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Sistemas de Transmissões Automatizados: Peculiaridades e Paradigmas Decifrados - Parte final


Na edição anterior falamos sobre os principais sistemas automatizados encontrados no mercado brasileiro, e nesta edição abordaremos um destes sistemas em detalhes

Por: Leandro Almendro Zamaro - lzamaro@outlook.com - 30 de dezembro de 2016

Peculiaridades que Justificam a Importância da Tecnologia

A transmissão automatizada buscou sua popularização através de um argumento irrefutável: mais conforto por um menor preço, se comparado com os automáticos tradicionais. Porém, tais justificativas perderam força com o passar dos anos, quando as diferenças de valores se mantinham de R$ 3.000,00 à R$ 4.000,00, não restavam alternativas às Montadoras a não ser conquistar a simpatia dos Clientes através dos diferenciais e benefícios dos seus novos Sistemas, ou seja, torná-los, realmente, eficazes.

A Transmissão Automatizada foi, em grande parte, baseada nos carros utilizados na Fórmula 01, com funcionamento Eletro-Hidráulico, combinando conforto ao Condutor, com uma evidente redução no consumo de combustível. 

O sistema em questão integra definitivamente a mecatrônica atuando junto a um sistema de transmissão, uma vez que realiza suas mudanças de marchas graças a um rotor bobinado no interior de um estator de polos magnéticos fixos. Contatos derivados do grafite, ou “escovas”, defasadas em 180°, conduzem a corrente elétrica por todo comutador constituído por lâminas condutoras. Tal sistema eletromecânico encontra-se em harmonia com uma unidade de controle eletrônico, e também hidráulico. Diferenciais que permitem a mudança de marchas, de forma sequencial ou automática, sem utilizar um sistema de embreagem. Pode-se dizer que tal sistema foi utilizado, primeiramente, em um Campeonato de Fórmula 01, equipando uma Ferrari 355 F1, no ano de 1997.

Fig.07 – Funcionamento de um câmbio automatizado
Tudo se baseia, geralmente, em atuadores hidráulicos, que através do acionamento da embreagem eletrônica, realizam o acionamento do conjunto motriz, seja de forma convencional, ou até mesmo em situações em que a Unidade de Controle julgar necessário, independente da intervenção humana. Tal Unidade de Gerenciamento, também intitulada de “Robotizada”, após devidamente fechada e selada, é montada na caixa de mudanças, e torna-se responsável por promover a interação entre sistemas eletrônicos, hidráulicos e mecânicos em um só conjunto eletromecânico.

Fig.09 - Transmissão Automatizada Dualogic 1. TCU - Centralina Câmbio / 2. Grupo de Atuadores / 3. ECU - Controle Motor / 4. DBW / 5. Painel com Indicador / 6-7. Botões de Troca de Marcha / 8. Botões Modo cidade/esportivo / 9. Joistyck de Troca de Marchas / 10. Sensor do pedal do Acelerador / 11. Duplo Sensor no Pedal do Freio / 12. Sensor de Porta / 13. Sensor de Veloc. Primário Câmbio
Quando montado ao conjunto principal da caixa, o conjunto eletrohidráulico faz, mecanicamente, o acoplamento do eixo relacionado à marcha. Tal conjunto trata-se da Unidade de Controle de Transmissão (TCU), e é o cérebro do sistema, responsável por gerenciar as transições de polias, controlando a embreagem, as marchas e o motor.

A otimização eletrônica implementada nesse sistema como um todo, garante menor consumo em relação a um veículo com transmissão manual, e como consequência, uma das maiores prioridades é obtida com total sucesso, ou seja, emissões de poluentes mais baixas, especialmente de CO2. Pode-se citar uma redução de 5% do consumo de combustível, além de reduções médias de emissões, em torno 5 g/km de CO2. Afirma-se que a última geração do projeto está sendo mais aceita pelos Clientes, já que melhorias consideráveis foram implementadas, e com isso houve um grande avanço no desempenho final do produto, seja em termos de velocidade, e também no conforto proporcionado na mudança de marchas. 

