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Uno 1.5R, a fera de Betim que tinha na relação peso/potência seu maior predicado


Leve e com um conjunto mecânico competente, a Fiat seguiu a cartilha italiana da eficiência e criou um esportivo veloz e ágil

Por: Anderson Nunes - 24 de julho de 2017

Uno 1.5, 1987 (vermelho) e 1989 (amarelo), o modelo esportivo da Fiat tinha visual mais elaborado, determinado pelos detalhes como faixas laterais e faróis auxiliares, algo típico dos anos 80

A Fiat Automóveis S.A. foi inaugurada em 9 de julho de 1976 para produzir o pequeno 147, derivado do modelo italiano 127 lançado em 1971. Além de autoridades locais o principal executivo do conglomerado que reunia as empresas Fiat, Giovanni Agnelli, participou do evento de inauguração da fábrica no município de Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

A Fiat foi um verdadeiro divisor de águas para o mercado automotivo brasileiro. Instalou-se fora do estado de São Paulo, principal parque automobilístico do país, que na época concentrava 90% da produção. A escolha do modelo também refletiu essa política de ousadia que tornaria a Fiat reconhecida: para o Brasil ela desenvolveu um modelo local inspirado no 127 de grande sucesso na Europa, em particular na Itália. Logo no lançamento foi eleito Carro do Ano, pela imprensa especializada de vários países, e em 1975 tornava-se o carro mais vendido no continente, chegando à marca de 500 mil unidades.

Lançado em setembro de 1976, o 147 tinha 3,63 metros de comprimento e pesava 800 kg, era menor que o Fusca em quase 40 cm. Sua distância entre-eixos também era menor em comparação ao do VW, 2,22 ante 2,40 m. De linhas modernas, de acordo com tendências europeias da época, a carroceria era de dois volumes e três portas. A frente era diferente da adotada no 127: faróis quadrados com cantos arredondados, grade preta com frisos horizontais, luzes de direção retangulares acima do para-choque.

Outra característica inovadora era o motor transversal, primeiro a ser oferecido em um carro brasileiro. Dotado de quatro cilindros e apenas 1.048 cm³ de cilindrada fornecia potência bruta de 56 cv (cerca de 50 cv líquidos). Foi projetado pelo engenheiro italiano Aurelio Lampredi, que se notabilizou por desenhar motores Ferrari, ele fazia sua estreia no 147: o italiano 127 usava uma antiga unidade de 903 cm³ com comando de válvulas no bloco.

Apesar de todas as qualidades técnicas presentes no 147, a Fiat não conseguiu atingir o nível de qualidade e economia de combustível esperado. Atrelado a tudo isso ainda tinha os altos custos de produção que impediam um preço competitivo diante do VW Fusca, o carro chefe das vendas no país. Tudo isso criou uma opinião negativa sobre o Fiat 147. A Fiat sabia que tinha um longo caminho para transformar sua imagem no Brasil. Os trabalhos para isso tiveram início em meados dos anos de 1980.

 

O CARRO DA VIRADA

 

A atmosfera futurista do mais famoso local de lançamentos espaciais do mundo, Cabo Canaveral, Flórida, foi o palco escolhido pela Fiat italiana para apresentar à imprensa, em 20 de janeiro de 1983, seu primeiro automóvel mundial. De estilo avançado, o Uno vinha substituir o 127 e marcava um importante passo na história do fabricante de Turim. No Brasil, o Uno foi lançado em agosto de 1984, na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. Chegava com credenciais importantes para iniciar a grande virada estratégica da Fiat no país.

Aqui no Brasil sua missão era suceder o veterano 147, que já contava com oito anos de idade. Os primeiros modelos eram oferecidos somente com três portas, mantendo as linhas do modelo italiano, mas com uma importante diferença: o capô envolvia parte dos para-lamas, o que permitia a acomodação do estepe no compartimento do motor como no 147, de maneira a ampliar o porta-malas e evitar o incômodo de ter de descarregá-lo para o acesso ao pneu.

