Em um mercado onde o avanço dos SUVs parece não ter limites, esses veículos invadem o espaço de alguns segmentos e ameaçam de extinção modelos consagrados. Aqui e em duas das maiores economias mundiais. Nos Estados Unidos, 20% dos americanos não abrem mão de seus utilitários esportivos. Na China, 40%. A trincheira de resistência finca o pé no bloco europeu, onde os utilitários esportivos ainda não prevalecem. Alemanha e Suécia, com ênfase para a Volvo e sua tradição na produção de station wagons, mostram que o sol nasceu para todas as carrocerias. No Brasil, um pouco menos. Enquanto SUVs ganham mercado, sedans decaem entre os consumidores. Em 2017, os médios detinham 8,5% do mercado. Este ano, no primeiro semestre, 7,2%. Em julho apenas 6,2% dos emplacamentos foram para os três-volumes. Já as peruas... Bem, essas, em breve, só serão vistas em lojas de seminovos. A última sobrevivente, a Fiat Palio Weekend, foi descontinuada este ano, seguindo o caminho sem retorno da minivan Idea e da van multiuso Doblò.
Lançamentos recentes da indústria nacional, no entanto, demonstram que ela ainda não quer ver os sedans compactos tendo o mesmo fim das peruas. Atestam a boa vontade os novos Yarus Sedan, compacto premium global da Toyota; Volkswagen Virtus e o Cronos, lançado pela Fiat em 2017 – os dois últimos, pela ordem, derivados do Polo e do Argo. O Cronos, em especial, é a aposta da montadora de Betim (MG) para fazer frente aos líderes GM Prisma e VW Virtus. Em agosto, com 20.653 unidades comercializadas, o três-volumes da Fiat estava em sexto lugar no ranking das vendas do segmento e atrás, também, do Ford Ka Sedan, Hyundai HB20S e do VW Voyage. Mas com quase o dobro de vendas do Nissan Versa. Produzido na planta industrial de Córdoba (Argentina), o Cronos carrega no porta-malas a responsabilidade de continuar a tradição bem-sucedida de sedans compactos da Fiat e que marcaram época no Brasil, como o Oggi, o Prêmio e o Siena, baseados, respectivamente, no Fiat 147, Uno e Palio. Conseguirá?
Só as futuras planilhas de vendas poderão dizer. O que se pode aferir aqui e desde já são a reparabilidade e as qualidades mecânicas do veículo. E, para tanto, a montadora cedeu à reportagem do Oficina Brasil Mala Direta uma versão do Fiat Cronos Precision 1.8, 16 válvulas e com câmbio manual de cinco velocidades, modelo 2018 – R$ 64.754,00 segundo a Tabela Fipe de setembro de 2018 –, e com cerca de cinco mil quilômetros rodados. O objetivo: levá-lo à avaliação de três oficinas da cidade de São Paulo (SP) que fazem parte do Guia de Oficinas on Line Brasil. As escolhidas desta edição foram o Centro Automotivo Piarulli, no bairro da Bela Vista, o antigo Bixiga; a Ro Pneus, no Ipiranga; e a Pneus Lopes, na Vila Nova Conceição. Nelas, o novo sedan da Fiat foi examinado pelos seguintes profissionais:
Cristina Piarulli de Souza (e) e Luís Carlos Fante (d)
Cristina está há 14 anos no comando do Centro Automotivo Piarulli, localizado à rua Manoel Dutra 319, na Bela Vista, e vizinho à oficina de funilaria e pintura de seu marido, Victor Tolosa Vera. O casal tem em comum histórias de vida ligadas aos automóveis. “Aprendi a gostar de carros com meu pai e sempre trabalhei em empresas ligadas ao setor, como a VDO do Brasil. Conheci o Victor quando eu estava em uma empresa de guincho mecânico. Depois do casamento, resolvemos partir para a reparação, tanto com funilaria como mecânica”, lembra a empresária, que tem no reparador Luís Carlos, de 61 anos, um colaborador experiente. “Comecei aos 11 anos na oficina de meu irmão Hélio, que trabalhava com ônibus e caminhões. Depois segui para a mecânica leve e passei por várias oficinas autorizadas da Volks, Ford e Fiat. Nos anos 1990, fui um dos primeiros reparadores de São Paulo a fazer um curso sobre injeção eletrônica”, garante Luís, que realizou um número incontável de cursos.
