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Oficinas de reparação têm muito a colaborar com a reciclagem de peças. E o meio ambiente, a ganhar


Em países desenvolvidos até95% dos veículos são reciclados. No Brasil, onde só há pouco tempo a destinação inteligente das peças substituídas nas oficinas começou a ganhar importância, apenas 1,5% delas são recicladas

Por: Antônio Edson - 29 de janeiro de 2018

Foto 1Diariamente, como deveria acontecer em todas as oficinas de reparação do País, João Carlos Silva dos Santos, gerente da Mack Auto Service, localizada no bairro da Saúde, zona sul de São Paulo (SP), providenciao recolhimento das peças descartadas dos automóveis – a empresa tem um giro aproximado de 150 ordens de serviço/mês –, bem como de embalagens das novas peças, para recipientes distintos. Assim são criteriosamente separados componentes de metal, plástico, papeis e papelões, borrachas, vidros e madeiras. Numa caixa de concreto ao lado de uma escada, o gerente aponta o local onde ficam as sucatas de metal (foto 1), enquanto perto dali estão as embalagens das peças (foto 2).“Todos os meses vem o caminhão de uma empresa contratada a quem vendemos todo material. Nós ficamos com um documentoinformando que a sucatafoi encaminhada para a reciclagem e não contaminou o meio ambiente”,assegura João. Esse documento, o Certificado de Responsabilidade Ambiental,é arquivado para ser apresentado em eventuais fiscalizaçõese é a garantia da oficina de que ela dando uma destinação correta aos seus resíduos.Foto 2

O procedimento do gerenteé exemplar e segue a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), lei 12.305/10 que orienta como o País deve gerenciare descartar seus resíduos. No setor automotivo ela é particularmente importante, poispraticamente todas as peças de um veículo podem e devem ser recicladas, desde o motor e a carcaça que representammais de 70% dele.Por outro lado, itens como plásticos, vidros, óleos, pneus e metais, que correspondem a cerca de 10%,também podem ser reprocessados para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e os recursos naturais consumidos na fabricação de produtos novos. Incluindo outros itens apenas 5% do carro, dependendo de seu estado, não sãoreaproveitados.Países como Canadá e Estados Unidosjá sabem disso e neles95% dos automóveis são reciclados. Mas o Brasil ainda está aprendendo...

Linha de desmontagem

Aqui o índice não passa de 1,5%, emborao potencial seja imenso. Com uma frota de quase 43 milhões de veículos, uma maior reciclagem teria grande impacto positivo sobre a economia e o meio ambiente. O preço de cada quilo de plástico de para-choque reciclado, por exemplo, custa R$ 1,5 enquanto o plástico novo não sai por menos de R$ 6,5 o quilo. Uma tonelada de aço reciclado poupa 1.140 quilos de minério de ferro, 154 quilos de carvão e 18 quilos de cal. Já reciclar uma tonelada de alumínio poupa cinco toneladas de bauxita, recurso natural não-renovável, e utiliza apenas 7% da energia elétrica usada na produção do metal novo. Logo, para as oficinas de reparação automotiva e de funilaria descartar corretamente seus resíduos – líquidos e sólidos – é uma forma valiosa de contribuir para a preservação do meio ambiente e, mesmo que essa não seja a atividade fim da empresa, uma fonte de arrecadação. “O valor que recebemos, na verdade,é quase simbólico. O que compensa mesmo é estarmos dentro da lei”, salientao gerente João Carlos.

Já para as poucasinstituições comerciais existentes no mercado e especializadas na compra, coleta, separação e destinação de resíduos de oficinas de reparação automotiva ou de funilaria esse é um negócio pra lá de interessante. No bairro do Limão, em São Paulo (SP), por exemplo, uma empresa criada em 2009 com o apoio técnico do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e hoje considerada a pioneira nesse segmento, a Ecopalace, dá provas que a sucatas recolhidas junto às oficinas podem aquecer a economia, gerarriqueza e empregos e, de quebra, ajudar a preservar o meio ambiente.Ali, os empreendedores Estácio Antônio dos Santos, Gustavo Valente Pires e Paulo Almeida dos Santos, vindos dos ramos securitários e de oficinas de reparação, acreditam que as possibilidades de ganho são excelentes.

Pesos e medidas

Uma frota de seis caminhões descarregana empresa mensalmente entre250 a 300 toneladas de sucatas recolhidas junto a 250 oficinas de reparação automotiva e de funilaria localizadas dentro de um raio superior a 100 quilômetros do bairro do Limão, o que inclui algumas cidades do litoral paulista como Santos, e do interior como Campinas e São José dos Campos. Em seu setor de triagem, as peças começam a ser separadas manualmente e estocadas em monturosou baias (fotos 3, 4, 5 e 6) por uma parte dos 22 colaboradores da empresa. Inicialmente faz-se a seleção entre os resíduos diretos, todas aquelas peças substituídas dos veículos produzidas em aço, plástico, vidro, borrachas e resíduos têxteis; e os resíduos indiretos, embalagens de plástico, papelão, papel e madeira. A seguir é feita a desmontagem de algumas peças mistas que exigem um trabalho mais aprimorado, caso dos radiadores e condensadores por exemplo, pois seus componentes de plástico, alumínio e ferro precisarão seguir caminhos diferentes. “Tudo tem uma utilidade, serventia e destinação inteligente. Esse é o princípio do nosso negócio”, justifica Gustavo Pires.

