Nesta matéria vamos abordar alguns dos problemas mais comuns que ocorrem no pistão da motocicleta e também suas prováveis causas.
Todo reparador profissional, além do “know-how” (saber fazer) deve ter em sua bagagem muita teoria, na visão do cliente a “dupla de ouro” conhecimento prático e teórico rendem ao mecânico a credencial de especialista, portanto o profissional deve ter a capacidade de aplicar a teoria no desenvolvimento de sua competência prática.
O QUE ACONTECE DENTRO DO CILINDRO
Durante o funcionamento do motor, o cilindro é submetido a pressões elevadas e a temperatura crescente, derivadas da combustão e do atrito das peças móveis. Por exemplo, no deslocamento entre o ponto morto superior e o ponto morto inferior e assim sucessivamente, quando um motor de uma motocicleta 125 cc está a 10.000 rpm o pistão atinge a velocidade média próxima dos 65 km/h em um cilindro com 54cm x 54cm de curso e diâmetro, resultado superior a muitos automóveis de série.
AJUSTE DO CONJUNTO CILINDRO E PISTÃO
O ajuste de cada peça deve ser preciso para garantir a tolerância, permitir liberdade ao movimento das peças e assegurar uma película de óleo, reduzindo assim o atrito e possibilitando a dissipação adequada da alta temperatura.
Um exemplo clássico de ajuste pode ser o caso da YBR 125, quando o reparador recorre até o balcão de peças da concessionária para adquirir o conjunto cilindro e pistão originais ele nem sempre percebe que as peças foram combinadas previamente, ou seja, na seleção do cilindro e pistão no departamento de peças foi montado um conjunto que assegurou a folga padrão definida pelo fabricante, em outras palavras, as peças foram “casadas”, ao menos é o que se espera.
A seleção adequada das peças assegura vida longa ao motor, menos ruído e queima de óleo, porém se no ajuste do par pistão-cilindro a folga estiver muito justa é possível que o motor sofra um pouco se o amaciamento não for bem feito, nesta condição o pistão e cilindro normalmente sofrem danos indicados por riscos ao longo do curso.
Nas peças não originais, combinar um pistão com o cilindro requer medições e um pouco de sorte.
Quando um motor é submetido ao processo de retífica o reparador recorre aos pistões de medidas maiores, o procedimento comum é encaminhar o novo pistão junto com cilindro usado até a oficina retificadora, a usinagem no cilindro é feita a partir do novo pistão, porém é necessário que o operador do equipamento siga com exatidão o padrão de folga determinado pelo fabricante, e após o trabalho é necessário que sejam conferidas todas as cotas, do contrário o motor poderá travar por folga ineficiente ou ficar batendo e queimando óleo pelo excesso de folga. Os instrumentos de metrologia nem sempre estão disponíveis nas oficinas, por isso, o mecânico terceiriza todo o processo de verificação, atuando na confiança e crendo que o trabalho está adequado.
ENTENDENDO A COMBUSTÃO NORMAL
De acordo com o manual técnico da Mahle, a queima normal e completa da mistura ar/combustível no interior do motor dura em torno de 1 a 4 milésimos de segundo, é claro que devemos considerar os seguintes pontos: condição do motor, componentes da ignição, sistema de alimentação e também o combustível.
Ainda de acordo com o fabricante, durante a combustão controlada, a expansão de chama se propaga em círculos crescentes numa velocidade de até 80km/h, entretanto, nesse meio tempo a temperatura gerada pela queima da mistura está variando de 1100°C até 1600°C. Se considerarmos que o ponto de fusão da liga de alumínio do pistão ocorre por volta dos 660°C, vem a primeira dúvida: por que não derrete? A resposta é simples: a alta temperatura na câmara de combustão, cilindro e no topo do pistão é controlada pela mistura “fresca” proveniente do próximo ciclo de admissão do motor. Portanto, conclui-se que os mecanismos de controle de combustível, sejam eles: carburador ou injeção eletrônica, são os principais responsáveis pelo arrefecimento interno da região da queima da mistura ar/combustível no interior do motor.
Outra variável é a pressão interna do motor, no processo de conversão da energia química do combustível em energia mecânica ocorre expansão dos gases no(s) cilindro(s), porém à medida que a temperatura interna sobe há um aumento na pressão do motor.
ENTENDENDO A COMBUSTÃO ANORMAL
Varias nomenclaturas são utilizadas para definir a queima irregular ou a queima não controlada da mistura ar/combustível no motor, são elas: motor está “grilando” ou “batendo pino”, entre outras.
Na combustão anormal o princípio do arrefecimento da câmara torna-se deficiente, o sistema não da conta de resfriar a cabeça do pistão, por isso ocorrem danos no topo do pistão, canaletas dos anéis e anéis, vejamos:
DETONAÇÃO E PRÉ-IGNIÇÃO
A detonação é uma combustão “paralela”, fruto da reação rápida da queima parcial da mistura ar/combustível, não requer diretamente a ignição da vela, ela resulta da pressão excessiva e da alta temperatura na câmara de combustão que são procedentes da queima normal que ocorre simultaneamente.