Ivar Marconi de Oliveira (e) e Jonas Ramos (d)
Há 10 anos trabalhando na Ro Pneus, na Avenida Nazaré 1891, no Ipiranga, o reparador Jonas Ramos, 50 anos, acumula 34 anos de experiencia profissional em oficinas independentes. Começou a trabalhar aos 11 anos no estabelecimento do irmão mais velho Orlando Aparecido Ramos, em Campo Grande (MS), mas se preocupou em também se preparar teoricamente. Fez o curso de Mecânica Automotiva durante dois anos no Senai do Ipiranga, além de outras capacitações que, ainda hoje, fazem parte do seu dia a dia. “O último curso que participei foi na semana passada, sobre juntas de motores modernos”, afirma. Seu colega Ivar Oliveira, natural de Miranda do Norte, Maranhão, de 46 anos e há 26 anos na Ro Pneus, igualmente cursou o Senai do Ipiranga – curso de carburador e injeção – e acabou se especializado em alinhamento e suspensão.
Sérgio Correia de Souza (e), Amaury Donizete de Oliveira (c) e Caio Mião (d)
Fundada em 1988, a rede Pneus Lopes conta com duas lojas na capital paulista – Moema e Vila Nova Conceição –, duas na Grande São Paulo e outra no interior – São Bernardo, São Caetano e Limeira. Filho do proprietário Márcio Antônio Mião, o administrador Caio Mião tem a mesma idade da rede, 30 anos. “Nasci praticamente dentro da oficina e hoje o negócio faz parte da família”, conta o executivo, no momento sem planos de expandir a rede. “O tempo é de manter o que foi conquistado. Mas tenho certeza que quem sobreviver à crise sairá dela mais forte”, projeta. Dois de seus colaboradores são o vendedor Amaury Donizete, 41 anos e há 25 no ramo, e o reparador Sérgio Correia, 41 anos e desde os 13 em oficinas. “Desde cedo sabia o que queria da vida: fiz o curso de mecânica no Senai com 13 anos. A influência do meu pai, líder aposentado da Volkswagen, foi decisiva na escolha da minha profissão”, recorda Sérgio, que há 14 anos trabalha na loja da Avenida Hélio Pelegrino 848.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Fruto do projeto conhecido como X6H nos bastidores da Fiat, o Argo é montado sobre a plataforma MP1 do Argo, enquanto o Cronos está sobre a variante MP-S. Há diferenças de estilo entre os irmãos, a começar pela grade dianteira, capô e para-choques do três-volumes.
O capô exclusivo e que avança mais em relação às grades traz vincos laterais. A grade, formada por ondas senoidais, é mais fina e alongada, pois não divide espaço com os faróis auxiliares, posicionados mais nas laterais e abaixo dos faróis principais. O resultado foi um aspecto musculoso. A diferença maior, obviamente, vem após a coluna C da carroceria. A distância entre eixos – 2.521 mm– é igual à do hatch e os 36,6 centímetros a mais do porta-malas se traduzem em 525 litros de capacidade – um dos maiores da categoria.
O único problema se deve aos dois braços em forma de pescoço de ganso que sustentam a tampa e que, ao ser fechada, tendem a prensar a bagagem.
O interior do Cronos pouco difere do Argo. A faixa horizontal que separa o painel frontal não é vermelha, mas marrom.
No banco de trás, o encosto foi afastado em 10 mm para melhorar o conforto dos passageiros. “É visível o emprego extensivo de plástico duro, mas não há como fugir disso quando o objetivo é dar leveza e resistência ao interior do carro. Esse plástico ainda é o material mais eficiente para essas funções”, analisa Sérgio Correia. “Ao menos esse acabamento tem bom efeito visual ao imitar fibra de carbono”, completa Luís Carlos. Já Jonas Ramos admirou as linhas “modernas da carroceira que resultam em melhor aerodinâmica” do Cronos, mas fez reparos ao porta-malas e às lanternas traseiras. “A capacidade volumétrica é excelente, mas sua boca poderia ser maior porque vai dificultar a entrada de objetos maiores. O conjunto ótico traseiro deveria ser embutido e menos saliente para evitar acidentes em pequenas manobras”, conclui.
AO VOLANTE
No teste dinâmico realizado a bordo do Fiat Cronos Precision 1.8 com câmbio mecânico de cinco velocidades, os reparadores puderam sentir o ponto alto do veículo: o equilíbrio entre conforto e estabilidade. Apresentando, no limite, inclinação a sair de frente nas curvas fechadas, o sedan acusou, no geral, comportamento neutro. Com molas e amortecedores recalibrados em relação ao Argo e bitolas ligeiramente mais largas – 1.465 mm na dianteira e 1.498 mm na traseira, contra, respectivamente, 1.461 e 1.496 mm do hatch – em razão do maior comprimento e peso do veículo – 1.248 kg contra 1.229 do Argo –, o três-volumes exibiu um rodar suave, embora o motor E.torQ 1.8 de 139 cavalos pudesse demonstrar mais desempenho. A arrancada não provocou elogios dos reparadores, ao contrário do silêncio interno que foi quebrado apenas nos picos de giro de rotação do motor. A montadora garante que se trata do veículo mais silencioso da categoria, o que torna sua sensação de dirigir agradável. A média aferida foi de 69,8 decibéis.
