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Preservar o meio ambiente pode ser mais do que um bom negócio para as oficinas de reparação


No bairro do Tatuapé, em São Paulo (SP), uma “oficina verde” montada por um engenheiro mecânico e uma nutricionista dá lição de sustentabilidade, cativa clientes e economiza até 70% em seus gastos com energia

Por: Antônio Edson - 05 de outubro de 2017

 

Foto 1Sustentabilidade não é só palavra da moda, mas um conceito que procura garantir a sobrevivência do planeta induzindo o ser humano a suprir suas necessidades atuais sem impedir as futuras gerações de fazerem o mesmo. No mundo corporativo o termo é particularmente visado: tornou-se referência que dá visibilidade às empresas. O que explica porque muitas querem ficar bem na fita e mostrar ações nesse sentido, seja incentivando a reciclagem ou poupando recursos naturais. Exibir tal preocupação é um forte apelo comercial mas, às vezes, hipócrita, pois não adianta proteger o boto-cor-de-rosa e, pelas costas, explorar o trabalho infantil. Sustentabilidade se baseia em um tripé econômico, social e ambiental e se torna mais visível à medida que o olhar sai da grande mídia e se achega aos empreendedores que giram a microeconomia nossa de cada dia. Porque é mais fácil ver o lixo que o vizinho joga na rua do que o cedro abatido a motosserra no meio da Amazônia.

Sim, a sustentabilidade pode e deve ser praticada por micros e pequenas empresas. Incluindo oficinas mecânicas que lidam com um sem número de produtos como óleos, fluidos, filtros, metais e plásticos que não devem ser descartados de qualquer jeito. No bairro do Tatuapé, em São Paulo (SP), o Centro Automotivo Torigoe, com uma fachada verde e decorada com um jardim vertical de garrafas pet (foto1), é um exemplo. Criado há 18 anos pelo engenheiro mecânico Sérgio Torigoe (foto 2) e sua esposa Vanessa Martins (foto 3), nutricionista, administradora e coach, o centro atende de carros de passeio nacionais e importados a caminhões, betoneiras e empilhadeiras, e seus oito colaboradores respondem por uma demanda média mensal de 350 veículos. Se até aí muitas oficinas fazem o mesmo, poucas fazem do jeito que a Torigoe faz...

Foto 2

Foto 3

POUPANDO RECURSOS

A oficina já nasceu sob o signo da sustentabilidade. “Começamos do zero e o Sérgio deu a oportunidade para eu idealizar. Confiou em mim, acreditou que a sustentabilidade é um diferencial em nosso negócio”, lembra Vanessa. Tudo ali segue esse conceito. O mobiliário foi desenhado por um ecodesigner, o artista plástico Daniel Beato que utilizou pneus e peças automotivas recicladas para criar poltronas (foto 4), mesas (foto 5), lavatório (foto 6), espelho, banquetas, lixeiras e floreiras (foto 7). O uniforme dos colaboradores é de fio de garrafas pet e os cintos confeccionados com o material de correia dentadas.
A sustentabilidade da oficina, obviamente, transcende essa dimensão artística e se aprofunda na economia de recursos naturais, onde mais interessa. O sistema de aguaponia – criação de peixes associada ao cultivo de hortaliças – garante o fornecimento de adubo para uma horta e o estoque de peças é feito com caixas de sapato. A luz ambiente é 100% natural, com um telhado de telhas transparentes (foto 8) que dispensa o uso de lâmpadas durante praticamente todo o período de trabalho, gerando uma economia de 70% de energia elétrica. Por essas mesmas telhas, a água da chuva é captada e recolhida em uma cisterna com capacidade para armazenar 31 mil litros. Ali a água é tratada para abastecer os banheiros e lavar os veículos dos clientes, que são entregues limpos.

 

CONSCIÊNCIA E LEGADO

 

Tudo que é retirado dos carros é reaproveitado da melhor forma. No subsolo da oficina há um sistema de armazenamento impermeabilizado para descarte do óleo lubrificante usado. “Temos o documento que certifica a movimentação desse resíduo emitido pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), que aprova seu transporte a locais de reprocessamento apenas por empresas credenciadas”, avisa Vanessa. Já o sistema de decantação da oficina – uma caixa separadora de água e óleo – é homologada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Mas a máxima do químico francês Lavoisier – “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” – fica mais evidente no tanque de biorremediação (foto 9), no qual as peças dos veículos são lavadas e os resíduos são consumidos por microrganismos que se alimentam de óleo e graxa e se transformam em CO2. “Dessa forma não temos o descarte de nenhum produto nocivo ao meio ambiente”, explica Vanessa.