ABORDANDO UM ÚNICO SISTEMA COMO EXEMPLO - I-MOTION

O Sistema de transmissão automatizada ASG (Automated Sequential Gearbox) tem por finalidade proporcionar maior conforto ao condutor e também aperfeiçoar o funcionamento dos sensores e atuadores, através de uma lógica complexa e de alta velocidade. 

O pedal da embreagem foi eliminado e a tradicional alavanca do câmbio em “H” das transmissões mecânicas foi substituída por uma alavanca específica tipo “Joystick“, ou simplesmente, a alavanca seletora do veículo.

O câmbio automatizado I-Motion utiliza um processamento lógico e binário constituído de sensores e atuadores para executar trocas de marchas precisas através de um conjunto eletromecânico e hidráulico. O principal motivo de sua implementação baseou-se no conforto de dirigibilidade para os condutores, quando em situações se exige uma grande quantidade de troca de marchas, como em centros urbanos.

Outro fato resume-se ao conversor de torque responsável pela mudança de marchas. Tudo passa a ocorrer precisamente e sem a intervenção humana, com maior agilidade e suavidade. 

CONSIDERAÇÕES

A transmissão ASG é subdividida em três conjuntos principais que intervém em seu funcionamento, que são o conjunto mecânico, o mecanismo de seleção de marchas e o grupo eletro-hidráulico

CONJUNTO MECÂNICO

É importante dizer que a transmissão ASG é baseada na consagrada transmissão mecânica sincronizada de 5 velocidades 02T (MQ200), com sua embreagem monodisco a seco, mas que são controladas por um servomecanismo hidráulico. 

Fig.10 -  Mecanismo de Seleção de marcha
A carcaça recebeu modificações externas para permitir a fixação de novos componentes. Na transmissão ASG todos os anéis sincronizadores possuem revestimento de molibdênio, o que reduz o desgaste dos mesmos. O suporte do conjunto motopropulsor do lado da transmissão também foi alterado, devido ao maior peso do conjunto com o servomecanismo. 

GRUPO ELETRO-HIDRÁULICO

O grupo eletro-hidráulico de um sistema é a parte encarregada, em nível prático e operacional, da seleção e engate da marcha desejada. Antes de mais nada vale esclarecer o que é um sistema Eletro-Hidráulico. 

A tecnologia hidráulica tem sido amplamente empregada em decorrência de suas características diferenciadas e favoráveis, tais como: baixa relação peso/potência, respostas rápidas e precisas, inércia reduzida, adaptação automática de forças e/ou torques, seguro e eficaz contra sobrecargas, capacidade de operação com grandes potências, dentre outras. Um conjunto eletro-hidráulico para a pressurização do circuito, combina a Forma Eletromotriz de um rotor induzido e também a alta pressão gerada pelo fluido. Tudo isso ocorre devido a:

Fig. 11 – Conjunto Hidráulico
• Um mecanismo de seleção de marchas precisas para o comando do eixo seletor;

• Um cilindro para o comando da embreagem;

• Sensores e atuadores para o controle do sistema por meio de uma unidade de controle eletrônica.

O mecanismo de seleção de marcha é composto pelos seguintes componentes:

• G604 Sensor de identificação de marcha ;

• G616 Sensor 2 de identificação de marcha;

• N255 Válvula para atuador da embreagem (proporcional de vazão);

• N284 Válvula 1 para seleção de marcha (proporcional de pressão);

• N285 Válvula 2 para seleção de marcha (proporcional de pressão);

• N286 Válvula 3 para seleção de marcha (proporcional de vazão).

Bloco de válvulas com:

• 3 câmaras de pressão de óleo, sendo duas de engate e uma de seleção;

• 1 êmbolo hidráulico para a seleção de marcha;

• 1 êmbolo hidráulico para o engate de marcha;

• flange com eixo seletor e mola de retorno;

• válvula de retorno de óleo para o reservatório.

Fig. 12 – Mecanismo responsável pelo funcionamento do sistema
O conjunto hidráulico é responsável em pressurizar o sistema hidráulico, por meio de um motor elétrico de corrente contínua e uma bomba hidráulica, para a operação dos êmbolos de seleção/engate de marcha localizados no eixo seletor, e do cilindro da embreagem localizado na carcaça da transmissão.