Isso ocorreu porque Uno Made in Brazil também herdava de seu antecessor a suspensão traseira independente, com braços triangulares e feixe de molas transversal que atendia aos dois lados da suspensão. Durante o período de testes dos protótipos a Fiat constatou que os amortecedores da versão italiana não duravam mais que 5 mil km sob uso intensivo, optando por trocar toda a suspensão. E foi ela a responsável pela mudança no capô que permitiu o estepe no compartimento do motor: não havia espaço para o estepe e sua caixa sob o porta-malas, como no esquema de braços do eixo de torção da versão italiana.

Outras alterações do projeto original, além da melhor adaptação às condições nacionais de rodagem, incluíam o aproveitamento de componentes do trem de força do Fiat 147 para conter custos. Deste vinham os motores de 1.048 cm³ a gasolina (52 cv e 7,8 m.kgf), para a versão S, e de 1.297 cm³ a gasolina (58,2 cv e 10 m.kgf) e a álcool (59,7 cv e 10 m.kgf), para os acabamentos S e CS. Ofereciam um desempenho razoável e a economia de combustível era seu destaque.

O Uno também oferecia um baixo coeficiente de arrasto aerodinâmico entre os carros nacionais (Cx 0,36), mas ainda alto perante o similar italiano, pois o nosso era 15 mm mais alto devido à geometria das suspensões. Chamava a atenção o generoso espaço interno para um modelo de apenas 3,64 metros de comprimento e apenas 2,36 m de entre-eixos, além da boa visibilidade graças à grande área envidraçada, já a posição de dirigir mais alta agradava. No entanto, o início de vendas foi bastante tímido e os consumidores atribuíram o apelido de “botinha ortopédica” em função do formato da carroceria bem diferente do que existia até então.

Em outubro de 1984 chegava a opção de apelo esportivo, a SX (Sport Experimental), identificada pelo para-choque dianteiro com defletor incorporado e faróis de longo alcance, calotas integrais que imitavam rodas de liga leve e molduras em preto fosco nos arcos dos para-lamas. Por dentro trazia um painel completo, incluindo conta-giros e manômetro de óleo, e volante de quatro raios em vez de dois e apoio de braços maiores com alto-falantes integrados. O SX tinha o mesmo motor de 1,3 litro da versão CS, mas usava carburador de corpo duplo para obter potência de 71,4 cv (gasolina) ou 70 cv (álcool), suficiente para atingir velocidade máxima de 155 km/h.

 

PEQUENO INVOCADO

 

A verdade é que o lançamento do Uno SX foi somente um paliativo para a chegada de uma versão realmente esportiva. A novidade foi apresentada na linha 1987 e era bem mais invocada: Tratava-se do Uno 1.5R. Para diferenciá-lo da variante SX, a versão R trazia um visual estético mais agressivo. Nas laterais houve a inclusão de luzes de piscas adicionais, além de um jogo de faixas pretas vazadas com a inscrição Uno 1.5R. Na traseira a tampa do porta-malas era toda pintada em preto fosco com a adição de um pequeno defletor de ar na parte superior.

No interior novos bancos dianteiros envolventes eram forrados em tecido aveludado na cor cinza, com uma larga faixa vermelha ao centro. Chamavam a atenção os cintos de segurança vermelhos, um detalhe herdado do Oggi CSS e que passaria a ser marca registrada dos Fiats esportivos. O volante esportivo de quatro raios era igual ao do Uno Turbo IE italiano. O painel completo trazia conta-giros, além de manômetro de óleo tinha como opcional check-control, um sistema que informava o motorista de possíveis falhas como falta de água no sistema de arrefecimento, desgastes das pastilhas de freios, portas abertas. Como opcional o tão aguardado sistema de ar-condicionado. As cores oferecidas eram o preto e vermelho (sólidas) e azul e prata (metálicas).

No motor a engenharia da Fiat fez inúmeras modificações no motor de 1.498 cm³ que havia feito sua estreia no sedã Prêmio. Para aumentar a potência, a taxa de compressão passou de 11:1 para 12:1. Para eliminar problemas de detonação (batidas de pino) foi feita uma nova curva de avanço da ignição para que aproveitasse a melhor queima do álcool. Esse aumento na taxa de compressão foi obtido através da usinagem (rebaixamento) do cabeçote ainda na linha de produção, com isso não houve necessidade de troca dos pistões.

