Notícias
Vídeos

O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil?


Mais importante congresso de aftermarket automotivo dos EUA aconteceu em Chicago e apontou as principais tendências, oportunidades e ameaças para o setor de reparação. Numa breve análise dos temas abordados identificamos muitas similaridades com a realidade brasileira e pontuamos alguns aspectos onde o que acontece lá, pode se repetir aqui

Por: Cassio Hervé - 13 de junho de 2014

O GAAS 2014 – Global Automotive Aftermarket Symposium - é promovido pelas principais entidades do segmento de reposição da América do Norte entre elas, a Car Care Association (ex-AAIA) MEMA, SEMA, ASA, AASA, AWDA Northwood University, o que nos dá uma noção da representatividade deste evento, pois é prestigiado de forma unânime pelas entidades e associações de fabricantes, oficinas, distribuidores, etc.  que atuam no mercado de reposição de autopeças.

A primeira novidade, em relação ao encontro de 2013, foi a suspensão, por parte dos organizadores,  do “e-Forum”, que no ano passado aconteceu junto com o GAAS com pauta específica para  área “online” e a justificativa dos organizadores foi a perda de relevância deste tema no presente cenário do aftermarket. Aliás, como veremos a seguir a percepção e atenção dos  executivos que “pensam” o futuro do aftermarket  automotivo nos Estados Unidos estão muito mais focadas no tema  “conectividade” e telemetria dos veículos, do que nos impactos da internet  na forma de fazer negócios na reposição. Tanto que isso é verdade que a palavra que assinou o encontro deste ano foi “Connected”.

Percebemos que o pivô desta  redução da importância do impacto da internet é imposto por uma situação que representa a mudança na forma de geração da demanda de autopeças no mercado de reposição dos EUA. Esta mudança tem raízes  técnicas e “culturais” e diz respeito a uma drástica redução do hábito de manutenção pelo próprio dono do carro, o chamado “DIY” (Do It Yourself ou o “faça você mesmo” numa tradução livre).

As pesquisas apresentadas no evento mostram que cada vez mais o hábito dos motoristas, em função da complexidade  técnicas dos veículos  e comportamento da nova geração de donos de carros,  é de mandar o carro para a oficina o que caracteriza um significativo crescimento do chamado “DIFM” (Do It For Me, ou “faça para mim”).

Foto 01

Esta mudança no comportamento do dono do carro, que é uma ótima notícia para as oficinas (concessionários e independentes),  também aproxima mais a realidade do mercado dos EUA do brasileiro. Aqui esta dinâmica de geração de demanda de peças, onde o reparador define a marca e compra a peça, sempre predominou e praticamente não temos o hábito do DIY (faça você mesmo) entre os motoristas brasileiros.

Neste novo cenário, fica mais fácil de entender por que a internet perde força no hábito de geração direta da demanda, pois acessar a rede para comprar peças é um hábito muito mais do dono do carro do que do proprietário da oficina, conforme pesquisas identificaram junto aos reparadores dos Estados Unidos.

Diretamente ligada a esta realidade a compra de peças na internet (uma coisa típica” DIY´s”) perde força e espaço, pois é sabido que o reparador prefere confiar nos seus fornecedores tradicionais na hora de ter acesso às peças.   

Assim a expectativa é que as compras de peças pela internet não devem crescer no mercado dos EUA tampouco representarem uma ameaça “disruptiva” junto à cadeia, já o “estrago” que a internet e o diminuto comércio eletrônico fazem no mercado tem outro efeito sobre as oficinas. Hoje  o dono do carro, com toda a facilidade (muitos ex-DIY´s) tem o hábito de consultar preços de peças na internet, e lá nos Estados Unidos, como aqui, o reparador costuma ganhar um percentual sobre a peça instalada, e esta situação se torna mais  improvável com o dono do carro sentado na sala de espera da oficina com seu “smartphone”, consultando preços e pressionando o reparador na hora da conta.