MÉTODO DE FUNCIONAMENTO

Para a execução de uma troca de marcha, o óleo hidráulico armazenado no reservatório atravessa o filtro e chega até a bomba responsável por enviá-lo ao sistema. Conforme a necessidade, o motor elétrico V387 é excitado pela Unidade de Controle da Transmissão J217, fazendo com que a bomba pressurize o sistema. O óleo pressurizado passa por um segundo filtro, por uma válvula antirretorno e chega até o acumulador que é responsável em acumular pressão de óleo suficiente para que o sistema não dependa da pressurização da bomba a todo instante.  O sensor de pressão hidráulica G270 informa à Unidade de Controle J217 a pressão de trabalho do sistema. 

Daí o óleo é encaminhado para as válvulas proporcionais de pressão (N284 e N285) e de vazão (N255 e N286) que comandam seus respectivos êmbolos.  Após a execução da troca de marcha, o óleo retorna para o reservatório. Enfim, a válvula de segurança libera a sobrepressão do sistema diretamente para a linha de retorno para evitar dano em algum componente.

A alavanca da troca das marchas possui um mesmo padrão dos demais veículos com câmbio manual, mantendo a simplicidade na configuração convencional, contudo a troca das marchas quando na opção manual é simples, e a ativação e desativação do sistema se dão posicionando a alavanca para o lado indicado “opção manual” e pressionando a mesma para frente ou para trás, conforme indicado no console da alavanca de cada modelo. Vale citar que em muitos veículos, a troca de marchas pode ser realizada por “borboletas”, os chamados “Paddle Shift”, interruptores instalados na parte traseira dos volantes.

Nada impede que um sistema semiautomático opere com características de um câmbio automático convencional, deixando as trocas de marchas sob responsabilidade dos Processadores internos do Conjunto Robotizado. Mas tais funcionalidades não tornam esses sistemas “retrógrados” e “saudosistas”, muito pelo contrário. A quantidade de novas tendências implementadas pode ir além da nossa imaginação. Basta citarmos alguns exemplos de funcionalidades de tais sistemas, como a redução de marchas durante frenagens acentuadas, além da capacidade do sistema reconhecer e se autoadaptar às mais diversas maneiras de dirigibilidade, próprias de cada condutor. Trata-se de características do I-Motion, e qualquer outro sistema, que viabiliza uma adequação aos mais variados condutores.

De acordo com informações fornecidas pelas Montadoras Volkswagen e Ford, os seus respectivos sistemas, DSG e PowerShift não requerem manutenção até o final de sua vida útil, algo em torno de 200.000 km a 300.000 km, ao contrário dos sistemas manuais e convencionais que requerem substituição da embreagem após, aproximadamente 70.000 km rodados. 

Entretanto, percebe-se que durante os cálculos referentes à durabilidade dos sistemas, algumas variáveis foram subestimadas ou esquecidas, já que o sistema quando exposto indevidamente a condições de uso severo, terá sua vida útil reduzida drásticamente. Algums exemplos de uso indevido seriam as acelerações esporádicas e bruscas, além do “velho costume brasileiro” de manter o veículo parado em uma determinada subida sem o uso do freio, mas sim mantendo a aceleração e o nível de pressão no pedal da embreagem em equilíbrio, de forma que as forças de tração se anulem. Nesses casos os defeitos causados são catastróficos e baseiam-se no desgaste da embreagem e superaquecimento do seu fluido. Os principais indícios de não conformidade são marchas que patinam, não engatam e até mesmo travam.

No caso do sistema DSG, a Unidade Mecatrônica é a mais afetada, devido à variação de esforço excessivo, causada pelas várias retomadas bruscas e em curto tempo. 