Foto 9

Se alguém pensa que a implantação desses processos, que exigiram R$ 40 mil em investimento, não resulta em ganho para a empresa deve rever alguns conceitos, inclusive o de sustentabilidade. Vanessa e Sérgio Torigoe garantem ter um bom empreendimento nas mãos mesmo em uma época de economia incerta. “É um excelente negócio dos pontos de vista ambiental, social e econômico, desde que haja determinação e disciplina. Nós criamos uma oficina não só para nós, mas para os clientes. As pessoas, ao entrarem aqui, percebem algo inovador e isso as cativam. Vários estudantes nos procuram por verem na Torigoe um case. Logo, vale a pena ter a consciência que se pode fazer mais para deixar um legado. Além de investir no respeito ao meio ambiente, sustentabilidade é uma cultura e uma filosofia que não devem ser deixadas de lado agora e no futuro”, atestam.

OFICINAS DE REPARAÇÃO TÊM PAPEL FUNDAMENTAL NA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Quem concorda com a afirmação acima é o engenheiro mecânico automotivo Sérgio Ricardo Fabiano, gerente da área de serviços que trata das certificações de oficinas do Instituto de Qualidade Automotiva (IQA). Na entrevista a seguir, o executivo orienta como uma oficina mecânica pode conquistar o Selo Verde, atestado de qualidade que identifica as empresas do setor de reparação que possuem ações voltadas para a preservação do Meio Ambiente, e agregar mais valores aos seus serviços.

JOB: Reparadores são pessoas práticas, então a primeira pergunta é: para que serve o Selo Verde concedido pelo Instituto de Qualidade Ambiental e o que as oficinas têm a ganhar com ele?
SRF:
Diria que todo o mundo tem a ganhar. Mas me restringindo à sua pergunta, as oficinas têm muito a ganhar porque possuir uma certificação na área ambiental como o Selo Verde é algo valorizado. Pesquisas mostram que empresas que possuem ações voltadas a preservação ambiental têm uma imagem presente na memória do cliente. Então a oficina ganha com a divulgação e valorização da sua marca. Ganha ainda por estar preparada para atender a possíveis fiscalizações de órgãos ambientais que em algumas localidades já ocorrem e até fecharam oficinas. Outro benefício importante é que a empresa, ao implementar a gestão de itens ambientais, passa a ter um retorno financeiro imediato com a diminuição de gastos e o desperdício nas contas como água e luz elétrica.

JOB: Quando um certificado ambiental é concedido por entidades de respeito a percepção dos clientes de que a oficina realmente se preocupa com o meio ambiente aumenta ainda mais, não? O IQA é a instituição indicada para conceder esse Selo Verde?
SRF:
Sim, acho que ninguém pode duvidar disso. O IQA é um organismo certificador acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro, Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Trata-se de uma entidade sem fins lucrativos e especializada no setor automotivo. Ela foi criada pela Anfavea, Sindipeças, Sindirepa e outras entidades do setor e do governo. Também é parceira de diversos organismos internacionais e atua em áreas como na certificação de produtos e de sistemas de gestão, de publicações e de treinamentos.

JOB: O que é preciso para uma oficina conquistar o Selo Verde?
SRF:
Ela deve atingir uma classificação mínima dentre cerca de 60 itens que se referem ao meio ambiente. Alguns desses quesitos são possuir sistemas de coleta seletiva dos resíduos contaminantes, que precisam ser coletados por empresas cadastradas nos órgãos ambientais competentes de cada região. Seus funcionários precisam ser treinados para preservar o meio ambiente. Também é necessário a empresa desenvolver ações e campanhas para a diminuição do desperdício de água. Um exemplo: captar a água de chuva e utilizá-la em pontos que não necessitem de água potável. Outro seria empregar acessórios para diminuição do consumo de água como torneiras de acionamento automático e válvulas de descarga Duoflux, que controlam o volume despejado. Também é fundamental adotar meios para diminuir o consumo de energia elétrica em geral e em locais de baixa circulação...

JOB: Como aqueles sensores que desligam automaticamente a luz quando não detectam a presença de ninguém?
SRF:
Sim, isso mesmo. É importantíssimo saber economizar energia elétrica. Por isso, outro quesito é aumentar a utilização da luz do dia adotando telhas translúcidas ou aumentando a área envidraçada. Claro que os clientes também merecem atenção, por isso é indispensável desenvolver ações para eles através de cartilhas informando a preocupação em descartar corretamente os resíduos do reparo, como o óleo usado e as peças danificadas. A oficina também precisa possuir caixa separadora água-óleo. E por aí afora... A oficina que atender ao processo completo estará preparada para ser uma empresa ambientalmente correta. Não somente para ter o Selo Verde, mas também para diminuir custos com gastos desnecessários e contribuir para um mundo ecologicamente mais equilibrado, equalizando a necessidade do recurso versus o consumo consciente.

JOB: O que uma comunidade, uma cidade, o País, e o mundo teriam a ganhar quando uma simples oficina mecânica adota essa postura? Acho que muitos reparadores devem estar se fazendo essa pergunta agora...
SRF:
Se cada um fizer a sua parte, por menor que seja, temos a ganhar um mundo melhor para nós e nossos filhos. Temos a ganhar a preservação de nossos recursos naturais e a continuidade de um meio ambiente saudável para as futuras gerações. Temos a ganhar a conscientização de funcionários e clientes que aumentarão a corrente da preservação do nosso planeta.