Notícias
Vídeos

O uso do etanol na alimentação de motores de ciclo Diesel


REMOVER SUBTITULO MATERIA NÃO PUBLICADA

Por: Murillo Miranda - 08 de julho de 2011

Antes mesmo de se falar em gerenciamento de motor ou sistemas de escape mais eficientes, a ideia de se misturar combustíveis diferentes na combustão de óleo Diesel, como óleo vegetal (em forma de biodiesel), gás natural e etanol, já era estudada e desenvolvida como forma de aumentar a eficiência dos motores ao mesmo tempo em que a emissão de poluentes era reduzida.

Os benefícios destas misturas, que no início se restringiam a uma relação custo x benefício mais interessante e a uma maior disponibilidade do combustível, uma vez que alguns combustíveis têm um custo mais baixo mesmo gerando um consumo maior, com o tempo também se revelaram uma maneira de reduzir a emissão de poluentes. 

Junto com os incentivos do governo, estes benefícios começaram a ser, além de tecnicamente também economicamente viáveis.

No Brasil, em meados da década de 60, já existiam pesquisas com o objetivo de substituir, pelo menos parcialmente, o óleo Diesel por etanol (álcool hidratado), mas,como havia a dependência de combustível importado, elas acabaram falhando.

Entretanto, em 1975, quando o governo aprovou o lançamento de um programa de uso do etanol como combustível alternativo, as montadoras tiveram a oportunidade de retornar  a estas pesquisas.

Uma das áreas que possuía maior interesse na substituição do Diesel era à dos veículos usados nas plantações de cana-de-açúcar, já que apesar de estarem trabalhando ao lado das usinas produtoras de etanol, utilizavam óleo Diesel, que tinha de ser trazido de outras regiões ou mesmo importado, aumentando os custos de produção. Por isso, alguns produtores começaram a substituir os caminhões movidos a Diesel por modelos movidos a etanol, mas, como não possuíam o mesmo desempenho dos modelos convencionais e consumiam mais, acabaram sendo descartados. Estes mesmos produtores, então, buscaram formas de misturar de forma eficiente o etanol ao óleo Diesel, a fim de diminuir a dependência deste último.

A mistura de Diesel e etanol apresenta dificuldades, uma vez que estes fluídos não são compatíveis entre si e por isto não haverá combustão completa, ocorrendo também a separação das fases e redução da eficiência da queima. Para diminuir este problema, são colocados aditivos para aumentar a centagem da mistura (capacidade de combustão do Diesel, similar à octanagem da gasolina).

Modificações e estratégia de funcionamento

Iremos detalhar a seguir quais são modificações necessárias para que um motor que funciona originalmente com Diesel também utilize etanol.

Primeiramente, é preciso ter em mente que existem dois tipos de funcionamento com combustível alternativo: no primeiro, ocorre a queima do Diesel combinado com outro combustível, ao passo que, no segundo, o Diesel é inteiramente substituído por etanol.

Nos motores adaptados para utilização de etanol, os tempos do motor não são alterados, mas em vez de o motor aspirar somente ar no ciclo de compressão, o combustível alternativo também é injetado. Quando o motor está terminando o ciclo de compressão e o Diesel está sendo injetado, a quantidade de combustível necessária será reduzida, pois o Diesel será usado somente para inflamar a mistura ar/etanol.

A única modificação necessária, portanto, é a instalação de um sistema de injeção/aspiração paralelo de etanol. Esta modificação é indispensável, pois o etanol tem baixo poder lubrificante, que poderia danificar a bomba injetora caso este combustível utilizasse o mesmo circuito do óleo Diesel. Neste tipo de construção, o aditivo é colocado diretamente no tanque de etanol, normalmente na proporção de 95% etanol e 5% de aditivo.

O sistema de ignição, neste tipo de construção, não é necessário, já que o Diesel irá realizar a função de iniciar a combustão ao ser injetado sob pressão na câmara de combustão junto com a mistura de ar/etanol. A injeção de diesel também é responsável por manter a temperatura da câmara controlada, pois a ignição espontânea do etanol causa aumento de temperatura. Algumas montadoras, porém, optam por utilizar um sistema de ignição como forma de melhorar a queima quando houver pouco Diesel sendo injetado. A instalação de velas aquecedoras também é possível.

O principal problema deste tipo de modificação é a grande dificuldade de garantir alta eficiência com baixa emissão de poluentes. Por mais ideal que seja a mistura de Diesel/etanol, a queima ainda será feita de forma ineficiente. Apesar disso, a redução do material particulado, principal poluente dos motores Diesel, torna esta modificação interessante.

