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AAPEX 2014 reúne tecnologia e educação numa aula de aftermarket automotivo em Las Vegas


Evento anual realizado pelas entidades e associações representativas de todos os elos da cadeia da reposição automotiva nos Estados Unidos ofereceu um espaço privilegiado para refletir sobre o futuro do aftermarket

Por: Marcelo Gabriel - 19 de janeiro de 2015

Abertura do evento AAPEX 2014A primeira vez que eu participei da AAPEX foi em 1999 acompanhado de alguns executivos do setor de distribuição de autopeças. Além do deslumbramento com Las Vegas e suas múltiplas atrações, lembro perfeitamente de algumas palestras que assistimos naqueles dias, principalmente a do Prof. John Monoky que abordou segmentação de clientes, naquela época algo que não praticávamos de forma disciplinada no Brasil.

Passados 15 anos, em novembro eu retornei a Las Vegas para participar da AAPEX. Como muitos de vocês acompanham há vários anos, é tradição do Grupo Oficina Brasil atender aos eventos sobre o Aftermarket automotivo promovidos nos Estados Unidos e na Europa e trazer aos leitores o que de mais relevante foi apresentado, ousando algumas vezes elaborar paralelos ou comparações entre as realidades de lá é de cá.

Um destes eventos que o Grupo Oficina Brasil participa há anos é o GAAS – Global Automotive Aftermarket Symposium, que foi tema de edição de junho de 2014, e que era o evento mais importante das entidades e associações norte-americanas da reposição automotiva para discussão de tendências, tecnologias, mercado e outras forças que moldam o setor. Com o fim anunciado do GAAS (2014 foi a última edição), o espaço para discussão e reflexão do setor foi transferido para a AAPEX e quem pôde acompanhar a intensa programação de palestras e debates não se decepcionou.

Se em anos anteriores os eventos educacionais começavam antes da abertura oficial da feira, este ano as cinquenta e quatro palestras foram distribuídas ao longo de quatro dias de feira, de 2ª a 5ª. Além de propiciar o espaço oportuno para o debate de ideias e tendências, as sessões de palestras concedem créditos de educação continuada aos participantes que podem ser convalidados junto à Universidade do Aftermarket da Northwood University.

Para participar das sessões os interessados precisaram indicar na inscrição para a feira qual desejavam assistir uma vez que em cada momento aconteciam de 3 a 4 palestras simultâneas, todas extremamente ricas em conteúdo e divididas por público de interesse. Assim houve sessões recomendadas para distribuidores atacadistas, para varejistas, para reparadores e para remanufaturadores, todas indicadas com códigos e cores específicas.

Compor o cardápio de palestras a assistir no momento da inscrição (que fiz em outubro) foi uma tarefa bastante complexa pois os temas eram ricos e interessantes e muitas vezes duas sessões de interesse ocorriam no mesmo dia e mesmo horário, como tudo na vida cada escolha é uma renúncia, e assim foi na decisão sobre as palestras a que assistir.

Não é sem um pouco de despeito que participo destes eventos há tantos anos. O modelo de negócios do aftermarket brasileiro se assemelha em alguns aspectos com o modelo norte-americano, o que fica evidenciado pela decisão estratégica da AutoZone em se instalar em terras tupiniquins como parte de sua expansão que se iniciou pelo México. Não dispormos de um evento desta magnitude no Brasil e com a abrangência de temas que propõem uma discussão ampla, séria, honesta e sem melindres poderia ajudar a compreendermos mais e melhor o mercado e sua dinâmica. A feira nós já temos, só falta o espaço para pensar. A seguir apresento um resumo das sessões que participei.

PARA TODOS OS GOSTOS
Precisei escolher entre os temas e acabei por privilegiar a tecnologia e seu impacto em nosso setor. Se em 2013 o e-commerce era um dos temas abordados no GAAS e perdeu sua importância na edição do GAAS em 2014 como apresentamos na edição de junho de 14, neste ano não entrou sequer na pauta das sessões. A impressão que fica é que como as várias bolhas da internet este assunto já está solucionado por lá e não há grandes discussões sobre ameaças e/ou oportunidades, simplesmente é mais um canal de compra que convive com todos os outros e apresenta seus prós e contras como qualquer modelo de negócios. Não é a panaceia universal nem a solução para todos os males causados pela proliferação de marcas e modelos e limitações logísticas.