Neste cenário fica claro o desvio do foco do congresso de 2014, com o “sumiço” do  “e-Forum”  e nenhum espaço na pauta do GAAS 2014 para o tema “internet” já a conectividade ou telemetria foi eleito pelos líderes do mercado de reposição nos EUA como o grande desafio (com potencial disruptivo)  e que pode virar de cabeça para baixo a tradicional indústria de reparação.

Foto 02

Conectividade: ameaças e oportunidades

Ainda que o tema “telemetria” não seja novo no segmento de pesados, muito pelo contrário, desde o início do ano 2000 mesmo aqui no Brasil o monitoramento remoto dos caminhões já é uma realidade. Estes sistemas, que iniciaram de forma mais elementar para avaliar a forma de direção dos motoristas, hoje já envolvem o monitoramento de vários sistema dopowertrain.

A grande novidade é a aplicação da telemetria e conectividade (com integrações muito mais avançadas, é claro) em veículos leves e este foi o assunto central do simpósio tanto que “batizou” o evento  “GAAS – 2014 – Connectivity”  e como dissemos o assunto não é totalmente novo e já no evento do ano passado (quem leu a edição de junho de 2013 do Oficina Brasil vai poder conferir) que contou com uma brilhante apresentação sobre o tema  da nossa conterrânea Lucia Veiga Moretti, então Presidente Mundial  de Delphi Aftermarket.

Foto 03

O que mudou de lá para cá foi principalmente no terreno das montadoras, que já estão utilizando a todo o vapor esta nova  ferramenta como um instrumento de fidelização de seus clientes à área de serviços das concessionárias.

“Precisamos deixar claro que a telemetria é uma ação das montadoras que organizaram uma festa onde o aftermarket independente não foi convidado” definiu Jim Dyskstra, presidente da Aftermarket Telematics Technologies no início do painel que apresentou “Telematics and Connected Car – How the Aftermarket Respond?”  juntamente com outras “autoridades” no assunto.

Segundo Jim Dykstra esta “festa” já está funcionando junto às montadoras e seus distribuidores e que operam no mercado dos Estados Unidos como Mercedes (com o sistema “mbrace”), BMW (“ConnecedDrive”), Toyota (“safetyconnect), Hyundai (BlueLink), FORD (SYNC) entre outros.

Ainda de acordo com  o palestrante, as montadoras possuem uma poderosa ferramenta de fidelização dos serviços de pós-venda junto aos seus clientes, pois o carro fica conectado à montadora e sua rede de concessionárias e assim “conversa” com o motorista, sobre vários assuntos, inclusive manutenção.

Como o sistema manda, em tempo real, os dados da central de comando do veículo, qualquer desarranjo identificado pelo sistema é informado ao computador central de montadora, que fica sabendo em primeira mão de uma pane efetiva ou potencial que o veículo está apresentando. Com esta informação, somada ao sistema de navegação do carro, oferece um direcionamento para o dono do carro indicando a necessidade  (urgente ou não) de serviço e o endereço da concessionária mais próxima.

Foto 04

A apresentação do presidente da Aftermarket Telematics Technologies foi acompanhada por outros “peso pesados” do assunto, como:

- Charlie Gorman, executivo do “Equipment and Tool Institute”, Malcoln Sissmore Vice Presidente da “Tools, Training, Telematics” e Mike Buzzard Vice presidente da “Uni-Select USA” que brindaram a plateia do evento com um completo painel sobre o tema, o que deu aos presentes uma percepção da abrangência e complexidade do tema, além dos inegáveis impactos que esta tecnologia pode provocar no mercado de reparação. 

O tema “telematics” e conectividade automotiva esteve presente ainda nas brilhantes apresentações de outros palestrantes como:

“Private Equity” conduzido por Jim Cartes Presidente da Ernst&Young;

“What´s Driving Change Now? Top Trends and the Aftermarket”, proferida por Bill Long, presidente da AASA;

“Wall Street´s View of the Indutry”, por Bret Jordan, da BB&T Capital Markets;

“Details – Things That Matter to the Aftermarket”.

