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Range Rover Classic, o utilitário que teve o privilégio de criar um novo segmento, de SUVs de luxo


O nobre fora de estrada inglês saiu do asfalto e encarou a mais temidas trilhas do off road com maestria e alto luxo por 26 anos

Por: Anderson Nunes - 21 de julho de 2016

 

Em 1970 o Range Rover era apresentado: linhas simples e robustas, grandes vidros e um aspecto que se tornaria um clássico entre os utilitáriosUtilitários Esportivos são os veículos da moda e todo fabricante que se preze disponibiliza em seu portfólio ao menos um modelo. Eles são a imagem de um veículo de luxo, com o conforto de um bom automóvel associado à robustez e à capacidade fora de estrada de um jipe.

Mas nem sempre foi assim. Coube à inglesa Land Rover, divisão fora de estrada da Rover, criada em 1948, trazer ao mercado um veículo 4×4 que oferecesse conforto e o bem-estar aos passageiros. O Land Rover havia sido projetado para ser barato, simples de fabricar e adequado para o trabalho duro em terreno rural. Era um veículo básico com concessões mínimas em relação a conforto. Seu único “luxo” era o teto de lona, pois até mesmo as portas eram opcionais.

Entretanto, desde o início de sua criação a Rover percebeu que existia um mercado para um Land Rover fora de estrada mais confortável e civilizado. Em 1949, a perua Land Rover 110 (distância entre eixos em polegadas), era lançada com carroceria feita de estrutura em madeira produzida pela empresa Tickford. A perua feita pela Tickford tinha sete assentos, tapete no assoalho e aquecimento interno. Construída à mão, tinha preço elevado. Cerca de 700 modelos foram vendidos antes das vendas cessarem em 1951.         

 Faróis redondos com as luzes de setas quadradas tornaram-se marca registrada do modelo

Em 1954, a Land Rover lançou sua segunda station wagon, desta vez construída pela própria empresa. A nova versão foi mais bem sucedida, visava ao usuário comercial que precisava de um modelo fora de estrada com o conforto de um carro de passeio. A perua trazia bancos colocados no porta-malas e janelas laterais. O interior oferecia bancos mais confortáveis, acabamento interno mais aprimorado com tapetes de borracha, porém a suspensão resistente feita para locais de difícil acesso ainda penalizava os ocupantes em estradas asfaltadas devido à calibração mais rígida.

Criada em 1948, a Land Rover era a divisão 4x4 da marca Rover e com o tempo o nome se sobrepôs à marca mãe   Maçanetas embutidas do Range Rover são práticas e funcionais  

 

No final dos anos 1950, a Rover notou que havia um mercado para um veículo que combinasse a resistência e a capacidade fora de estrada do Land Rover com o conforto de um sedã Rover P6. Em 1958, dois protótipos batizados de Road Rover foram construídos. Basicamente era uma pequena perua de entre-eixos curto, dotada de tração traseira e impulsionada por um diminuto motor de quatro cilindros. Os projetos foram deixados de lado, embora a ideia original tenha sido mantida. Sete anos mais tarde, diante do crescimento do mercado de veículos de tração integral mais urbanos e confortáveis nos Estados Unidos, como o Ford Bronco e o Jeep Wagoner, a Rover decidiu retomar o estudo de seu utilitário.

O acabamento em vinil na coluna traseira deu um aspecto mais sofisticado ao Range Rover

 

O parrudo reboque vinha de fábrica e com ele o Range Rover podia tracionar 3.500 kg  A tampa bipartida dava acesso ao porta-malas de grande capacidade.

O novo projeto, conhecido como 100-inch Station Wagon (perua de 100 polegadas, ou 2,54 metros, seu entre-eixos), previa o uso dos motores Rover de quatro e seis cilindros. Entretanto o elemento final do que se tornaria o conceito de luxo da Rover foi fornecido pelo presidente de operações da Rover nos EUA que, frustrado pela falta de um veículo adequado da Inglaterra para competir com a nova safra de SUVs, enviou uma perua Rover modelo Land Rover Série II equipada com um motor V8 Buick que ofereceu um ótimo desempenho em estrada, melhor do que qualquer outro modelo Land Rover já feito.

Devido ao seu peso e a potência do motor V8, os engenheiros definiram que a perua teria tração integral de série e suspensão de longo curso dotada de molas helicoidais que conferia uma melhor estabilidade e conforto ao rodar. Para tentar despistar a imprensa, os protótipos em teste levavam o logotipo Velar. O nome “Velar” (Vee Oito Land Rover) foi utilizado nesses veículos de pré-produção para confundir curiosos observadores sobre a sua verdadeira identidade, já que o nome Range Rover havia sido escolhido ainda no final de 1969.