A detonação evolui para a pré-ignição, com o aumento da temperatura e pressões no motor podem surgir os “pontos quentes” ou incandescentes no interior da câmara de combustão, eles são capazes de incendiar a mistura antes da centelha na vela de ignição. No motor ocorrem efeitos devastadores, as vibrações e a pressão excessiva geram esforços que por consequência danificam pistão, anéis e cilindro, além disso o excesso de temperatura derrete peças e afeta a viscosidade do lubrificante, o que por tabela ocasiona desgastes generalizados.
Quanto à vibração interna do motor a Mahle em seu manual técnico defende que são ocasionadas pelo choque das frentes de chama vindas das queimas normal x anormal que nesta condição ocorrem quase que simultaneamente, há quem discorde.
A queima anormal afeta o desempenho do motor, ela rouba potência porque altera o ciclo de funcionamento, aumenta o atrito interno, exerce força contrária ao movimento do pistão, por isso, consome parte da energia que seria transformada em potência.
Na motocicleta monocilíndrica o condutor irá perceber facilmente a queda do rendimento ocasionada pelos fenômenos da detonação e/ou pré-ignição, aqui o ruído característico é mais audível, já nas multicilíndricas o problema pode ocorrer apenas em um cilindro, e o condutor só irá perceber se tiver um ouvido treinado ou quando o dano tiver acontecido, nos dois casos a quebra do motor acontece rapidamente.
CAUSAS COMUNS DA DETONAÇÃO E PRÉ-IGNIÇÃO
Concentração de depósitos de carvão no topo do pistão.
JUNTAS DE CABEÇOTE E BAIXA QUALIDADE
• Vela de ignição com o grau térmico não especificado para o motor;
• Combustível inadequado;
• Alterações na configuração do ponto de ignição da motocicleta;
• Defeito nos módulos ECU/ECM;
• Alterações na taxa de compressão do motor.
Tabela de folga de ajuste e limite de uso |
||||||
|
Moto |
Cilindrada |
Fabricante |
Ano |
Folga padrão de ajuste - cilindro pistão (mm) |
limite de uso (mm) |
1 |
Lead |
110 |
Honda |
ND |
0,010 a 0,040 |
0,09 |
2 |
Biz |
125 |
Honda |
2009/2010 |
0,015 a 0,045 |
0,1 |
3 |
Fan |
125 |
Honda |
2011 |
0,010 a 0,040 |
0,1 |
4 |
Mix |
150 |
Honda |
2011 |
0,005 a 0,030 |
0,09 |
5 |
CBX Twister |
250 |
Honda |
2009 |
0,030 a 0,060 |
0,23 |
6 |
XR Tornado |
250 |
Honda |
2009 |
0,030 a 0,060 |
0,23 |
7 |
CB |
300 |
Honda |
ND |
0,020 a 0,050 |
0,22 |
8 |
XR |
300 |
Honda |
ND |
0,020 a 0,050 |
0,22 |
9 |
NX-4 Falcon |
400 |
Honda |
2007/2010 |
0,015 a 0,050 |
0,1 |
10 |
Hornet |
600 |
Honda |
2008/2010 |
0,015 a 0,050 |
0,1 |
11 |
Crypton |
115 |
Yamaha |
2010 |
0,021 a 0,035 |
0,15 |
12 |
Neo |
115 |
Yamaha |
2008 |
0,020 a 0,035 |
0,15 |
13 |
YBR/XTZ |
125 |
Yamaha |
2009 |
0,020 a 0,028 |
0,15 |
14 |
Fazer/ Lander |
250 |
Yamaha |
2009 |
0,010 a 0,025 |
0,15 |
15 |
XT |
660 |
Yamaha |
2009 |
0,030 a 0,055 |
0,13 |
16 |
AN Burgman |
125 |
Suzuki |
2005 |
0,030 a 0,040 |
0,12 |
17 |
Yes |
125 |
Suzuki |
2004 |
0,022 a 0,040 |
0,12 |
18 |
Intruder |
125 |
Suzuki |
2004 |
0,045 a 0,055 |
0,12 |
19 |
Smart |
125 |
Dafra |
2010 |
0,030 a 0,060 |
0,12 |
20 |
Apache |
150 |
Dafra |
2010 |
0,025 a 0,035 |
0,12 |
21 |
Ninja |
250 |
Kawasaki |
2010 |
0,043 a 0,070 |
ND |
CAUSAS COMUNS DE DANOS NO CONJUNTO
• Radiador de óleo danificado;
• Bomba de óleo danificada;
• Circuito de lubrificação do motor entupido;
• Filtro de óleo contaminado;
• Especificação inadequada ou falta de líquido de arrefecimento no radiador;
• Pré-ignição e detonação;
• Falhas no sistema de arrefecimento, radiador, bomba d’água e tubulações;
• Transporte de excesso de carga na motocicleta;
• Excesso de combustível na mistura;
• Peças de baixa qualidade;
• Falha na montagem dos anéis de óleo;
• Ausência do filtro de ar, o pó aspirado pelo motor provoca desgastes na lateral do pistão, cilindro e anéis;
• Falha de ajuste de folga do conjunto cilindro e pistão;
• Lubrificante não especificado ou não substituído no intervalo correto ou quantidade de óleo abaixo do especificado.
Falha de vedação nos anéis; a queima da mistura já chegou nas laterais do pistão.