O comando de válvulas também passava por ajustes para deixá-lo mais “bravo”. O comando apresentava um diagrama em que a admissão tinha início com um adiantamento de 6 graus na abertura e atraso de 46 graus no fechamento das válvulas. Desta forma, a admissão ficou com 232 graus de permanência e a do escape com 234 graus. Para efeito de comparação no Fiat Prêmio o torque máximo aparecia a 3 mil rpm, enquanto que no Uno 1.5R torque surgia em um regime de rotação um pouco mais alto, a 3.500 rpm. O carburador de corpo duplo Weber 30/34 teve alguns ajustes no segundo estágio e passou a ter acionamento a vácuo. Com essas modificações o motor de 1,5 litro debitava agora 85 cv a 6.000 rpm e torque máximo de 12,9 m.kgf a 3.500 rpm. Um ganho considerável que refletia diretamente na potência específica, que passava de 47,6 cv/l para 57,3 cv/l na versão esportiva.

Este ganho de mais 20% de potência foi acompanhado também por um novo escalonamento do câmbio, que recebeu relações mais curtas na 3ª, 4ª e 5ª marchas, compensadas por uma relação de diferencial ligeiramente mais longa do que a utilizada no Prêmio e Elba. Um detalhe que vale ressaltar, a relação da 5ª marcha do Uno 1.5R era a mesma da 4ª do Prêmio e da Elba: 0,96:1. Isso caracterizava bem as diferenças entre o câmbio esportivo do Uno 1.5R e o câmbio econômico das versões familiares. Assim o pequeno esportivo podia fazer de 0 a 100 km/h em 11 segundos e atingir velocidade máxima de 175 km/h.

As suspensões ganharam alguns ajustes de calibração para deixá-las mais firmes. Na dianteira foi utilizada uma nova barra estabilizadora de maior espessura e aumento do curso de suspensão para 143 mm (antes 135,5 mm do SX), recebendo também novos amortecedores hidráulicos. A suspensão traseira teve seu curso reduzido de 207 mm para 205 mm. Já as molas foram recalibradas, ficando com seu curso mais rígido. Em conjunto com a nova suspensão, a Fiat encomendou à Pirelli os pneus P6 (de perfil baixo), exclusivos do modelo R na medida 165/70 R13, que contribuía para já ótima estabilidade do Uno. Curioso era o desenho da calota, que acabou sendo apelidada de “disco de telefone”. Já os freios dianteiros passaram a ser de disco ventilado para dissipar melhor o calor.

MAIS CONFORTO E SEGURANÇA

Para a linha 1989 a Fiat trouxe várias mudanças para deixar o Uno 1.5R mais confortável e seguro. Na suspensão dianteira foi adotado o câmber neutro, ou seja, as rodas estavam rigorosamente na posição vertical, a intenção era diminuir o desgaste dos pneus e melhorar a estabilidade. Outra novidade era adição de amortecedores pressurizados que tinham um maior conforto ao rodar e filtravam melhor as imperfeições do solo. Como opcional havia as rodas de liga com desenho exclusivo que lembrava a cruz de malta.

No visual houve uma maior interferência. Os para-choques, grade dianteira, spoiler e a tampa do porta-malas, estavam agora na cor cinza. A faixa lateral na parte inferior do carro também ganhou cor cinza e o nome Uno 1.5R recebendo novo grafismo. A tampa do porta-malas que antes era toda em preto fosco também passava a ser cinza, além da inclusão de uma estreita faixa que acompanhava a cor da carroceria. Também foi oferecida uma nova tonalidade no catálogo de cores, o amarelo Fiera. Os espelhos retrovisores externos tiveram seu tamanho aumentado, o que aprimorava o campo de visão, uma reivindicação antiga.

