a começar por sua aparência: grade dianteira preta em formato trapezoidal que identifica o DNA dos veículos atuais da Ford, rodas exclusivas, faróis principais com máscara escurecidas e de neblina do tipo canhão, raque no teto e um vão livre do solo de 188 milímetros dão a impressão de o pequeno hatch ser mais do que um veículo de entrada. De fato, com os novos para-choques, o comprimento do Ka passou de 3,90 para 3,95 metros. “E o visual ficou mais bonito. Por sua grade frontal logo se identifica como um Ford. Destaco, no porta-malas, a bandeja de borracha sobre o carpete. É um detalhe que indica capricho”, comenta Pedro Demeter. “Também chama a atenção o revestimento de couro dos bancos, de excelente qualidade, e o os quase 19 centímetros de vão livre do solo”, aponta Adilson Oliveira. “De modo geral, a Ford parece ter retomado aquela tradição de carros com bom acabamento, tipo Del Rey e Landau”, completa Walter Harada.  

 

 

AO VOLANTE 

Além de equilíbrio, a avaliação dinâmica do Ford Ka Freestyle 1.5 AT mostrou desenvoltura suficiente para justificar sua aparência de aventureiro. Sem ter, claro, o desempenho de um 4x4, o Ka Freestyle não se intimida por pisos irregulares e esburacados e suas consequências sobre a carroceria. Afinal, ele dispõe de barras protetoras nas portas dianteiras e aços rígidos – chapas mais espessas em até 1,2 mm – na coluna B, pilares no teto e na parte traseira do assoalho. Os reforços estruturais contribuem para uma dirigibilidade mais precisa e evitar torsões. E, apesar do vão livre de 188 milímetros e do 1,57 m de altura, o hatch mostra segurança nas curvas, com pouca rolagem na carroceria. Isso devido ao sistema ARP (Active Rollover Protection) integrado aos controles de tração e estabilidade e que atua individualmente sobre os freios e a aceleração. O recurso eletrônico calcula e estabiliza o rolamento e a inclinação da carroceria para evitar capotamentos, item certamente ainda não disponível em muitos 4x4 nem como opcional. 

“Ninguém diz, pelo desempenho e pelo silêncio interno, que se trata de um motor três cilindros. A vibração é praticamente zero”, admira José Germano. “Silêncio absoluto”, resume Pedro Demeter, que também não detectou diminuição de potência ao rodar com o ar-condicionado ligado. “Pelo desempenho, conforto e acabamento este me parece o melhor tricilíndrico que já testei”, julga Adilson Oliveira. O silêncio pode ser explicado pelo revestimento do capô, material isolante acústico provavelmente com lã de vidro na parede corta-fogo do cofre, para-brisa acústico e suspensão retrabalhada.  Com um diâmetro mínimo de giro de 9,6 metros, pneus 185/60 R15 (d/t) e direção de assistência elétrica, Adilson Oliveira conferiu, na prática, a boa manobrabilidade do hatch. “Facilita muito o trabalho do condutor no trânsito urbano”, avalia. “Resumindo, nota 10 para sua dirigibilidade”, atribui José Germano. 

MOTOR  

Produzido na fábrica de Taubaté (SP) da Ford, o motor Dragon 1.5 TiVCT, com 1.497 cm³ reais, é um produto concebido para os mercados emergentes. Ele também é produzido na Índia, México e China. Segundo a montadora, trata-se do primeiro propulsor 1.5 do mundo com três cilindros, mas com desempenho de gente grande: com 90,85 cavalos por litro, 136/128 cvs (etanol/gasolina) a 6.500 rpm e 16,1/15,3 kgfm (etanol/gasolina) a 4.750 rpm de torque máximo, ele tem a maior potência específica do mercado. Mesmo com um cilindro a menos, o Dragon 1.5 TiVCT gera 26 cavalos a mais do que o 1.5 Sigma de quatro cilindros – 110 cavalos – antes utilizado pela montadora. Além de um ganho de 5% de eficiência energética, outras vantagens do Dragon sobre o Sigma são o menor atrito interno, menos peso e um tamanho 10% menor. Na prática, é o mesmo motor EcoBoost 1.5 que equipa o Fiesta europeu, só que com injeção multiponto, sem a injeção direta e o turbocompressor.  

A Sigla TiVCT do Dragon tem as iniciais, em inglês, de Twin Independent Variable Camshaft, ou comando variável duplo – admissão e escape – independente. Sua construção é feita em bloco de alumínio, coletor de escape integrado ao cabeçote, correia de transmissão banhada em óleo, válvulas com tuchos hidráulicos e balancins roletados. Para reduzir o nível da vibração descompensada do motor três cilindros, os engenheiros da montadora ainda dotaram o motor com um coxim hidráulico e um eixo balanceiro com mancal hidrodinâmico. O diâmetro dos cilindros é de 84 mm e o curso dos pistões chega aos 90 mm. O motor tem quatro válvulas por cilindro – 12 –, razão de compressão é 12:1 e dispensa o tanquinho auxiliar para partida a frio quando abastecido com etanol – esse sistema de partida foi patenteado pela Ford com o nome de Easy Start. Segundo a montadora, o hatch, com o câmbio automático de seis velocidades, arranca de 0 a 100 km/h em 11,2 segundos e alcança a velocidade máxima de 180 km/h. O consumo em ciclo urbano chega a 10,7 km/l (g) e a 13,5 km/l (g) em rodovia.  

Pedro Demeter aprovou a ausência do tanquinho, o comando variável de válvula e, principalmente, a correia de distribuição banhada no óleo. “O motor ganha em rendimento e com o menos peso. Também significa um avanço por ter menos peças, menos atrito e um funcionamento mais suave e menos áspero”, compara o engenheiro, que ainda reparou na quase ausência de vibração do motor tricilíndrico. “O eixo de contrapeso, com mancal hidrodinâmico, certamente tem papel fundamental nessa estabilidade”, comenta. “Provavelmente esse eixo gira junto com a corrente”, acrescenta Adilson Oliveira, que destacou a tampa de válvula com respiro, ambas feitas de plástico. “Plástico e alumínio, mais leve que esses materiais só mesmo a fibra de carbono”, admite. Já Paulo José destacou a arquitetura do motor, com flauta, bicos, bobinas e corpo de borboleta bem visíveis e acessíveis. “Ficou fácil para uma substituição das velas. Apesar de o carro não ter um cofre grande, o motor três cilindros, menor, deixa mais espaço para a intervenção do reparador. Isso facilita o trabalho”, considera. “Sim, em uma manutenção básica o carro fica menos tempos de oficina”, calcula Adilson.    

 

 

Walter Harada e José Germano descobriram mais novidades, como a correia de serviços do alternador ser do tipo elástica e dispensar o tensor ou esticador. “Aqui temos uma peça a menos para quebrar, pois o tensionador