Como esta lista de apresentações com referências ao tema telemetria e conectividade dá para se ter uma noção de como o assunto monopolizou o congresso deste ano. A conclusão final é que o assunto represente sim uma grande ameaça para o aftermarket independente, um processo que pode alcançar proporções “disruptivas”, mudando o eixo da forma de gerar serviços e demanda de peças em favor das montadoras, porém a oportunidade (para o aftermarket independente) é igualmente gigantesca se determinadas situações forem atendidas e neste sentido o congresso mostrou que a comunidade do mercado de reposição e seus principais agentes estão unidos e olhando na mesma direção, com o claro intuito de aproveitar todas as oportunidades decorrentes desta incrível mudança.

Para entender toda abrangência do assunto telemetria e conectividade dos automóveis é preciso se abastecer de muita informação, pois o tema além das implicações técnicas envolve até a posse de informação gerada pelo veículo, se é um patrimônio do dono do carro ou do fabricante. Assim, este assunto se funde com o conceito de  “Big Data” e todos os aspectos envolvendo a conectividade do veículo com o smartphone e tablet, do dono do carro,  num arranjo imenso de utilidades e “aplicativos”  que efetivamente vão colocar o tema manutenção automotiva em um outro patamar e que vai representar um movimento disruptivo como a internet foi para muitos setores.

O congresso deixou claro que o aftermarket dos Estados Unidos não será mais o mesmo depois da possibilidade de conexão dos veículos com múltiplas plataformas via telemetria.

Foto 05

Também ficou claro que este é um jogo para ser jogado por gigantes. Esta percepção foi deixada clara na palestra de encerramento proferida pelo destacado estudioso do aftermarket Derek Kaufman, que entre muitos fatos impactantes,  citou que o Google comprou, por 3,2 bilhões de dólares a empresa “Nest” fabricante de sensores,  termostatos e detectores de fumaça, pois a evolução da telemetria passa pela capacidade de diagnóstico que os sensores (cada vez mais presentes em diferentes sistemas dos carros) são capazes de transmitir.

Foto 06

E no Brasil?

Não temos uma bola de cristal para prever o futuro da telemetria no nosso mercado, mas como a condição básica para um veículo se conectar via telemetria, pelo menos na parte de informação/diagnóstico da parte de powertrain, é que esteja equipado com o sistema “OBD II”. No mercado nacional, desde o ano 2010 este sistema, por força de lei, se tornou equipamento obrigatório nos carros produzidos no Brasil. Assim, levando em conta a produção de veículos leves e comerciais leves a gasolina ou flex (fonte ANFAVEA) existe em nosso país uma “população” de 14 milhões de carros com possibilidade de serem integrados a um sistema “independente” de telemetria.

Desta forma, estimamos que mais 25% da frota circulante no Brasil está apta a se integrar numa plataforma qualquer de transmissão destes dados e assim a telemetria estará funcionando.

Por outro lado  não temos informações oficiais da ação das montadoras brasileiras neste sentido, mas entendemos que dá para afirmar que a telemetria vai desembarcar no Brasil em futuro próximo e com toda a mesma força e potencial de impor mudanças como está se observando no mercado dos EUA.

Foto 07

Assim, podemos dizer que o que a telemetria está trazendo de bom e de ruim para o aftermarket dos Estados Unidos, certamente será reproduzido em solo brasileiro.