A estratégia de injeção/aspiração de combustível alternativo mais comum é injetar somente Diesel em rotações de marcha lenta e, conforme haja incremento na rotação e na carga do motor, a  sua quantidade de diesel é reduzida e a de combustível etanol é aumentada, podendo chegar a mais de 90% de etanol.

Um cuidado que deve ser tomado é quanto ao sistema de lubrificação, que deve ter o intervalo de troca de óleo reduzido, pois o etanol se condensa nas paredes do cilindro e escorre até o cárter, contaminando o lubrificante e alterando suas características.

Nas adaptações mais modernas, as perdas de eficiência são menores e algumas montadoras já começam a lançar modelos que rodam com os dois combustíveis, tanto em modelos pesados como modelos de aplicação agrícola. Entretanto, como o uso do etanol gera um alto consumo de combustível (um motor alimentado com etanol possui somente 40% da autonomia do mesmo motor quando alimentado com Diesel), esta opção se torna economicamente viável somente para os veículos que atuam nas usinas e plantações de cana-de-açúcar, pois estas conseguem utilizar o combustível que produzem, algo inviável para outras aplicações.

Empresas fabricantes de sistema de injeção e montadoras de veículos pesados e agrícolas possuem estudos nesta linha, com lançamentos comerciais previstos para este ano e ano que vem. A Iveco, por exemplo, apresentou neste ano seu modelo Trakker Bi-Fuel, um cavalo mecânico 6x4 com motor seis cilindros de 9 litros e 360 cv, capaz de operar com até 85% de etanol.

A AGCO, proprietária das marcas Massey Fergusson e Valtra, pretende lançar comercialmente motores flex, tanto para veículos agrícolas quanto para aplicações estacionárias, no primeiro semestre de 2012, enquanto a Case e a John Deere, outras duas fabricantes do setor de máquinas e implementos agrícolas, já possuem modelos em teste que utilizam esta tecnologia.

Nos modelos em que os motores ciclo Diesel são convertidos para utilizarem somente o etanol, as modificações são mais extensas. Além do sistema de injeção de etanol, um sistema de ignição também é instalado, normalmente utilizando os furos originais do bloco onde estavam os bicos injetores para a fixação das velas. O distribuidor, quando utilizado, é instalado na carcaça do motor, fixado no alojamento em que antes ficava a bomba injetora.

Além da instalação destes dois sistemas auxiliares, o cabeçote e o comando de válvulas também devem ser substituídos, pois a taxa de compressão dever ser reduzida para um valor próximo a 12:1 (ideal para uso de etanol). O uso de pistões de altura reduzida ou de virabrequim modificado também pode ser adotado para enquadrar a taxa.

Este tipo de modificação é a utilizada hoje em dia nos projetos de ônibus  que rodam com etanol, com alguns modelos sendo comercializados para empresas frotistas e viações de ônibus, tais como os que rodam na cidade de São Paulo.

Outro exemplo é o projeto desenvolvido em conjunto pela Iveco e pela FPT (Fiat Powertrain Technologies), empresas do grupo Fiat, com o objetivo de criar um motor movido 100% a etanol e que foi apresentado neste ano. O motor Iveco-FPT Cursor 8 E-100 é um seis cilindros em linha, 24V e 7,8 l, com potência de 330 cv e 130 kgfm de torque.

Originalmente um motor de ciclo diesel, posteriormente convertido para ciclo otto, o bloco recebeu modificações para que, mesmo com a substituição do combustível, o torque original fosse mantido, com a adoção de sistemas de injeção e ignição eletrônicos.

O controle de emissão de poluentes recebeu atenção especial dos engenheiros, com a adoção de um catalisador de três vias para reduzir principalmente a emissão de NOx e de material particulado.

Considerações finais

Já é de conhecimento de todos que os combustíveis fósseis devem ser substituídos por fontes renováveis, ou de menor impacto ambiental. O biodiesel, juntamente com o etanol e o GNV aparecem como candidatos favoritos, cada um com suas vantagens e desvantagens. Ainda não estamos totalmente livres do óleo Diesel, da gasolina e do querosene, mas, ao menos existe, a certeza que os novos combustíveis vão ocupar cada vez mais espaço na matriz energética dos veículos e sistema de geração de energia, não somente no Brasil, mas em todo o mundo.

Se o etanol irá se tornar o combustível predominante na linha pesada e agrícola assim como já é na linha leve, somente o tempo dirá. Cabe a nós estarmos preparados para esta tecnologia quanto chegar às oficinas.