Na edição passada falamos dos sistemas de partida a frio dos carros bicombustíveis e dos principais problemas que ocorrem quando a temperatura não está baixa o suficiente para acionar a bomba do reservatório de gasolina, nem alta o bastante para fazer o álcool do tanque queimar no cilindro logo na primeira tentativa.
Este mês falaremos de rede de comunicação automotiva e qual a importância disso para o bom funcionamento do carro. Antes, porém, é preciso voltar ao tempo em que os carros eram puramente mecânicos, para assim entendermos os motivos pelos quais as redes foram criadas.
Um carro é formado por diversos sistemas, que vamos simplificar em powertrain (motor e transmissão), elétrico, hidráulico, segurança e undercar (suspensão, direção, escape etc.), e cada um deles desempenha uma função específica que, quando em ordem, garante o bom funcionamento do veículo.
Sem o advento da eletrônica, os sistemas operavam de forma quase que independentes, pois para o freio, pouco importava a velocidade do carro; sua função era criar atrito entre pastilha/lona e disco/tambor e reduzir o movimento.
Exemplo de rede multiplexada (clique na imagem para aumentar)
Hoje, porém, isso mudou. Quando o cabo do velocímetro foi substituído por um sensor de velocidade, e desenvolveram o freio ABS, a informação da velocidade do veículo deixou de ser prioritário para o velocímetro e passou a ser muito importante para o sistema de freio. Porém, é preciso levar a informação para o velocímetro também, pois o condutor tem que saber a que velocidade está dirigindo.
Assim, havia duas alternativas: utilizar dois pares de fios para ligar o sensor de velocidade aos módulos do ABS e de controle do velocímetro (e consequentemente mais um par de fios para todos outros dispositivos que precisam desta informação), ou um único par de fios para ligar o sensor de velocidade ao ABS e, a partir daí outro par de fios ligando com a ECU que controla o velocímetro e outros dispositivos. Este, caro reparador, é o conceito de rede de comunicação em um automóvel.
Atualmente, nos carros mais modernos, cada sistema possui diversos sensores e módulos todos interligados entre si, operando independentemente uns dos outros, cada qual na sua função específica e trocando todo tipo de informação necessária para o carro funcionar da melhor forma possível, de acordo com a programação que foi inserida nele. Tal como em um escritório, onde várias pessoas trabalham juntas, cada uma sentada em frente a um terminal de computador, todos interligados entre si em uma rede de comunicação.
A cada lançamento, novas funções são agregadas e isso torna os sistemas mais complexos
A cada segundo o carro do seu cliente troca centenas de informações em uma velocidade frenética. O módulo da injeção e ignição é o computador principal do carro, e foi por onde tudo começou. Os primeiros sensores indicavam o momento certo de a bobina mandar eletricidade para as velas produzirem a centelha que detona a gasolina. Foi a injeção eletrônica que mudou tudo.
Por conta dela, os carros flex se tornaram uma realidade, pois, antes, para adiantar ou atrasar o ponto de ignição era necessário girar fisicamente o distribuidor, peça hoje que não faz mais parte do sistema.
Assim, o sistema de powertrain apresenta seus sensores e módulos específicos, assim como o sistema de segurança ativo (freios ABS, controle de estabilidade, entre outros) e passivo (air bags, cintos de segurança etc.), o sistema elétrico, o hidráulico, o undercar, enfim, todos que compõem o veículo.
São diversos módulos: de injeção e ignição, do sistema ABS, de controle de estabilidade (EBD), da suspensão, do air bag, de conforto (para controlar abertura de portas, de regulagem dos bancos, acionamento automático do limpador do para-brisas, faróis, piloto automático, entre outros). Cada um recebe informações dos sensores correspondentes e trocam essas informações de acordo com a necessidade.
Quanto mais, melhor
Mas por que vários módulos, não podia ser apenas um? No começo era assim. Mas, com o desenvolvimento de novos sensores, novas funcionalidades, este único módulo começou a ficar sobrecarregado e lento. É como em um computador, quando você abre diversos programas ao mesmo tempo.
A ECU (ou módulo de injeção e ignição) é o cérebro principal do automóvel. Porém, com a evolução da eletrônica, esse cérebro ficou sobrecarregado e, para aliviar a carga de informações que chegavam nele, foram criados módulos auxiliares com autonomia para decidir ações específicas. O módulo do ABS é um deles.
O que a injeção e a ignição tem a ver com o sistema de freio? Nada. São antagônicos, opostos. Um serve para fazer o carro andar, o outro, parar. Em comum, precisam de uma informação: a velocidade. Para qual deles essa informação é mais importante? Quem deve receber a informação do sensor de velocidade primeiro? O freio, claro. Porém, a ECU também precisa dessa informação, para informar o motorista a que velocidade ele viaja.
Agora, imagine o carro com o sistema de ABS comandada pela ECU, que recebe simultaneamente informações dos sensores de massa de ar, temperatura do óleo, detonação etc. Coloque-se no lugar da ECU. Você tem de decidir o momento de soltar e apertar o freio ao mesmo tempo em que dezenas de pessoas falam sem parar ao seu redor, pedindo sua atenção. Difícil, não?
Pois é. Este é o conceito simplificado de rede de comunicação em um automóvel. Diversos módulos interligados para dividir informações sobre o que ocorre com o carro em funcionamento e seus ocupantes. É pela rede que trafegam todos os dados que dão subsídios para os sistemas computadorizados decidirem qual a melhor estratégia de funcionamento do carro. Por isso elas são importantes.
Só para se ter idéia, em alguns casos, depois que o carro é desligado e a chave retirada do contato, os módulos conversam entre si durante cerca de 15 minutos para averiguar se tudo está bem. Por este motivo, uma dica é sempre esperar pelo menos 30 minutos antes de desligar a bateria. Do contrário, dependendo do carro, ele perderá todas as configurações e não ligará mais, a não ser que se reconfigure todos os parâmetros, com ajuda do scanner do fabricante. Mas este é um assunto para uma próxima conversa.