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Presença brasileira no Aftermarket mundial


Na presidência do after­market mundial da Delphi, Lúcia Moretti iniciou a carreira em Porto Alegre, na DHB Componentes Automotivos, uma joint venture com a Delphi Saginaw Steering Systems

Por: Vivian Martins Rodrigues - 13 de fevereiro de 2012

Na presidência do after­market mundial da Delphi, Lúcia Moretti iniciou a carreira em Porto Alegre, na DHB Componentes Automotivos, uma joint venture com a Delphi Saginaw Steering Systems que, na época, era uma divisão da Delphi que fabricava sistemas de direção. Na DHB, foi responsável por marketing e, posteriormente, por vendas e teve contato com montadoras no Brasil e clientes no exterior.

Transferida para São Paulo, gerenciou uma operação de montagem final do sistema completo de direção hidráulica que entregava just in time para a General Motors do Brasil. Nove anos depois, começou a trabalhar na Delphi em uma outra unidade de negócios, que hoje é chamada de Powertrain, onde foi responsável por vendas, marketing e planejamento para o mercado original. Foi nesta época que teve contato com o mercado de reposição que, de imediato, a encantou por sua agilidade, diversidade e potencial.

Em seguida, foi anunciada a criação da divisão de Aftermarket da Delphi para a qual foi nomeada diretora responsável por estabelecer, no mercado de reposição, a marca Delphi na América do Sul.

Carreira:

Jornal Oficina Brasil: Como foi o início da carreira na Delphi e o caminho trilhado até hoje?

Lúcia Moretti: No ano de 2000, lançamos o início da operação de Aftermarket da empresa com um catálogo de seis páginas e uma lista de preços. Colocávamos, naquele momento, à disposição do mercado, peças que até então eram vendidas somente pelas concessionárias. A partir daí, estabelecemos e posicionamos a marca Delphi no mercado de reposição. Fizemos as primeiras parcerias no Brasil e no exterior, abrimos o nosso centro de distribuição em Piracicaba, aumentamos o portfólio de produtos e integramos nosso segmento Diesel ao Aftermarket.

Acrescentamos às nossas iniciativas treinamento técnico e gerencial para nossos parceiros, disponibilizamos serviço de SAC e também serviço técnico de campo. Ou seja, fizemos jus ao nome da divisão de Aftermarket, como ela é conhecida até hoje: Delphi Products & Service Solutions (Delphi Soluções em Produtos e Serviços).

Em 2003, fui transferida para a Delphi nos Estados Unidos, em Troy, como responsável pelo marketing global da divisão de Aftermarket. Na ocasião, a Delphi já estava atuando no Aftermarket em todas as regiões do mundo e minha missão era estabelecer processos, divulgar a marca e o portfólio mundial para este segmento.

Antes mesmo de me acostumar com o inverno de Michigan, fui transferida novamente. Desta vez, para gerenciar o After­market da Delphi na Europa, Oriente Médio e África (mercado de reposição independente e OES), onde fiquei seis anos.

A experiência foi incrível, pelo aspecto de complexidade e diversidade de modelos de gestão e também pelo aspecto cultural. Lidar com ingleses, franceses, espanhóis, italianos, poloneses, alemães, argelinos, russos, belgas e holandeses em uma mesma equipe foi, no mínimo, divertido e largamente compensador pelo trabalho que realizamos juntos.

Após a experiência de lançar o Aftermarket na América do Sul, estabelecer processos globais, trabalhar no mercado americano por dois anos e reestruturar o mercado europeu posicionando a Delphi como marca líder no segmento de Aftermarket, fui solicitada a retornar aos Estados Unidos para gerenciar, globalmente, o Aftermarket Mundial. Nove meses após voltar para os Estados Unidos, onde me encontro atualmente, fui promovida à Presidência da divisão de Aftermarket. Uma trajetória repleta de desafios, mas muito compensadora pela oportunidade de viver e conhecer amplamente três regiões do mundo e conviver com times altamente qualificados, apaixonados pela marca e comprometidos com a nossa missão. E aí se vão 23 anos…

JOB: Boa parte deste processo de crescimento deu-se nos Estados Unidos, onde é a sede mundial da Delphi. Lá, como no Brasil, a indústria de autopeças é um ambiente eminentemente masculino. Como você encara esta realidade: uma ameaça ou uma oportunidade?