A falta de um plano de revisão periódica, ou plano de manutenção programada, desconsidera várias características do “Sistema Robotizado”, sendo elas condições mecânicas do Rotor, “stress” causado aos componentes eletrônicos, e condições do fluído utilizado. Além disso, o mercado de peças de reposição ainda é carente, uma vez as peças comercializadas separadamente são encontradas, em sua grande maioria, somente em representantes autorizados, e com alto custo. Dessa forma, no caso de um defeito, além dos fatores citados anteriormente, faz-se necessário de ferramental adequado, equipamentos metrológicos confiáveis para lidar com tais sistemas, materiais técnicos e treinamentos. Finalmente, julgar uma durabilidade “perpétua” de tais sistemas é fácil, porém, a dificuldade está em mantê-la.

Gastar R$ 10 000 no conserto de um automatizado de dupla embreagem pode indicar os automáticos convencionais como uma escolha mais segura, especialmente em relação ao preço de reparo. Isso é verdade em caso de defeitos, apesar de tais reparos também não serem baratos. Para fazer uma previsão de custo de peças e mão de obra num câmbio automático, é preciso desmontá-lo totalmente, e os custos podem superar R$ 5.000,00. Ainda assim, é metade do conserto médio numa dupla embreagem. A razão do custo mais baixo do automático comum, com conversor de torque, está no fato de ele ser uma tecnologia mais antiga e conhecida pelas oficinas.

EMBREAGEM SIMPLES - UTILIZAÇÃO COM OS DIAS CONTADOS

Nesse quesito, sistemas automáticos convencionais, também possuem suas vantagens, como sua durabilidade incontestável e duradoura, independente de como se conduz o veículo. 

Porém, o auxílio eletrônico pode proporcionar condições de maior durabilidade à embreagem. Mas, assim mesmo existem alguns agravantes. Por exemplo, Sistemas Automatizados como Duallogic, Easytronic e I-Motion têm um conjunto de embreagem (disco, platô e atuador) mais susceptível às avarias que o dos câmbios comuns. 

Além do risco de os sistemas automatizados apresentarem durabilidade menor, eles também são mais complexos. A eletrônica embarcada agregada ao sistema trata-se de uma tecnologia diferenciada dos demais, uma vez que o principal atuador trata-se de um Rotor Bobinado de escovas de grafite, em um meio hidráulico. Na troca da embreagem, a manutenção na parte mecânica é semelhante ao sistema convencional, porém, o simples fato de desmontá-lo e montá-lo torna necessário sua reprogramação, readaptação ao sistema, além da reprogramação e adaptação das marchas. 

INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS - UM PREÇO A PAGAR

O trabalho de reparos torna-se mais demorado e tende a encarecer a mão de obra. Além do que, equipamentos de diagnósticos profissionais nacionais receberam “upgrades” desenvolvidos especialmente para tal sistema, ou seja, isso significa um acréscimo de custo no mesmo. Finalmente, tudo isso agregado ao serviço de readaptação cobrado pelos profissionais, além da troca do fluxo hidráulico do sistema, pode gerar um acréscimo de até 30% a mais em relação a um sistema comum.

Enfim, o futuro pertence mesmo às transmissões automatizadas de dupla embreagem, devido a uma série de vantagens, entre elas trabalharem em condições secas ou a banho de óleo, conforme o torque do motor, também pelo fato de tal sistema ser o que chamamos de “multi marchas”, possuindo 6, 7, 8  e até 9 marchas, por não possuir as limitações de transmissão de torque impostas pelo próprio conversor, principalmente em baixas rotações, além de possuir as vantagens da eficiente transmissão manual (em torno de 93%).

Desta forma, resta-nos apenas aguardar por uma evolução natural por parte das montadoras, onde as transmissões automáticas tradicionais (hidráulicas com conversores de torques), serão naturalmente substituídas, gradativamente, pelas automatizadas. Argumentos já existem, e são irrefutáveis, uma vez que podemos citar as regulamentações de emissão de poluentes, além da exigência natural dos consumidores por veículos mais eficientes e menos poluentes, além de outras inúmeras razões. 

Tenhamos certeza que em breve as tendências atuais se tornarão realidade, e as transmissões automatizadas se tornarão comuns nos veículos de maneira geral, ao invés de meros opcionais.

Até a próxima!