Internamente os bancos receberam um novo padrão de acabamento na cor cinza com pequenas listras vermelhas cruzadas, mesmo revestimento foi aplicado nas laterais das portas. Os encostos de cabeça tornaram-se vazados, o que melhorava a visibilidade. Outra novidade ficava por conta das novas travas do basculamento dos bancos dianteiras na posição lateral, o que facilitava o rebatimento, já que antes elas ficavam em uma disposição incômoda, próxima ao assoalho. Os ponteiros dos instrumentos que antes eram pintados em vermelho escuro e que dificultava a leitura à noite, ganharam uma pintura acrílica abóbora que deixou a leitura mais nítida.

Na linha 1990 o Uno R troca o sobrenome 1.5 pelo 1.6. A novidade era o motor argentino Sevel de 1.581 cm³ com potência de 88 cv e torque máximo de 13,7 m.kgf. O novo trem de força deu um caráter mais esportivo ao pequeno da Fiat, que pesava apenas 868 kg. Agora o modelo atingia velocidade máxima de 180 km/h e acelerava de 0 a 100 km/h em 10,5 segundos, isso confirmava a ótima relação peso/potência de 9,86 kg/cv. Visualmente permanecia o mesmo com sutis diferenças, como os vidros verdes e elétricos, além das rodas de liga leve de série. No interior o teto passou a ter revestimento pré-moldado.

Nos anos seguintes a versão esportiva do Uno ganharia uma mudança visual, novos interiores e motores. A variante mais desejada foi sem dúvida a Turbo, primeiro carro brasileiro a vir equipado de fábrica com o turbocompressor. Essa história nós contaremos nas próximas edições.

 

EXEMPLO DE PAI PARA FILHO

 

Uma família que sempre teve uma ligação forte com automóveis, foi nesse ambiente que o jovem design gráfico Alex Szymanski dos Santos, 30 anos, São Paulo, cresceu. Essa paixão pelo universo das quatro rodas foi herdada de seu pai, que em sua juventude chegou a ter diversos modelos, especialmente os de procedência norte-americanos como Bel-Air, Impala, Malibu e El-Camino. Esse entusiasmo de seu pai o fez abrir uma oficina mecânica. “O tempo passou e o que era um hobby para meu pai tornou-se algo profissional no início dos anos 80, quando ele decidiu ser mecânico e pouco tempo depois, abrir um serviço autorizado da Brosol, chegou inclusive a arrumar até um Porshe 911, provavelmente do modelo Carrera 3.2”, relembra sorridente.

Nesse cenário de graxas e roncos dos motores que Alex Szymanski começou se interessar. Primeiro limpando peças e pintando cavaletes da oficina de amarelo. Os encontros de carros antigos também o ajudaram alimentar essa paixão. Em 2003 assim que tirou sua carteira de habitação seu sonho era ter uma Asia Towner, mas acabou por ganhar um Uno 1.5R. “Sempre gostei de carros com visual esquisito e por isso eu queria uma Asia Towner, sempre gostei do desenho do carro, mas meu pai acabou por me presentear com um Uno 1.5R amarelo na época custou R$ 5 mil”, diz Alex.

Em 2006 Alex teve seu Uno 1.5 R roubado. Nesse meio tempo adquiriu um Ford Verona GLX 1990, mas que não trazia o mesmo entusiasmo do Uno 1.5R. Em 2008 o sonho de voltar a ter um Uno 1.5R amarelo foi concretizado. “Embora o carro estivesse original seu visual não era dos melhores e por isso em 2010 resolvi começar por conta própria o restauro do modelo. Um dos problemas dessa linha R é a dificuldade de se encontrar peças para ele, já que são específicas e muita caras”, saliente Syzmanski.

Hoje com o Uno 1.5R alinhado e com um bom grau de originalidade Alex já recebeu inúmeros pedidos de venda e com valores bastante tentadores. “Eu fiquei ‘balançado’ com as propostas que já me fizeram, mas quando eu lembro da dificuldade em fazer a restauração e especialmente do valor sentimental que ele tem para minha pessoa, não pensei 2 vezes e neguei a proposta. Também não gosto que ninguém dirija o Uno tão pouco curto levá-lo a estacionamento com manobrista ou num lava-rápido”, diz enfático.