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Citroën SM 1971, o tapete voador francês de quatro lugares, dotado de alma italiana


Herdeiro de uma nobre linhagem, o Citroën SM foi o resultado da união entre a tecnologia francesa e arte de fabricar motores de alto desempenho da Maserati

Por: Anderson Nunes - 03 de outubro de 2022

Enquanto o final dos anos 1960 foi um período tumultuado na política mundial, para a Citroën, foi uma era de grande triunfo. A empresa de Cais de Javel passou por um período de reestruturação e renascimento, e colocou uma série de grandes sucessos em seu currículo. O Traction Avant, o 2CV e o DS forneceram elos na cadeia que levaram ao sucesso da Citroën como empresa automobilística nos anos posteriores.

No final da década de 1960, a marca do duplo chevron estava no auge da realização. A Citroën recuperou sua posição como principal fabricante de automóveis da França, produzindo mais de 750 mil carros por ano. A essa altura, a Citroën detinha aproximadamente 30% do mercado francês. Entretanto na história da marca havia uma lacuna em um segmento em que ela nunca havia conseguido adentrar: dos veículos Grande Turismo. 

Modelos notáveis e de alto desempenho sempre estiveram presentes na história automobilística francesa: marcas como Bugatti, Delage, Delahaye e Talbot ainda mantinham uma áurea de respeito e admiração entre os entusiastas por velocidade na terra do champanhe. Nas décadas de 1950 e 1960, a Facel tentou replicar o êxito com o modelo Vega, mas não obteve sucesso e desapareceu em 1964. A Citroën, por sua vez, sempre almejou criar um veículo esportivo, um modelo que pudesse rivalizar em desempenho com Porsche, Mercedes-Benz e Jaguar, superando-os em tecnologia, conforto e excentricidade. Nesta última área, não tinha, aliás, rival.

Ele personificaria o tipo de automóvel que Andre Citroën imaginou em 1935, quando exibiu no Salão do Automóvel de Paris um Traction Avant 22 CV equipado com um potente motor V8 (um carro que nunca entrou em produção).

PROJETO S

No final da década de 1950, tem início os estudos de um modelo GT baseado no DS. O projeto foi chamado de Véhicule S, “S” que significa “Sport”. O foco principal do plano era pesquisar os limites do desempenho da tração dianteira, em termos de potência do motor e velocidade máxima do veículo. Vários protótipos se materializaram, e a excelente dinâmica do carro levou o engenheiro de projeto Jacques Né a desenvolver um carro de tração dianteira que quebraria a barreira de 200 km/h, com a aposta sendo posteriormente aumentada para 220 km/h.

Os testes de um novo carro começam com um curioso protótipo, um DS cupê com o chassi encurtado e para-lamas mais largos. Como era habitual para a Citroën, muitos veículos conceito em execução foram desenvolvidos, cada vez mais complexos e sofisticados a partir do DS. O projeto perdurou durante 9 anos, ele evoluiu do desenvolvimento de uma variante mais rápida do DS de 1955 para a criação de um carro totalmente novo em termos de estética e de tecnologia.

No Salão de Genebra, na Suíça, de 1970 a Citroën apresentava o SM, sigla para Sport Maserati. A carroceria foi concebida pelo centro de estilo da Citroën – o projeto fora encabeçado por Robert Opron, discípulo de Flaminio Bertoni, pai dos modelos Traction Avant e do DS. O modelo apresentava um formato cuneiforme, sendo a seção dianteira mais larga do que a traseira, envolvendo bem as rodas, para manter a filosofia de tapete voador, tão bem concretizada no modelo DS. O cupê SM media 4,89 metros de comprimento, 1,83 m de largura e 1,32 m de altura. Chamava a atenção a grande distância entre-eixos, de 2,95 m, e pesava 1.450 kg.

A dianteira era o melhor ângulo do SM, pois acomodava um arranjo de seis faróis – dois dos quais acompanhavam o ângulo das rodas dianteiras, para iluminar melhor as entradas de curvas – esse conjunto de iluminação era protegido por uma carenagem de vidro, dando um aspecto elegante e tornado marca registrada do SM. O grande capô feito em alumínio e as laterais lisas colaboravam para um baixo coeficiente de arrasto aerodinâmico: o Cx era de 0,33, um recorde para a época de um veículo produzido em série. A porção posterior estreita apresentava uma grande tampa que dava acesso ao porta-malas, tinha as lanternas retangulares sendo adornadas por um para-choque cromado envolvente.

BELEZA INTERIOR

Internamente, chamava a atenção o bonito painel, moderno e dotado de linhas arredondadas. O destaque era o volante de aro ovalado e de somente um raio, que tinha como destaque oferecer ajustes em altura e profundidade. O painel de instrumentos contava com três mostradores ovalados com velocímetro, conta-giros, termômetro de água, amperímetro, nível do combustível e relógio. O SM também oferecia um sistema de verificação e controle, que alertava sobre o nível de fluidos, lâmpadas queimadas e pastilhas de freios gastas.

Os bancos dianteiros, confortáveis e esportivos, traziam um desenho futurista, contavam com ajuste de altura e inclinação do encosto; apoios de cabeça reguláveis em altura e acabamento em tecido ou como opção couro.Os equipamentos de série incluíam vidros com controle elétrico, ar-condicionado e rádio, instalado entre os bancos dianteiros. 

