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Erros comuns cometidos em diagnósticos de problemas nos componentes internos do motor


Alguns erros podem ter como causa a falta de preparo técnico. Outros, por excesso de confiança, falha no planejamento ou até a desatenção

Por: Paulo José de Sousa - pjsou@uol.com.br - 26 de outubro de 2016

Nesta matéria vamos abordar alguns dos problemas mais comuns que ocorrem no pistão da motocicleta e também suas prováveis causas.

Todo reparador profissional, além do “know-how” (saber fazer) deve ter em sua bagagem muita teoria, na visão do cliente a “dupla de ouro” conhecimento prático e teórico rendem ao mecânico a credencial de especialista, portanto o profissional deve ter a capacidade de aplicar a teoria no desenvolvimento de sua competência prática. 

O QUE ACONTECE DENTRO DO CILINDRO

Durante o funcionamento do motor, o cilindro é submetido a pressões elevadas e a temperatura crescente, derivadas da combustão e do atrito das peças móveis. Por exemplo, no deslocamento entre o ponto morto superior e o ponto morto inferior e assim sucessivamente, quando um motor de uma motocicleta 125 cc está a 10.000 rpm o pistão atinge a velocidade média próxima dos 65 km/h  em um cilindro com 54cm x 54cm de curso e diâmetro, resultado  superior a muitos automóveis de série. 

AJUSTE DO CONJUNTO CILINDRO E PISTÃO

O ajuste de cada peça deve ser preciso para garantir a tolerância, permitir liberdade ao movimento das peças e assegurar uma película de óleo, reduzindo assim o atrito e possibilitando a dissipação adequada da alta temperatura. 

Um exemplo clássico de ajuste pode ser o caso da YBR 125, quando o reparador recorre até o balcão de peças da concessionária para adquirir o conjunto cilindro e pistão originais ele nem sempre percebe que as peças foram combinadas previamente, ou seja, na seleção do cilindro e pistão no departamento de peças foi montado um conjunto que assegurou a folga padrão definida pelo fabricante, em outras palavras, as peças foram “casadas”, ao menos é o que se espera. 

A seleção adequada das peças assegura vida longa ao motor, menos ruído e queima de óleo, porém se no ajuste do par pistão-cilindro a folga estiver muito justa é possível que o motor sofra um pouco se o amaciamento não for bem feito, nesta condição o pistão e cilindro normalmente sofrem danos indicados por riscos ao longo do curso.

Pistão novo com riscos na saia – provável falha inicial de amaciamento do motor
Nas peças não originais, combinar um pistão com o cilindro requer medições e um pouco de sorte. 

Quando um motor é submetido ao processo de retífica o reparador recorre aos pistões de medidas maiores, o procedimento comum é encaminhar o novo pistão junto com cilindro usado até a oficina retificadora, a usinagem no cilindro é feita a partir do novo pistão, porém é necessário que o operador do equipamento siga com exatidão o padrão de folga determinado pelo fabricante, e após o trabalho é necessário que sejam conferidas todas as cotas, do contrário o motor poderá travar por folga ineficiente ou ficar batendo e queimando óleo pelo excesso de folga. Os instrumentos de metrologia nem sempre estão disponíveis nas oficinas, por isso, o mecânico terceiriza todo o processo de verificação, atuando na confiança e crendo que o trabalho está adequado.

ENTENDENDO A COMBUSTÃO NORMAL

De acordo com o manual técnico da Mahle, a queima normal e completa da mistura ar/combustível no interior do motor dura em torno de 1 a 4 milésimos de segundo, é claro que devemos considerar os seguintes pontos: condição do motor, componentes da ignição, sistema de alimentação e também o combustível. 

Ainda de acordo com o fabricante, durante a combustão controlada, a expansão de chama se propaga em círculos crescentes numa velocidade de até 80km/h, entretanto, nesse meio tempo a temperatura gerada pela queima da mistura está variando de 1100°C até 1600°C. Se considerarmos que o ponto de fusão da liga de alumínio do pistão ocorre por volta dos 660°C, vem a primeira dúvida: por que não derrete? A resposta é simples: a alta temperatura na câmara de combustão, cilindro e no topo do pistão é controlada pela mistura “fresca” proveniente do próximo ciclo de admissão do motor. Portanto, conclui-se que os mecanismos de controle de combustível, sejam eles: carburador ou injeção eletrônica, são os principais responsáveis pelo arrefecimento interno da região da queima da mistura ar/combustível no interior do motor.

Outra variável é a pressão interna do motor, no processo de conversão da energia química do combustível em energia mecânica ocorre expansão dos gases no(s) cilindro(s), porém à medida que a temperatura interna sobe há um aumento na pressão do motor.

Pistão com danos na lateral  – falha de lubrificação
ENTENDENDO A COMBUSTÃO ANORMAL

Varias nomenclaturas são utilizadas para definir a queima irregular ou a queima não controlada da mistura ar/combustível no motor, são elas: motor está “grilando” ou “batendo pino”, entre outras.

Na combustão anormal o princípio do arrefecimento da câmara  torna-se deficiente, o sistema não da conta de resfriar a cabeça do pistão, por isso ocorrem danos no topo do pistão,  canaletas dos anéis e anéis, vejamos:

pistão fundido com os anéis e pino - canaletas dos anéis danificadas
DETONAÇÃO E PRÉ-IGNIÇÃO

A detonação é uma combustão “paralela”, fruto da reação rápida da queima parcial da mistura ar/combustível, não requer diretamente  a ignição da vela, ela resulta da pressão excessiva e da alta temperatura na câmara de combustão que são procedentes da queima normal que ocorre simultaneamente. 