Lúcia Moretti: Encarei isto sempre com naturalidade e nunca senti nenhum tipo de preconceito por ser mulher num mercado eminentemente masculino. Na realidade, na indústria de autopeças, como em qualquer outra, o importante é ser profissional e inovador. Sempre tive um ótimo relacionamento, não só com clientes diretos da Delphi, distribuidores e montadoras, como também com toda a cadeia de distribuição no mercado de reposição, incluindo varejistas e oficinas que costumo visitar para discutir oportunidades onde quer que eu esteja no mundo. Acabei de voltar da Índia e China, onde fiz exatamente isto: visitei distribuidores e fiz questão de ir à Autoparts City, em Nova Delhi, na Índia, e a Shanghai, na China, para entender as necessidades dos reparadores nos mercados em que atuamos.

A solução que temos para mercados mais desenvolvidos não necessariamente é a mesma para mercados emergentes como estes que acabo de visitar. Entender esta diferença é fundamental para sermos efetivos nos mais de 150 países em que atuamos.

Jornal Oficina Brasil: E quanto ao fato de ser brasileira (e gaúcha!)? Nossa cultura geral e corporativa representa uma vantagem ou uma desvantagem no cenário mundial?

Lúcia Moretti: Acredito que tenha sido uma vantagem. Não poderia dizer diferentemente. Brasileiro, de forma geral, adapta-se facilmente; é criativo, curioso, trabalhador e com habilidade interpessoal, criando normalmente um ambiente propício ao desenvolvimento de relações duradoras. Somos uma mescla da cultura europeia, com influência americana, mas com uma identidade muito própria. Acho que um fator que me ajudou muito é a nossa capacidade de adaptação onde quer que estejamos. No meu caso, especificamente, isso contribuiu na capacidade de entender e respeitar as diferenças culturais e sociais e na identificação das oportunidades nos diferentes contextos. Sempre que me apresento e digo que sou brasileira, recebo um sorriso de imediato, com um ar de surpresa, satisfação e curiosidade: “Wow, Brazilian!”. Sinto-me orgulhosa de poder representar meu país e meu glorioso Estado do Rio Grande do Sul por onde passo.

JOB: Que conselho você dá a outros executivos brasileiros em carreiras em multinacionais?

Lúcia Moretti: Não perder sua identidade. Entenda e respeite a cultura de outras regiões e países. Adapte-se, seja flexível, mas não perca a sua identidade cultural, porque ela acaba sendo um diferencial no ambiente de trabalho. Lembre-se sempre que a diversidade no ambiente de trabalho é construtiva e muitas vezes desejada.

Mercado:

JOB: Quais as características do mercado de Aftermarket dos Estados Unidos?

Lúcia Moretti: O mercado americano é complexo no que se refere à diversificação da frota e bem maduro com relação à distribuição, com múltiplos canais de distribuição (distribuidores nacionais, distribuidores regionais, grupos de distribuição, cadeias de varejo e cada vez mais e-commerce e e-tailers).

Existe uma parcela grande do mercado que é “Do It Yourself” (DIY), servido primeiramente pelas cadeias de varejo. Estas, por sua vez, estão cada vez mais visando o negócio das oficinas, buscando atuar no mercado do “Do It For Me” (DIFM), tradicionalmente dos distribuidores.

Outra peculiaridade do mercado americano é a verticalização da distribuição. A oficina ou o técnico é quem decidem que produto aplicar. Porém, eles são normalmente afiliados por contrato a um grupo ou a um distribuidor nacional que, por sua vez, influencia e muitas vezes define quais as peças que serão compradas.

O mercado americano é essencialmente um mercado que tem preferência, por peças “premium”, ou seja, de qualidade original. Mesmo assim, existe ainda um segmento de mercado que continua em busca de peças com procedência questionável, colocando em risco a segurança dos motoristas e também pressionando, desnecessariamente, o preço em toda a cadeia de distribuição.

JOB: Quais as características do mercado de Aftermarket da Europa?