Pelas ruas estreitas do Bixiga, em São Paulo, o Cronos mostrou “conforto típico de sedan urbano”, segundo Luís Carlos. Entenda-se por isso um carro não muito grande a ponto de dificultar as manobras em espaços pequenos nem tão compacto para causar desconforto a condutor e passageiros. “A regulagem de altura e de profundidade do volante ajuda a logo encontrarmos a melhor posição para dirigir e os instrumentos do painel têm excelente leitura”, confere o reparador.
“Sim, o painel é rico em informações, algumas imprescindíveis para os reparadores, como a tensão da bateria, horas de funcionamento do motor, temperatura do óleo e pressão dos pneus. Destaco ainda a ergonomia, os bancos anatômicos que não deixam escorregar as costas do condutor e a visibilidade eficiente”, analisa Sérgio Correia. Jonas Ramos confirmou a facilidade de leitura do painel de instrumentos e a boa visibilidade proporcionada por retrovisores e vigia traseira, mas estranhou a chave presencial do veículo. “Pessoalmente, não aprovo porque é fácil de a esquecermos no bolso ao deixar o carro em uma oficina, posto de serviços etc”.
MOTOR E.TORQ 1.8
O atual propulsor do Cronos, tanto o da versão 1.3 quanto o da 1.8, será mantido até 2.020. A expectativa é que, até lá, o grupo Fiat Chrysler interrompa a produção do motor E.torQ na planta industrial de Campo Largo (PR) e a substitua pela do motor 1.3 de 16 válvula e turbo com, provavelmente, duas opções de potência. Esse motor poderá chegar a 160 cavalos em uma versão apimentada e, em uma configuração branda, com cerca de 140 cavalos, ser usado por Argo e Cronos. A mudança promete reverter ou amenizar a defasagem do E.torQ. A maior queixa é que ele exige um giro alto, elevando o consumo, para apresentar bom rendimento. Uma forma encontrada pela Fiat para deixá-lo mais econômico – como no caso do Cronos Precision 1.8 com câmbio manual – foi dotar o veículo com o sistema start-stop. O motor é desligado automaticamente quando o veículo se encontra em ponto morto. Para religá-lo, basta pisar no pedal da embreagem.
Apresentado em 2010, o motor E.torQ 1.8 – 1.747 cm³ reais – de quatro cilindros e 16 válvulas do Cronos é mais ruidoso do que o 1.3 Firefly. Se seu ronco é pouco perceptível isso se deve a uma manta acústica antirruído instalada na parte interna do capô. Sua configuração dispensa o tanquinho auxiliar para partida a frio – foi trocado por um sistema eletrônico que aquece o combustível automaticamente quando a temperatura ambiente está abaixo dos 16 graus e há mais de 70% de etanol no tanque. Uma corrente metálica substituiu a correia dentada e aciona a distribuição enquanto um tensor eletrônico acerta o ponto do carro automaticamente. Com comando de válvulas simples (em que pese o cabeçote multiválvulas) e sem variação, o motor entrega 139 cavalos de potência (e) a 5.750 giros e 19,3 quilos de força e torque (e) a 3.750 giros. Ele vai de zero a 100 km/h em 9,2 segundos e chega a 198 km/h. O rendimento urbano é de 8 km/l (e) a 11,6 km/l (g) e o rodoviário, de 9,6 km/l (e) a 13,8 km/l (g).
Entre os reparadores, um sinal visível de que o E.torQ 1.8 do Cronos entrou na reta final de sua vida útil é a constatação de que seu bloco ainda é fabricado em ferro fundido, quando todos os seus concorrentes já aderiram aos motores inteiramente de alumínio. “Sim, propulsores modernos são basicamente fundidos em alumínio. Esse bloco de ferro aponta que o Cronos está na contramão da história”, surpreende-se Jonas Ramos. “Estranho mesmo, pois é uma tendência irreversível. O alumínio, hoje, é termicamente estável e não sofre dilatação. As ligas de alumínio também tendem a ser tão ou mais resistentes do que as de ferro porque são materiais melhor preparados para trabalhar sob altas temperaturas. Sem falar que lubrificação de um motor de alumínio já atingiu um nível de excelência”, opina Luís Carlos. “Os carros novos, de alto desempenho, demandam blocos de alumínio porque precisam ser mais leves para otimizarem o desempenho e o rendimento do motor”, arremata Sérgio Correia.