Padronização de dados (apresentado por Tim Folks da CarQuest e Taylor Mitchell da AutoCare.)
Há muitos anos que as associações e entidades norte-americanas direcionam seus esforços para a padronização das informações sobre produtos e aplicações no aftermarket automotivo e estes esforços levaram à criação de alguns padrões como ACES, PIES, IPO e iSHOP, que já se encontram em sua versão 6.6 no caso do PIES ou 4 no caso do iSHOP.

Todo este movimento levou à categorização das informações em dois grandes grupos ou temas: o VCDB – vehicle configuration database que funciona como um vocabulário para padronização das aplicações e o PADB – parts attributes database, que define as nomenclaturas das peças e componentes. E os números impressionam. São 9.241 termos para as peças e componentes e 79.468 atributos. Com o avanço e proliferação de marcas, modelos e tecnologias, entre abril e setembro de 2014 o número de termos para peças e componentes cresceu 14%

O futuro do carro conectado e o consumidor (apresentado por Victor Canseco da Delphi e Stephan Tarnutzer da DGE)
Se o comércio eletrônico não é a resposta da tecnologia para o aftermarket, qual seria o caminho? Segundo os especialistas que apresentaram o painel “O futuro do carro conectado e o consumidor” a resposta passa pela conectividade, pela interatividade e pelo entretenimento a bordo.

Dados dos institutos especializados em Internet como Forrester Research apontam que 70% do tráfego da Internet mundial já é feito por meio de smartphones e que a complexidade da eletrônica embarcada cresce exponencialmente e um veículo comum sai atualmente de fábrica com 50 computadores, 250 conexões e mais de 3.000 terminais.

A integração entre carro e smartphone ou qualquer outro dispositivo smart é inevitável. As tendências apontam que em 2025 a totalidade dos veículos produzidos na América do Norte serão conectados. Os impactos desta conexão entre dispositivo e veículo (que passa a ser enxergado como “outro dispositivo”) tem múltiplas ramificações: uma frenagem antecipada em meio segundo pode reduzir as colisões em 60%, além de permitir que os usuários (motoristas?) interajam entre si e entre o canal comercial como um todo.

Painel  de abertura da AAPEXedu

E quais as consequências para o mercado de reposição? Um evidente aumento na complexidade do diagnóstico, maior dificuldade no momento de efetuar um reparo com impacto direto na qualidade e formação da mão-de-obra, novos modelos de negócios para responder às demandas da segurança dos dados dos motoristas/usuários, ao invés dos tradicionais B2B e B2C, teremos o V2X, ou seja, do veículo (V) para qualquer coisa (X), seja um outro veículo, uma oficina, uma loja de peças. Esta expansão da tecnologia vai possibilitar grandes oportunidades e modelos de negócio que ainda não existem.

Os analistas presentes na sessão foram unânimes ao salientar que o crescimento da tecnologia embarcada só tende a acelerar e que o consumidor ainda vai continuar dirigindo os carros. Porém, é muito provável que nas próximas décadas as pessoas não comprem o carro com base no conjunto do trem de força mas com base em sua integração entre conectividade, interatividade e entretenimento. E o desafio posto aos entes do mercado é redefinir este ecossistema já que as culturas são diferentes.

Criar um carro não é criar um smartphone. Os riscos e os preços são mais altos num carro, além disso os consumidores que estão familiarizados com uma ou outra plataforma (iOS ou Android) vão querer um novo sistema (o da montadora) para usar o carro? Aqui temos um ponto interessante a observar, principalmente os avanços da Apple e do Google no setor automotivo, mas o cenário que se apresenta traz mais oportunidades que desafios.

Distribuição na era do e-tailing (apresentado por Bill Thompson da IMR e Chuck Bean do Martec Group)
E-tailing ou varejo eletrônico é a venda de produtos de consumo pela Internet. Se o tema do comércio eletrônico já está absorvido pelo setor e já não representa mais nem uma ameaça terrível nem a solução esperada por todos, o que fica evidente é que os desafios para a implementação de soluções em comércio eletrônico são maiores para os distribuidores.

Dentre os pontos críticos abordados pelos especialistas estão a dificuldade em encontrar a peça certa, os tempos de entrega (desafio logístico) e as questões de gestão de estoque como retornos, obsolescência e proliferação de peças na medida em que são lançados mais modelos de mais marcas.

Uma das evidências apresentadas no painel é que ter uma presença na internet não é sinônimo de estratégia e que muito do que se anunciou como tendência ao longo dos últimos 5 anos não se concretizou no mundo real dos negócios, onde se confundem vendas relacionadas a acessórios e peças dentro de um mesmo balaio de autopeças.