A detonação evolui para a pré-ignição, com o aumento da temperatura e pressões no motor podem surgir os “pontos quentes” ou incandescentes no interior da câmara de combustão, eles são capazes de incendiar a mistura antes da centelha na vela de ignição. No motor ocorrem efeitos devastadores, as vibrações e a pressão excessiva geram esforços que por consequência danificam pistão, anéis e cilindro, além disso  o excesso de temperatura derrete peças e afeta  a viscosidade do lubrificante, o  que por tabela ocasiona desgastes generalizados. 

Quanto à vibração interna do motor a Mahle em seu manual técnico defende que são ocasionadas pelo choque das frentes de chama vindas das queimas normal x anormal que nesta condição ocorrem quase que simultaneamente, há quem discorde.

A queima anormal afeta o desempenho do motor, ela rouba potência porque altera o ciclo de funcionamento, aumenta o atrito interno, exerce força contrária ao movimento do pistão, por isso, consome parte da energia que seria transformada em potência.

Na motocicleta monocilíndrica o condutor irá perceber facilmente a queda do rendimento ocasionada pelos fenômenos da detonação e/ou pré-ignição, aqui o ruído característico é mais audível, já nas multicilíndricas o problema pode ocorrer apenas em um cilindro, e o condutor só irá perceber se tiver um ouvido treinado ou quando o dano tiver acontecido, nos dois casos a quebra do motor acontece rapidamente.

CAUSAS COMUNS DA DETONAÇÃO E PRÉ-IGNIÇÃO

Concentração de depósitos de carvão no topo do pistão.

Pistão carbonizado – possível causa de pré-ignição
JUNTAS DE CABEÇOTE E BAIXA QUALIDADE

Junta do cabeçote  – indicação da “zona de fogo”,  local onde ocorrem os pontos incandescentes na câmara de combustão
• Vela de ignição com o grau térmico não especificado para o motor;

• Combustível inadequado;

• Alterações na configuração do ponto de ignição da motocicleta;

• Defeito nos módulos ECU/ECM;

• Alterações na taxa de compressão do motor.

Tabela de folga de ajuste e limite de uso
cilindro e pistão

 

Moto

Cilindrada

Fabricante

Ano

Folga padrão de ajuste - cilindro pistão (mm)

limite de uso (mm)

1

Lead

110

Honda

ND

0,010  a 0,040

0,09

2

Biz

125

Honda

2009/2010

0,015  a 0,045

0,1

3

Fan

125

Honda

2011

0,010  a 0,040

0,1

4

Mix

150

Honda

2011

0,005  a 0,030

0,09

5

CBX Twister

250

Honda

2009

0,030  a 0,060

0,23

6

XR  Tornado

250

Honda

2009

0,030  a 0,060

0,23

7

CB

300

Honda

ND

0,020  a 0,050

0,22

8

XR

300

Honda

ND

0,020  a 0,050

0,22

9

NX-4 Falcon

400

Honda

2007/2010

0,015  a 0,050

0,1

10

Hornet

600

Honda

2008/2010

0,015  a 0,050

0,1

11

Crypton

115

Yamaha

2010

0,021  a 0,035

0,15

12

Neo

115

Yamaha

2008

0,020  a 0,035

0,15

13

YBR/XTZ

125

Yamaha

2009

0,020  a 0,028

0,15

14

Fazer/ Lander

250

Yamaha

2009

0,010  a 0,025

0,15

15

XT

660

Yamaha

2009

0,030  a 0,055

0,13

16

AN Burgman

125

Suzuki

2005

0,030  a 0,040

0,12

17

Yes

125

Suzuki

2004

 0,022  a 0,040

0,12

18

Intruder

125

Suzuki

2004

 0,045  a 0,055

0,12

19

Smart

125

Dafra

2010

0,030  a 0,060

0,12

20

Apache

150

Dafra

2010

0,025  a 0,035

0,12

21

Ninja

250

Kawasaki

2010

0,043  a 0,070

ND

 

CAUSAS COMUNS DE DANOS NO CONJUNTO

• Radiador de óleo danificado;

• Bomba de óleo danificada;

• Circuito de lubrificação do motor entupido;

• Filtro de óleo contaminado;

• Especificação inadequada ou falta de líquido de arrefecimento no radiador;

• Pré-ignição e detonação;

Pistão com desgaste excessivo por abrasão – possível causa: ausência de filtro de ar
• Falhas no sistema de arrefecimento, radiador, bomba d’água e tubulações;

• Transporte de excesso de carga na motocicleta;

• Excesso de combustível na mistura;

• Peças de baixa qualidade;

Parte inferior do pistão com indicação de ser submetido a temperatura excessiva
• Falha na montagem dos anéis de óleo;

• Ausência do filtro de ar, o pó aspirado pelo motor provoca desgastes na lateral do pistão, cilindro e anéis; 

• Falha de ajuste de folga do conjunto cilindro e pistão;

Pistão e anéis com desgaste excessivo  – possível causa: alta quilometragem da motocicleta
• Lubrificante não especificado ou não substituído no intervalo correto ou quantidade de óleo abaixo do especificado.

Falha de vedação nos anéis; a queima da mistura já chegou nas laterais do pistão.