Lúcia Moretti: Antes de mais nada, não dá para assumir o Aftermarket  europeu como um mercado único e consolidado; o Aftermarket de lá pouco tem de “mercado comum”. Cada país tem o seu modelo de negócio e, mesmo dentro do mesmo país, você pode encontrar vários modelos de negócio que convivem pacificamente entre si. O modelo de negócio no Aftermarket inglês é totalmente diferente do modelo de negócio na França que, por sua vez, não tem nada a ver com o modelo na Polônia, muito menos na Rússia e longe de ser o mesmo na Arábia Saudita ou na Argélia. Você lida com modelos de quatro, três, dois níveis e até um nível, na distribuição, internet, redes de serviço etc. Resumindo, a Europa é um mercado de 265 milhões de veículos com uma idade média na frota de 8,5 anos. Por exemplo, na Inglaterra, a idade média da frota é de 7,2  anos, mas se você for para o Leste Europeu, a realidade é outra, a idade média da frota é de 12 anos. O treinamento técnico que oferecemos nestes dois países não é necessariamente igual. Por isto, insisto em dizer que existem diferenças cruciais nos diferentes mercados na Europa e quem tratá-los de uma forma única e genérica perderá uma grande oportunidade.

JOB: Quais as características do mercado de aftermarket da Ásia?

Lúcia Moretti: O diferencial do mercado asiático, especialmente em países emergentes, é que o canal de distribuição é vinculado a uma marca de veículos e não multimarcas, como em outros mercados mais desenvolvidos.

Isto leva a indústria a posicionar-se e organizar-se de uma forma totalmente diferente para atender às necessidades destes mercados. Um potencial enorme. Imagine uma frota de 100 milhões de veículos leves e pesados com uma idade média de 4,5 anos. Imagine, então, quando estes veículos tiverem 8 ou 10 anos, a oportunidade que isto traz para o aftermarket. Isto é a China!

JOB: E quais as diferenças mais marcantes entre eles?

Lúcia Moretti: A maturidade dos mercados é a característica mais marcante. Mercados mais maduros tendem a assimilar diversos modelos de negócio, convivendo entre si sem muito conflito, enquanto mercados menos maduros ou emergentes tendem  a focalizar em um só modelo, limitando outras alternativas.

JOB: E as similaridades?

Lúcia Moretti: Foco em serviço. Em alguns mercados, mais proeminente do que em outros, porém em todos. De uma forma geral, vejo uma preocupação ou uma necessidade de desenvolver serviços em paralelo com produtos.

JOB: Fala-se que o After­mar­ket brasileiro passará por uma “consolidação”, pois não haverá espaço para os clássicos “three steps”. Baseada nesta intensa experiência com mercados mais maduros, o que você prevê para o Brasil?

Lúcia Moretti: Acho que a consolidação é um processo natural em diferentes mercados e por diferentes razões.

Algumas vezes, a consolidação acontece porque não há mais espaço, buscando eficiência na cadeia de distribuição. Outras vezes, é porque simplesmente existem sinergias óbvias, fazendo sentido um step consolidar com outro step. Acho que o mercado brasileiro passa por uma fase de transição: frota crescendo, renovando rapidamente e diversificando e, assim mesmo, com uma idade média relativamente alta, um mercado de grande potencial. Não acho que exista uma só resposta para esta equação. Acho que existirão outros modelos no Brasil, que não só o tradicional “three steps”, sejam eles menos steps ou canais alternativos de distribuição. Seja lá o que for, espero, isto sim, que possamos ver vários modelos convivendo entre si e respeitando o que cada um traz de valor agregado à cadeia de distribuição. Isto é o que vejo nos mercados mais maduros.

JOB: Nos Estados Unidos e Europa (de maneira geral) há uma concorrência acirrada (serviços e fornecimento de peças) entre o Aftermarket independente e concessionárias de montadoras. Como você enxerga esta convivência no mercado brasileiro?

Lúcia Moretti: Também acirrada. Talvez pareça menos porque a parcela do Aftermarket independente é bem maior no Brasil do que na maioria dos países europeus, com exceção da Alemanha. Filosoficamente, acho que devemos dar a chance ao consumidor final de decidir onde levar o seu veículo para ser reparado, seja em uma concessionária, seja numa oficina independente. Para que isto ocorra, ambos os canais devem competir de igual para igual. O acesso à informação e à capacitação técnica do Aftermarket independente são essenciais. Da mesma forma, presença e proximidade são essenciais para as concessionárias.

JOB: Qual o seu recado para as oficinas brasileiras?