Quando a necessidade é por peças técnicas, em que a informação correta sobre a aplicação e funcionalidades é fator crítico de sucesso, o modelo do e-tailing apresenta toda a sua debilidade.

Telemática e o modelo de negócios para distribuidores (apresentado por Jim Dikstra da Aftermarket Telematics Technologies)
Este assunto já foi apresentado no GAAS de 2013 e hoje é parte integrante do contexto do carro conectado. Em uma abordagem bastante simples, Jim Dykstra descreveu o carro conectado como um veículo que fala e que reclama e que esta situação vai ao encontro das três mega-tendências do setor automotivo: seguro, verde e conectado.

Dois fatores impulsionam o movimento das montadoras em direção à telemática: (1) redução dos custos de garantia ao propiciar manutenção remota e capacidade de prognóstico e (2) lealdade à marca já que é evidente para as montadoras a impossibilidade de servir toda a frota circulante da marca com a base de concessionários existentes.

Um dado interessante apresentado na palestra apontou que 50% dos problemas de garantia das montadoras está relacionado a questões de software e que quase todas as montadoras estabelecidas na América do Norte já têm uma solução em telemática, movidas pelo entendimento de que um carro mais fácil (conectado) é um carro melhor.

Iniciativas como GM OnStar, Hyundai Bluelink, Mercedes mbrace, dentre outros, não contemplam o setor independente em seus modelos de negócio, o que leva a duas questões importantes: quem é o dono dos dados gerados (se o dono do carro ou a montadora) e como participar deste movimento sendo do setor independente?

Três empresas estadunidenses que já atuam no ramo da telemática não possuem qualquer relacionamento com o setor independente, são elas: Zombie, Carvoyant e Audiovox Car Connection. Um rápido passeio pelas páginas destas empresas na Internet mostra que as conexões entre a telemática e o mercado de reposição independente existem mas ainda não foram estabelecidas. Neste ponto podemos tomar duas atitudes: ou esperamos para ver como se dará a evolução ou antecipamos a chegada destes players por aqui.

Outra mudança importante nas relações de consumo que serão impactadas pela telemática é a substituição do conceito de ponto de venda pelo conceito de ponto de necessidade. Isso significa, em outras palavras, que o consumidor (seja ele o dono do carro, o reparador independente, etc) se transformará em um ponto de necessidade já que as funções telemáticas irão alertar os fornecedores sobre onde o produto ou serviço é necessário, invertendo o fluxo secular dos mercados: a demanda se dirigia à oferta em seu ponto de venda.

Todas essas inovações vão exigir uma alteração na forma das empresas fazerem negócios no aftermarket, com a premente necessidade de uma maior integração vertical entre fabricantes, distribuidores, varejistas e oficinas para atender à vontade soberana do ponto de necessidade: o carro e, consequentemente, o dono do carro.

O estado da arte em diagnose veicular para distribuidores e fabricantes (apresentado por Donny Seyfer da Seyfer Automotive, Inc.)
Os números do mercado estadunidense impressionam, sempre. Segundo dados da Automotive Service Association (ASA) são entre 550 a 700 mil reparadores nos Estados Unidos e 70% deles trabalhando no mercado independente (fora das concessionárias) em 160 mil oficinas. A idade média é 42 anos, deste contingente total mais de 230 mil são certificados ASE e quase 77 mil destes certificados são certificados Master da ASE. O mercado de reparação apresentou nos últimos anos uma taxa média de crescimento de 3,2%.

Para Donny Seyfer, ele próprio proprietário de uma oficina que foi fundada pelo pai, as tarefas do reparador independente mudaram muito nos últimos anos e isso se reflete na grande concentração de tarefas realizadas na oficinas com foco em manutenção, reparo de “desatres”, diagnóstico e atualização de softwares.

A importância da atualização dos softwares embarcados permite ao reparador solucionar problemas de motores como: compressão, defeitos relacionados a ignição, testes de injeção de combustível e de vácuo, com um consumo típico de peças como bobinas, velas de ignição, juntas, catalisadores, etc.

Uma dica importante para os reparadores: em sua oficina ele adota a estratégia do “quanto você quer saber?” para cada cliente, isso significa entender a expectativa do cliente antes de explicar tudo o que vai ser feito ou simplesmente não explicar nada Com isso a experiência propiciada ao cliente é personalizada e garante a satisfação das expectativas. Como sempre, não existe uma receita pronta, mas é preciso entender e atender cada cliente em sua especificidade.