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Celer 1.5 Nacional – Apesar da moderna linha de montagem, a Chery luta pela sobrevivência


O nascimento de uma marca começa na fábrica, mas a consolidação e sobrevivência no mercado por longos anos depende da postura dos reparadores independentes com o veículo

Por: Jorge Matsushima - 03 de dezembro de 2015

A Chery Automobiles é uma jovem empresa, fundada em 1997, e também a maior montadora independente da China. Começou as operações de importação e distribuição no Brasil em 2009, emplacando modelos de relativo sucesso como o Tiggo, Cielo, Celer e o subcompacto QQ. O início promissor fez com que o Brasil recebesse a primeira planta industrial fora da China, e em agosto de 2014 foi inaugurada em Jacareí-SP, em uma área de um milhão de metros quadrados, o complexo industrial da Chery Brasil (foto 1), com capacidade produtiva de até 50 mil unidades anuais. Os investimentos ficaram acima de um bilhão de reais, e gerou cerca de 3.000 empregos diretos e indiretos.

Mas a mudança na política automotiva em 2011 e a atual crise econômica atingiram em cheio os planos do grupo, e em 2015 a Chery brasileira deve fechar o ano com a produção de apenas 5.000 unidades. 

Apesar da dramática situação, a empresa se mostra determinada a superar o período crítico, consolidando a sua operação local.

E é exatamente nestes momentos críticos que o destino de uma marca pode ser definido por personagens importantes do aftermarket, que é o reparador independente, e explica-se: Há milhares de veículos Chery rodando pelo país, a grande maioria importados, e por sua vez a rede concessionária vem encolhendo e fechando as portas em diversas cidades devido à crise e baixos volumes de venda. E o consumidor Chery acaba recorrendo ao reparador de confiança para efetuar a manutenção preventiva e corretiva. E dependendo da forma com que o reparador encarar a manutenção deste veículo, o consumidor saberá se pode ficar tranquilo e continuar rodando sem problemas, ou se está diante de um sério problema e precisa se livrar o quanto antes do “mico”. E para antecipar esta visão, levamos o novo Celer produzido no Brasil para conferir o que pensam os reparadores independentes, e são eles:

Hélio de Oliveira Júnior (foto 2), 32 anos, técnico e empresário, 18 anos no segmento. Há 5 anos partiu para o empreendimento próprio e montou a HT Automotivo, localizada em Jacareí-SP.

Adilson da Silva Oliveira (foto 3), 47 anos e 35 anos de profissão. Começou com um tio, na manutenção diesel (tratores) no interior de MG e depois veio para São Paulo, sempre atuando no setor. Há 14 anos, montou junto com a esposa Alexsandra a empresa Injecar, localizada no bairro Paraíso, em São Paulo SP.

E visitamos também uma oficina autorizada com uma visão diferenciada do momento delicado que vive a Chery e seus concessionários:

Carlos Duarte Ferreira Júnior (foto 4), 33 anos, técnico em eletrônica, 17 anos no segmento com ampla experiência em oficinas independentes. Atualmente é coordenador de pós-vendas da DVP Leste, oficina autorizada Chery localizada no bairro da Vila Carrão, em São Paulo-Capital. Carlos Júnior, como é conhecido, é também colaborador técnico do Jornal Oficina Brasil.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

O design do novo Celer 1.5 (foto 5) agrada os reparadores entrevistados, que o consideram atualizado e bem resolvido. O formato do farol e a lanterna traseira em led (foto 6) ajudam a valorizar o visual. O item que mais chamou a atenção de todos foi o novo painel (foto 7), com desenho moderno e funcional. Carlos Júnior destaca a boa qualidade do sistema de som e com detalhe da antena integrada no para-brisa e conclui: “Ficou bem mais bonito que o anterior e ganhou novas funções como o indicador do sensor de ré. Em compensação perdeu o marcador de temperatura do motor”! Adilson e Hélio destacam ainda o bom acabamento, o conforto proporcionado aos ocupantes e a boa visibilidade proporcionada pela área envidraçada e retrovisores.

DIRIGIBILIDADE

Adilson e Carlos Júnior, que já dirigiram a versão chinesa do Celer, perceberam claramente que o modelo nacional é mais macio e confortável, com uma melhor calibração da suspensão. Porém, os 3 reparadores notaram um barulho na parte dianteira direita do veículo, e Adilson comenta: “o carro está “quicando” uma das rodas em pisos ondulados, parece que o amortecedor está com o curso muito limitado ou com pouca carga”. Hélio, que andou mais em rodovias, considera que o ruído pode ter origem em algum coxim quebrado, ou folga na caixa de direção; e Carlos Júnior relata que a vida útil dos coxins é de fato um pouco curta, e é um dos itens substituídos com alguma frequência em revisões periódicas. 