Apesar disso, o E.torQ goza de conceito satisfatório nas oficinas independentes e em sua folha corrida não constam, geralmente, intercorrências graves. “Temos feito apenas manutenções preventivas. É um motor que dá pouco trabalho, ainda mais com corrente de comando no lugar da correia dentada”, relata Luís Carlos. Sérgio Correia considera o E.torQ como um motor de primeira linha, pois ele representou uma “evolução” na linha Fiat por ter menos massa. “Antigamente, um motor com a mesma cavalaria exigia mais pistões e mais biela para ser potente. Hoje um motor pequeno em tamanho, como esse, tem um desempenho equivalente”, compara. “Ele tem dado pouca manutenção, embora saiba de alguns casos de superaquecimento em que foi necessário mexer no cabeçote”, completa Jonas Ramos, para quem a tampa de válvula e o sensor do respiro do óleo, ambos de plástico, não chegam a ser problema. “Cumprem bem a função de vedação e não tem influência direta no desempenho ou funcionamento do motor”, considera.
Luís Carlos avaliou que as dimensões do cofre e do motor favorecem a intervenção descomplicada do reparador. “Veja, o motor, que já não é dos maiores, foi colocado em uma disposição que permite o acesso a várias partes. O coxim está fácil de trabalhar e, pela aparência, deve ser hidráulico. Para chegar às velas, bicos e bobinas, que estão sob o filtro, será ainda necessário remover o coletor e isso pode levar até uma hora de oficina. Mas não chega a ser complicado”, calcula. “Está bem mais fácil do que no Fiat 500, cujo cofre tem pouco respiro”, compara Jonas Ramos. “Esse motor está entre os mais fáceis de mexer. Para chegar ao cabeçote basta tirar o coletor. Para alcançar o corpo de borboleta nem isso é preciso. O espaço entre o eletro ventilador e o motor é excepcional. Isso ajuda na hora de trabalhar com o radiador, motor de arranque, ar condicionado e seu compressor”, define Sérgio Correia.
TRANSMISSÃO
Equipado com um câmbio mecânico de cinco velocidade, a versão testada do Fiat Cronos Precision 1.8 está fadada a vender menos do que a versão equipada com a caixa automática de seis velocidades produzida pela japonesa Aisin – há ainda a opção com câmbio automatizado GRS (Gear Smart Ride), mas com motor 1.3 de oito válvulas. Mas isso não é exclusividade do sedan da Fiat. Uma pesquisa realizada em 2017 pela consultoria Jato confirmou que o brasileiro prefere cada vez menos veículos sem o pedal de embreagem. Entre os sedans médios a preferência chega a 96,4% e entre os compactos o índice oscila entre 45,5% a 68,5%. Ainda assim, o investimento da montadora em uma versão mecânica – por enquanto – vale a pena, já que contemplará uma parcela de motoristas que ainda prefere a transmissão manual, por gosto ou condição financeira. A versão automática do Cronos Precision 1.8 custa a partir de R$ 71.582,00 ou R$ 7 mil a mais do que a manual.
Nos testes dinâmicos, a caixa mecânica do sedan passou desapercebida, que é o melhor a se esperar de um câmbio manual. Quem melhor descreveu seu desempenho foi Luís Carlos. “Plenamente satisfatório, com engates precisos e macios, sem arranhões. As posições estão certas, as marchas são curtas e isso aumenta a economia. Há muito tempo a transmissão deixou de ser o ponto fraco da linha Fiat”, conceitua.
FREIO, SUSPENSÃO E DIREÇÃO
A plataforma MP-S, originária do Punto, teve 70% de sua estrutura desenvolvida para o Cronos. Para torná-la mais rígida, a engenharia empregou 55% de aços de alta resistência, 25% de aços de ultra resistência, 10% de aços moldados a quente e 10% de aços comuns. O sedan dispõe de direção de assistência elétrica com caixa mecânica, freios a disco ventilados à frente e tambor na traseira, além de suspensão dianteira independente do tipo MacPherson e eixo de torsão atrás. Molas e amortecedores são exclusivos do Cronos, calibrados para se adequar à massa e dinâmica do sedan. Com isso foi possível se chegar a um acerto macio de suspensão. Como já foi expresso no item “Ao volante”, o comportamento da suspensão, de modo geral, agradou aos reparadores, mostrando um equilíbrio entre firmeza e maciez. Os pneus dianteiros e traseiros apresentam as mesmas medidas – 195/55 R16 – e o Cronos realiza manobras com um diâmetro de giro de 10,5 metros.