ALMA ITALIANA

A chave para a genialidade do projeto SM foi sua composição técnica – suspensão hidropneumática e os potentes freios a disco nas quatro rodas que deram ao modelo uma sensação genuinamente de um grande turismo. Porém, a Citroën sabia que o modelo teria que ter debaixo do capô um motor mais pujante para fazer jus ao visual exótico. O único problema era que, na década de 1960, a marca não tinha em seu catálogo um motor à altura do visual esportivo do SM. O trem de força de quatro cilindros do DS tinha raízes no pré-guerra. Os estudos iniciais centraram-se num novo motor de seis cilindros contrapostos, desenvolvido internamente.

A história toma um novo rumo em janeiro de 1968, quando a Citroën adquire o fabricante italiano de carros esportivos Maserati, da família Orsi, que controlava os destinos da marca do tridente desde 1938. Poucos dias após a aquisição, a Citroën abandonou o programa de motores de seis cilindros. Em vez disso, a Citroën encarregou a Maserati de desenvolver um novo V6 para o SM. Engenheiro-chefe da Maserati, Eng. Giulio Alfieri, começou a projetar um novo conjunto motriz do zero e para isso utilizou os ferramentais do motor Indy V8, que equipava modelos como o Quattroporte e Ghibli. Ele precisava ser compacto e leve para trabalhar com o tradicional layout de tração dianteira da Citroën, que levou a caixa de câmbio ser instalada à frente do eixo dianteiro, transformando-o efetivamente em um carro com motor dianteiro central.

O engenheiro Alfieri concebeu um novo motor de seis cilindros em “V” a 90º, identificado internamente como C114. Com duplo comando de válvulas, bloco e cabeçote de alumínio e cilindrada de 2.670 cm³, era alimentado por três carburadores de corpo duplo da marca Weber, desenvolvia potência de 170 cv a 5.500 rpm e torque máximo de 23,0 m.kgf a 4.000 rpm.

O conjunto mecânico permitia ao SM atingir velocidade máxima de 220 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h em 8,3 segundos. O GT da Citroën destronou  assim o Olsdmobile Toronado como o veículo de tração dianteira mais veloz do planeta (205 km/h) e manteve esse título até 1988, com o lançamento do Lancia Thema 8.32, equipado com o motor Ferrari V8, (235 km/h e 215 cv).

Vale ressaltar também que o propulsor V6 do Citroën SM também seria montado no Maserati Merak e no Quattroporte II, além do esportivo Ligier JS2.  Como no DS, a suspensão hidropneumática e independente nas quatro rodas permitia a altura constante, qualquer que fosse o tipo de terreno e a carga transportada. Oferecia três níveis de altura. Para freá-lo, o modelo dispunha de freios a disco nas quatro rodas com um sistema hidráulico de alta pressão (140 bars). A direção tinha relação e assistência hidráulica variável, além de ser muita rápida (em média 9,4:1). Tinha um curioso sistema, que quando se soltava o volante do SM mesmo com o veículo parado, este colocava as rodas em linha reta (sistema batizado de Diravi).

As rodas padrão eram de aço inoxidável, mas para os rigores das corridas off-road, a Michelin desenvolveu uma solução única - uma roda de resina reforçada com carbono, que se tornou uma opção de fábrica. Essas rodas pesavam menos da metade do peso padrão e estavam décadas à frente de aplicações semelhantes.

Em 1971, surge a versão com câmbio automático de três marchas da Borg Warner destinada aos Estados Unidos, dianteira perdeu a carenagem nos faróis (que passaram a ser quatro).

No ano seguinte, o motor V6 de 2,7 litros passa a ser equipado com a injeção eletrônica Bosch D-Jetronic, potência sobe para 178 cv a 5.500 rpm e o torque passa para 23,4 m.kgf 4.000 rpm. Esse pequeno incremento de potência possibilita ao SM atingir a velocidade máxima de 228 km/h.

A revista norte-americana Motor Trend concedeu-lhe o título de carro do ano em 1972. Em 1973, o motor teve a cilindrada aumentada para 2.996 cm³, porém eram mantidos os três carburadores de corpo duplo da Weber, com potência de 188 cv a 6.250 rpm (220 km/h). Porém com a crise do petróleo e a imposição do limite de velocidade nas autoestradas francesas, a vendas do Citroën SM caíram vertiginosamente. Em 1974 a Peugeot compra a Citroën, que passava por uma série de dificuldades financeiras, formando o grupo PSA. A produção restante do SM foi entregue à Ligier. Em 1975 o grupo PSA decide encerrar a produção do SM e a Ligier fez os últimos 115 exemplares. O SM era demasiado controverso para ser um sucesso comercial. Em seis anos foram comercializados 12.920 carros.

Os avanços tecnológicos empregados no SM foram posteriormente empregados em outros modelos, como o Maserati Merak e Quattroporte II, que se parece com o SM a ponto de ser considerado uma versão sedã do Citroën com o logotipo do tridente. No Lotus Esprit foi empregada a transmissão. O bem-sucedido Citroën CX levou a maioria das qualidades dinâmicas do SM, incluindo a direção hidráulica sensível à velocidade.