Apesar do problema de barulho anotado, o trabalho da suspensão foi aprovado pelos técnicos, tanto no quesito conforto quanto na excelente estabilidade em curvas, transmitindo muita segurança.

Outro item constatado pelos 3 entrevistados é de que para tirar o carro da inércia há um pequeno descompasso entre a resposta ao pedal do acelerador e o tempo de soltura da embreagem, que acaba provocando alguns solavancos na saída, ou mesmo apagando o motor. Em marcha à ré, os solavancos são mais acentuados e Carlos Júnior observa que isto é decorrente da estratégia de resposta da ECU ao comando do acelerador eletrônico, e é preciso um período de adaptação.

Saindo da inércia, o torque disponível agrada a todos e recebe muitos elogios, com bom poder de aceleração e retomadas seguras em ultrapassagens.

O câmbio manual tem engates precisos, mas um pouco secos. Já a caixa de transmissão é um pouco ruidosa, emitindo aquele zumbido característico. Carlos Júnior pondera que a indústria automotiva chinesa vem progredindo rapidamente, mas a tecnologia de tratamento acústico precisa evoluir com mais ênfase.  

Os itens de conforto como o sistema de som e a eficiência do ar-condicionado completaram a boa avaliação do Celer “brazuca”.

MOTOR

O motor ACTeco 1.5 16V Flex (foto 8)  é desenvolvido pela própria Chery, e gera potência de 109/113cv (G/E) a 6.000 rpm; e torque de 140/152Nm (G/E) a 4.000 rpm. O sistema de injeção flex é indireto multiponto sequencial, fornecido pela Delphi. O sistema de partida a frio ainda é o convencional com tanque auxiliar.

Adilson já atende alguns clientes com veículos da marca Chery, sendo dois com Celer, que fazem todas as rotinas de manutenção preventiva e corretivas na Injecar, e relembra: “há pouco tempo atendemos um caso de problema de superaquecimento, provocado pelo estouro da mangueira de arrefecimento, mas me lembro que houve um pouco de descuido por parte do condutor”.

Hélio também já atendeu clientes Chery na HT, e ele se recorda da troca da correia dentada de um Cielo: “na época não encontramos a correia e o esticador na concessionária, e o cliente conseguiu uma correia do Marea que era idêntica. O esticador acabei reaproveitando o que estava no veículo, e as informações consegui na internet”.

Sobre a troca da correia dentada, Carlos Júnior informa que o procedimento é simples mas orienta: “é importante utilizar as ferramentas específicas que facilitam muito a operação. A fasagem do motor é feita travando o virabrequim e uma régua em cima para travar os comandos”.

A rotina de troca de filtros de ar e combustível é bem tranquila na opinião de todos. Na troca do óleo e do filtro de óleo, Carlos Júnior faz um alerta importante: “após a troca do filtro, é bom ligar o motor e aquecê-lo, e depois dar um reaperto no filtro para evitar vazamentos. Já pegamos alguns casos de vazamento logo após a troca”.

Adilson e Hélio observam que as manutenções nos demais itens como compressor do ar-condicionado, motor de arranque, caixa de direção hidráulica são tranquilas, com remoção simples e bons espaços de acesso.

Adilson elogia o dimensionamento e bom espaço de acesso para manutenção no radiador e o sistema de ventoinha dupla.

TRANSMISSÃO

A caixa de transmissão manual de 5 velocidades (foto 9) conta com uma embreagem acionada hidraulicamente. Adilson observa que a válvula da embreagem está muito exposta e vulnerável, mas os coxins são bem posicionados.

Adilson, Hélio e Carlos Júnior comemoram o espaço livre para troca de embreagem e remoção/recolocação da caixa de transmissão e comentam: “Não é necessário soltar o agregado da suspensão”. 

FREIO, SUSPENSÃO E DIREÇÃO

A suspensão dianteira (foto 10) é independente tipo Mc Pherson, e a traseira (foto 11) é semi – independente com braço oscilante longitudinal. Os freios são a disco ventilado na dianteira e tambor na traseira.

Na opinião de Carlos Júnior, houve um bom avanço no processo de tropicalização da suspensão, mais ajustada e adequada à nossa realidade. A anterior já era robusta e sem histórico de problemas recorrentes, e a suspensão do modelo nacional parece superior.

Adilson fica admirado com a disposição inteligente e a boa qualidade dos componentes, bem como o bom acabamento na parte de baixo do veículo, com uma única ressalva: “o catalisador e o cano de escapamento apresentam sinais de corrosão, mas tirando isso, gostei muito do que vi. Houve boa evolução em relação aos modelos anteriores”. 