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“Nossa sucata de maior volume é o aço que corresponde a 70% do recolhido, seguido do plástico, 15%, alumínio e outros resíduos”, explica Paulo dos Santos, economista e técnico em mecânica industrial. E não por acaso é mesmo o aço, ao lado do ferro, alumínio e cobre, o produto mais rentável na indústria do reaproveitamento. Uma tonelada de aço pode ser comercializada por uma média de R$ 300, mas é o alumínio extraído dos radiadores e dos blocos de alguns motores o produto mais lucrativo, podendo chegar até a R$ 3 mil a tonelada. “O escopo do nosso trabalho é dar início à reciclagem de peças, comprá-las, separá-las e vendê-las por quilo. Mas isso não quer dizer que todo material tem o mesmo valor de mercado junto aos compradores de cada setor”, salienta Estácio dos Santos, no ramo da reciclagem há 20 anos. “Vidro, madeira, borracha e resíduos têxteis, por exemplo, geram um resultado menor do que o metal. Ser reciclável não significa necessariamente ser rentável, mas sim que ele pode de alguma forma ser reaproveitado”, define.Uma vez que o material foi separado ele é pesado, catalogado e vendido para metalúrgicas e siderúrgicas onde as peças são fundidas e, resumidamente, voltam para a cadeia produtivaem forma de matéria prima.

Fim de ciclo

Junto das oficinas de reparação automotivae de funilaria, as montadoras igualmente são fornecedoras da empresa, no caso com peças que sobraram ou não foram aproveitadas durante a montagem dos veículos novos. Além dessas ascompanhias seguradoras também fornecem automóveis sinistrados que tiveram perda total (fotos 7 e 8). O processo de desmonte desses carros envolve vários procedimentos de segurança como a sua total descontaminação com a remoção de seus fluídos – óleos, líquidos de arrefecimento, fluidos do freio, gasolina, álcool, diesel e inclusive a bateria que contém ácido – que envolvem algum risco para o meio-ambiente.Depois o veículo é finalmente desmontado e suas peças são separadas de acordo com suas propriedades físicas. “O processo todo leva cerca de duas horas”, avalia Paulo dos Santos.

Foto 7

Foto 8

Uma outra fonte possível de recursos da empresa, os carros abandonados que entulham e poluem as ruas e estacionamentos do País (foto 9) – estima-se que cada carro abandonado que é reciclado equivale a menos 3,7 quilos de dióxido de carbono (CO2) despejados na atmosfera –ainda não pode ser tão explorada como deveria, apesar do grande potencial. Isso devido à falta de uma política pública que permita isso, já que em muitos casos é preciso uma manifestação do proprietário autorizando a reciclagem. “Vemos milhares de carros abandonados à espera de seus donos nos pátios dos Detrans contaminando o solo e o meio ambiente. No Brasil a impressão é que os carros têm alma e não podem ser reciclados”, adverte Estácio dos Santos. Problema comum nas sociedades de consumo, isso parece já ter sido resolvido em outros países. Na União Europeia, por exemplo, uma lei obriga as próprias montadoras serem responsáveis pelo recolhimento do carro em fim de vida, arcando com os custos da reciclagem.

Foto 9

A serviço das oficinas

Paulo Almeida dos Santose Estácio Antônio dos Santos (foto 10), da Ecopalace, não têm dúvida de que recolher e beneficiar a sucata das oficinas é um bom negócio, uma forma de preservar o meio ambiente e um serviço indispensável aos reparadores.

Foto 10

JOB: Vocês retiram as sucatas de todo o tipo das oficinas de reparação. Isso não obriga a empresa a ter uma série de cuidados já que cada produto requer um tratamento?

Paulo: Retiramos os resíduos provenientes do trabalho das oficinas, deixando de fora os resíduos orgânicos e

os demais entulhos. Isso porque, para isso, precisaríamos ter ainda mais licenças ambientais. Por trabalhar com resíduos de metal, plástico, borracha, vidro etc somos obrigados a ter uma infinidade de licenças para operar dentro da lei. Apenas algumas delas são a da Cetesb, corpo de bombeiro, Detran e Ibama. Junto ao Sebrae fizemos um levantamento de tudo que era necessário para uma empresa como a nossaproceder para dar uma destinação ambientalmente correta aos resíduos, levantar quais eram as licenças necessárias para trabalhar dentro da lei. E uma vez solicitadas e concedidas essas licenças surgiu a Ecopalace.

JOB: Não seria mais fácil trabalhar com apenas um tipo de material, como o metal por exemplo?

Estácio: É o que algumas empresas faziam antes da Ecopalace. Uma recolhia só o aço, outra só o plástico, outra só o vidro. Acontece que isso não atendia plenamente a necessidade das oficinas. Para elas não adianta muito ter uma empresa que recolhe apenas um tipo de material. É mais prático de administrar uma empresa que recolhe tudo e de uma vez só e, o que é mais importante, se responsabiliza pela destinação inteligente e correta desse material. Estamos resolvendo o problema dos resíduos das oficinas na integralidade!