LEGENDAS

Foto 1 - Todos os anos no mês de maio o “Ball Room” do Hyatt Regency O´Hare (Chicago) reúne mais de 400 participantes entre e elite do aftermarket independente dos Estados Unidos. O mercado de reposição norte-americano guarda muitas similaridades com o brasileiro

Foto 2 - Jim Dykstra é presidente da Aftermarket Telematics Technologies (ATT). Já foi dono de oficina e hoje é uma referência neste assunto (telemetria) que representa o grande desafio ao futuro do aftermarket independente nos Estados Unidos. Em sua palestra mostrou profundo conhecimento do tema somada à  visão prática e objetiva  de um reparador

Foto 3 - Dennis Welvaert é ex-presidente e da Dayco (North America) e atualmente é o chairman do GAAS. “Denny” possui mais de 40 anos de experiência do segmento de aftermarket

Foto 4 - William A. Strauss é economista diretor do Federal Reserve Bank of Chicago desde 1982. Sua palestra já é tradicional no GAAS e este ano teve o tom mais otimista dos últimos anos. Segundo os dados apresentados por Stauss a economia americana está em franca ascensão

Foto 5 - “A Amazon não tem condições logísticas de atender as necessidades das oficinas mecânicas no fornecimento de autopeças”. Com esta afirmação Brat Jordan diretor da área de Equity Research da BB&T Capital Markets em NY, respondeu pergunta da plateia sobre o futuro do comércio eletrônico de autopeças nos EUA. Mr. Jordan anualmente traz ao GAAS a visão de Wall Street sobre o aftermarket automotivo dos EUA

Foto 6 - Cassio Hervé, diretor do Grupo Oficina Brasil, que participa do GAAS desde o ano 2000, juntamente com o presidente do evento Dennis Welvaert

Foto 7 - Derek Kaufman é  engenheiro iniciou sua carreira em 1975 na Chevrolet.  Hoje é uma dos mais respeitados consultores do aftermarket norte-americano. Em sua brilhante apresentação mostrou sua visão sobre o futuro da reposição nos EUA

 

Um pouco de economia e Wall Street

Todos os anos o Diretor do Federal Reserve  Bank de Chicago, faz uma completa apresentação sobre as condições econômicas nos Estados Unidos e no mundo. Desta vez não foi diferente e Willian A. Straus começou sua palestra com o típico bom humor americano dizendo:

“... a boa notícia é que a economia dos Estados Unidos é a que está mais forte e a má notícia é que a economia dos Estados Unidos (é a única que)  está mais forte ....” ou seja, o cenário externo, com raríssimas exceções está em compasso de espera, o que numa economia globalizada não ajuda na perspectiva para os americanos. Até mesmo a economia chinesa (que deve ultrapassar em breve  a norte-americana como a maior do mundo) continua crescendo, mas num ritmo mais lento (o que é ruim para o mundo) e Straus antevê alguns gargalos que jogam certas incertezas sobre  China.

Amparado em inúmeros dados Straus comprovou a marcha ascendente da economia americana quando colocou os holofotes na indústria automotiva as perspectivas são muito boas e  o ânimo é elevado por lá.

Já pelo ponto de vista de mercado outra palestra tradicional do evento traz a visão de Wall Street e ficou a cargo do especialista Bret Jordan, que só trouxe boas notícias para os presentes.

Especializado no aftermarket, Jordan apresentou dados sobre o comportamento das ações das empresas que operam no segmento e comprovou o desempenho excelente e acima da média da bolsa destas empresas, o que ratifica a visão de que por lá o mercado de reposição é um bom negócio e com excelentes perspectivas para os próximos anos.

No final de sua apresentação arguido pela plateia sobre a ameaça das empresas de comércio eletrônico como Amazon ,  - que no ano passado fizeram parte do cenário traçado pelo próprio Jordan - este foi enfático: “não há qualquer perspectiva para este tipo de negócio crescer de forma significativa em nosso segmento ”.  A razão, segundo Jordan,  para que a Amazon não prospere no segmento profissional de autopeças está na agilidade logística, que mesmo “no padrão Amazon” não atende as necessidades das oficinas mecâncias.

Assim tanto sobre o aspecto da economia como na visão mais pragmática de Wall Street o congresso de 2014 foi o de perspectivas mais otimistas dos últimos anos.