Hélio elogiou a simplicidade mecânica e os bons espaços para executar os procedimentos de manutenção, e comenta: “a troca de discos e pastilhas, componentes da suspensão, filtro de combustível, catalisador e sensores é muito tranquila”! 

Em relação ao ruído na parte dianteira da suspensão (foto 12), não foi possível efetuar uma desmontagem para um melhor diagnóstico, mas Adilson concentrou suas suspeitas no amortecedor que aparentemente não estava com o curso total, ou poderia ainda, pelos sintomas apresentados, estar com uma calibração abaixo da ideal. Hélio se concentrou em um eventual problema na caixa de direção e comenta: “meu cliente do Cielo teve problemas na caixa de direção. Não sei se é o mesmo sistema, mas pode estar aqui o problema, pois tem uma folga”. Mas ambos concluem que para um diagnóstico preciso seria ideal desmontar alguns componentes. 

PARTE ELÉTRICA

Carlos Júnior considera prático o posicionamento da central de fusíveis sobre a bateria (foto 13). Na tampa as indicações ainda estão em inglês e mandarim. Por outro lado, avalia que a troca de bateria fica um pouco mais trabalhosa, mas nada complicado.

Hélio aprova a uso de baterias e componentes nacionais, pois a qualidade e confiabilidade são superiores, e são os mesmos itens aplicados atualmente nas manutenções.

Adilson aprova o posicionamento do conector de diagnóstico (foto 14), com acesso direto, abaixo do painel, lado esquerdo.

OUTROS ITENS

O porta-malas (foto 15) tem boa capacidade para a categoria, 380 litros, e abriga o estepe na parte interna, protegendo-o de eventuais furtos.  

Os passageiros do banco de trás (foto 16) contam com um espaço razoável para as pernas, e para o transporte de crianças e bebês há o sistema de fixação isofix.

INFORMAÇÕES TÉCNICAS

Adilson conta com vários scanners na Injecar e comenta: “até o momento a gente tem se virado bem, conseguindo resolver os problemas que aparecem. Não sei avaliar se já estamos atualizados com esta versão brasileira do Celer. A tecnologia é simples e a injeção é conhecida (Delphi), mas o ideal mesmo seria ter acesso às informações originais de fábrica”.

Hélio concorda com Adilson, e reforça: “muitas montadoras sabem da importância de oferecer informações técnicas para os reparadores, pois isso favorece os seus clientes. Veja o exemplo, a Fiat, VW e Chevrolet têm canais de informações técnicas e treinamento para os reparadores independentes, e não por acaso, são as que mais vendem carros no mercado”.

Carlos Júnior, apesar de trabalhar em uma autorizada da marca, se considera um reparador independente por convicção, e comenta: “nem sempre as montadoras enxergam o potencial que uma boa parceria com os reparadores independentes pode gerar, mas é uma questão de tempo. Na qualidade de coordenador de pós-venda de uma concessionária da marca, faço questão de ajudar os reparadores que compram peças conosco, ou mesmo um que esteja atendendo nossos clientes, afinal, sei da competência de muitos reparadores, e juntos precisamos zelar pela satisfação do cliente Chery. Para os leitores do Jornal Oficina Brasil, sempre que precisarem de um suporte técnico, entrem no Fórum e postem suas dúvidas, e atenderemos da melhor forma possível”. 

PEÇAS

Adilson aponta a falta de disponibilidade de peças genuínas no mercado como o maior desafio para a Chery superar de imediato, e justifica: “o cliente já tem um pé atrás quando se fala em carro chinês, mas o medo maior não é do carro em si, que é muito bom. O medo é ficar sem peças de reposição, e até agora a nossa opinião como oficina é de que o abastecimento é muito precário. Recentemente perdemos um serviço com cliente Chery por falta de peças. As concessionárias, que já são poucas, não trabalham com estoque e isso é péssimo para os clientes e para a imagem da marca”. E Adilson prossegue: “outra crítica que faço aos concessionários Chery é a falta de uma política comercial diferenciada na venda de peças genuínas, pois somos tratados como cliente de balcão, e não como parceiros comerciais. Se não nos dão margem para revenda, eles nos empurram para o mercado alternativo, pois a cada dia os fabricantes de peças de primeira linha aumentam a oferta de produtos de qualidade para os modelos Chery. Na Injecar nosso mix de compra fica em 60% nas concessionárias (disponibilidade e qualidade); 35% nos Distribuidores (alto giro) e 15% no Varejo (emergenciais ou carros mais antigos)”. 