Lúcia Moretti: Que continuem se capacitando tecnicamente. A diversificação da frota, o avanço da tecnologia, o aumento de conteúdo eletrônico nos veículos e o consequente aumento de itens e aplicações no mercado brasileiro exigem que o aplicador esteja atualizado com as novas tecnologias. O intervalo de tempo entre o lançamento de um veículo na Europa e seu lançamento no Brasil é quase zero e a necessidade de repará-lo imediatamente também se faz necessária. E esta para mim é uma das maiores responsabilidades de uma empresa global como a Delphi. Por sermos fabricantes e fornecermos aos clientes globalmente temos, obviamente, acesso à informação técnica.

Promover treinamento e acesso aos novos produtos e aplicações e fazer com que os reparadores possam diagnosticar corretamente e prover serviço a veículos que chegam ao Brasil é talvez a nossa maior missão como indústria global atuante no Aftermarket.

Delphi:

JOB: A Delphi passou pelo processo Chapter 11. Ela está totalmente recuperada?

Lúcia Moretti: No dia 17 de Novembro de 2011, as ações da Delphi começaram a ser negociadas na Bolsa de Valores de Nova York. A empresa continua a ter um bom desempenho, tanto operacional quanto financeiramente.

Nós temos um portfólio de importantes e inovadoras tecnologias; uma base de clientes equilibrada, diversificada e global, e capacidade para apoiar os nossos clientes onde eles projetam e vendem seus veículos.

JOB: Qual o balanço da Delphi em 2011 e a projeção de crescimento para 2012? Fale das metas.

Lúcia Moretti: Nós recebemos mais de 60 prêmios de nossos clientes nos últimos dois anos como reconhecimento de nossa tecnologia, qualidade e desempenho. Nós também conquistamos novos negócios a taxas recorde. Somente até setembro de 2011, já havíamos completado 19 bilhões de dólares de negócios comprometidos. Em 2012, vamos continuar a desenvolver e entregar tecnologias inovadoras e diferenciadas que ajudam nossos clientes a comercializar veículos mais seguros, ecológicos e que permitem às pessoas se manterem conectadas. Afinal, nosso principal objetivo é de exceder as expectativas de nossos clientes e nós estamos totalmente focados para conseguir isto.

No Aftermarket especificamente, permanecemos focados em expandir o nosso portfólio, aumentando nossa cobertura de mercado (para todas as marcas) com produtos de qualidade original, em prover treinamento atualizado com as novas tecnologias e prover ferramentas e equipamentos de diagnóstico  inovadores. Como a empresa que fabrica “The Parts Cars are Born With” (as peças originais dos carros), temos a chance de utilizar os mais de 100 anos de conhecimento e herança que adquirimos do mercado original em benefício dos nossos clientes e dos clientes deles, os instaladores no mercado de reposição. Parte do meu trabalho é investigar e saber como podemos ser mais eficientes com os nossos clientes diretos no dia a dia e como podemos influenciar positivamente a cadeia de distribuição inteira.

No final das contas, temos que assegurar, como indústria, que a oficina esteja treinada, apta a realizar o serviço a que se propõe, tendo a peça na hora certa a um custo correto para prover um serviço de qualidade e em tempo mínimo. É para isto que trabalhamos no aftermarket!

JOB: O relacionamento com o reparador independente é estreito? Como funciona e quais ações são tomadas?

Lúcia Moretti: Na Delphi, tentamos sempre nos aproximar do reparador independente; seja através de nossos distribuidores, do varejo ou diretamente. Acho de vital importância ter este vínculo; entender e eventualmente antecipar suas necessidades e ajudá-los a fazer crescer seus negócios. Temos inúmeras iniciativas na empresa, desde comunicação dirigida e focada no reparador até o apoio técnico de campo, passando por treinamento tradicional ou via web, online, hotline, workshops, dicas técnicas e outras tantas ações que têm a intenção de facilitar o trabalho dos instaladores. Uma das iniciativas de que temos bastante orgulho na Delphi é o que chamamos de “Conselho de Clientes” (Customer Advisory Council). Chamamos um número razoável de distribuidores, varejistas e instaladores em cada uma das regiões e passamos um dia debatendo como podemos melhorar o Aftermarket e como a Delphi pode contribuir para o sucesso de cada segmento na cadeia de distribuição.

O resultado deste debate torna-se conteúdo de trabalho para mim e para todo o nosso time em todas as regiões do mundo.

JOB: O que mais sente falta do Brasil?

Lúcia Moretti: Saudades do calor, saudades de um churrasco, saudades do meu Brasil.