Hélio reforça os mesmos argumentos de Adilson, e lembra que no atendimento ao cliente do Cielo, a experiência não foi positiva: “procurei na concessionária a correia dentada e o esticador e ela não tinha nenhuma das peças em estoque. O cliente tinha pressa, e foi na autopeças onde descobriram que a correia do Marea era idêntica. O esticador avaliei o estado, limpei,  lubrifiquei e reinstalei. Mas o ideal seria ter trocado o conjunto por peças genuínas. Veja como a Chery perde oportunidades de negócios, e por pouco não deixa o cliente na mão por causa de uma correia dentada! E olha que estou aqui em Jacareí, do lado da fábrica, mas as peças não chegam com facilidade. Por outro lado, as montadoras de ponta do mercado já oferecem opções de compra exclusivas para os reparadores, e com isso aumentamos nossa compra de peças genuínas pois não perdemos tempo “caçando” a peça. Estas iniciativas nos ajudam muito”. Na HT automotivo, o mix de compra de peças fica em 60% nos Distribuidores (preço e disponibilidade); 15% nas Concessionárias (peças cativas) e 25% no Varejo (emergências e compras avulsas).

Carlos Júnior informa que a DVP Leste trabalha exatamente como os reparadores gostariam, ou seja, eles investem em estoque de peças de reposição para pronta entrega, mantém uma política comercial diferenciada para as oficinas cadastradas, e presta suporte em caso de dúvidas, e comenta: “temos muitos reparadores como clientes de peças pois eles são nossos parceiros de mercado, e o nosso estoque não se limita aos itens de giro. Para este Celer nacional por exemplo, já temos até itens de funilaria como faróis, lanternas, vidros e acabamentos. E se faltar alguma peça, a logística da montadora é ágil, e entre 2 a 4 dias já teremos a peça à disposição.

RECOMENDAÇÃO

Adilson não recomenda ainda, porque embora considere o carro muito bom e de reparabilidade simples, a dificuldade para localização de peças traz problemas de atendimento para a Injecar e para o cliente. E complementa: “Se o fornecimento de peças for solucionado, aí sim indicaria sem receios. Mas hoje ainda fico com um pé atrás”.

Hélio também é cauteloso e comenta que muitos amigos, parentes e clientes perguntam sobre a Chery, e ele deixa bem claro que o carro em si tem uma excelente relação custo-benefício, e quem procura um carro acessível, completo e com baixa manutenção, é uma boa opção. Mas por outro lado ele sempre alerta sobre a eventual dificuldade para localizar peças e efetuar as revisões durante o período de garantia na rede concessionária. E dá um exemplo: “tenho um parente que me consultou e falei exatamente estas informações, e ele comprou um Celer há quatro meses, e por enquanto está satisfeito”.

Carlos Júnior comenta: “Sou suspeito para falar sobre isso, mas vou falar como consumidor, pois aqui, além do conhecer a fundo as particularidades do veículo, consigo observar o grau de satisfação dos clientes que trazem o Celer para as revisões e manutenções, e o índice de satisfação é bem positivo. E hoje indico como técnico e como cliente, pois acabei comprando um recentemente. O custo-benefício é muito bom e os principais itens de manutenção têm um preço bastante razoável”. E fecha o comentário aos risos: “E as peças eu garanto”!

CONCLUSÃO

O Celer se mostra um produto bastante interessante, adequado e competitivo para o mercado nacional, mas ainda não conseguiu vencer a desconfiança do consumidor brasileiro, calejado de experiências negativas de montadoras que chegaram e desapareceram do mercado, deixando milhares de clientes abandonados à própria sorte.

E certamente a matéria reproduziu uma situação delicada de muitos clientes Chery que perderam o contato com a concessionária onde compraram o seu veículo, e agora procuram alternativas de assistência técnica junto aos reparadores independentes, que apesar de mostrarem a habitual competência e capacidade técnica para transpor a ausência de suporte técnico das montadoras, não podem superar o problema da falta de disponibilidade de peças de reposição, que cabe única e exclusivamente à montadora que colocou os veículos no mercado.

As duas oficinas independentes consultadas, Injecar e HT Automotivo, enfrentaram dificuldades para conseguir peças, e ambas perderam oportunidades de negócios única e exclusivamente por falta de peças.

A oficina autorizada convidada, DVP Leste, representa uma ilha isolada nesta história, mas ela não foi escolhida por acaso, pois representa um caminho a ser seguido, ou no mínimo uma solução para a Chery, voltando o olhar para o aftermarket, que é onde estão milhares de clientes Chery, e uma demanda represada por peças genuínas, que dia a dia é abocada por outros fornecedores.