Numa quarta-feira, 17 de junho de 1970, era apresentado oficialmente pela British Leyland o Range Rover, modelo que se tornaria ícone de uma época. Durante o lançamento foi utilizado o slogan - “um carro para todas as razões”.

 

PIONEIRO NO LUXO FORA DE ESTRADA

 A fartura de couro e madeira nobre é marca típica dos carros ingleses de luxo  Os ocupantes detrás usufruem de um amplo espaço para as pernas

A proposta da Rover em oferecer um utilitário que mesclasse a valentia no fora de estrada ao conforto de um grande sedã surpreendeu o mercado. Entre as características mais peculiares encontradas no Range Rover havia o interior espaçoso para cinco ocupantes, câmbio manual quatro marchas com tração permanente em todas rodas e freios a disco nas quatro rodas com sistema hidráulico. O motor V8 todo em alumínio de origem Buick de 3,5 litros debitava 135 cv e torque de 25,5 m.kgf, suficiente para levar o utilitário aos 153 km/h e tracionar 3.500 Kg de reboque.

Luz de cortesia na porta do Range RoverA trava Lift é usada para levantar a tampa inferior do porta-malas

A transmissão usava um câmbio manual de quatro marchas no qual até a ré era sincronizada, caixa de transferência (para redução) e três diferenciais, sendo que o central permitia que as quatro rodas fossem tracionadas mesmo em piso de boa aderência — os sistemas mais comuns à época, e que ainda hoje vemos muito em picapes, só habilitavam o uso da tração total em terrenos mais escorregadios, sob risco de causar elevado atrito e danificar a transmissão. Um interruptor a vácuo bloqueava o diferencial central, se preciso, para obter o mesmo efeito do sistema mais comum.

O modelo inicial era de três portas, com comprimento de 4,47 metros, entre-eixos de 2,54 m e 1,80 m de altura. Seu desenho de linhas retas transmitia robustez e originalidade. A frente era tomada pela grade preta, com dois faróis circulares ladeados pelas luzes de posição e de direção. A ampla área envidraçada garantia boa iluminação do interior e visibilidade aos passageiros. Na traseira, a tampa do compartimento de bagagem abria-se metade para baixo e a outra parte — o vidro — para cima, o que facilitava o acesso em locais mais apertados. Como curiosidade o Range Rover é o único carro na história a ter sido exposto no famoso Museu do Louvre, no quesito desenho industrial.

O modelo também inovava no campo da segurança passiva, pois a estrutura da carroceria era toda feita em aço que aumentava a rigidez torcional e evitava o deformação no fora de estrada, já os painéis de alumínio revestiam a área externa. Isto permitia que o Range Rover tivesse uma estrutura mais robusta, enquanto o alumínio mantinha-o fora de corrosão e era facilmente reparado em caso de alguma avaria.

 

EVOLUÇÃO DE UM ÍCONE

 O destaque do Range Rover é sem dúvida seu motor V8 de 3,9 litros todo feito em alumínio; com 182 cv e 31,8 m.kgf ele movimenta com maestria as mais de 2 toneladas do modelo Em todo cofre do motor há avisos, nesse caso o recado é para não manusear o sistema de refrigeração enquanto o motor estiver quente

A Rover parece que havia acertado na receita do Range Rover: durante boa parte da década de 1970, a procura pelo modelo foi expressiva, listas de espera formaram-se nas concessionárias da marca e quem conseguia comprar o seu podia vendê-lo com lucro no mercado paralelo. A Rover procurava atender aos pedidos dos clientes e atualizações eram feitas, como por exemplo a adoção da direção com sistema hidráulico em 1973.

Uma das primeiras mudanças significativas veio em 1981, com a introdução de uma carroceria de quatro portas, até então, Range Rover só era oferecido na versão de duas portas. Ainda no final dos anos 70, várias empresas ofereciam conversões para quatro portas, entre elas a suíça Monteverdi, que foi aprovada para fins de garantia pela Land Rover. Logo em seguida a própria Land Rover produziu sua versão oficial de quatro portas, que foi bem recebida pelo público; sua popularidade foi tal que a versão de duas portas deixou de ser vendida no Reino Unido em 1984, embora continuasse a ser produzida para exportação.

Abaixo do painel há o sistema do ar-condicionado; já o rádio original foi trocado por uma unidade JVC com entrada USB e auxiliar   Câmbio automático de 4 marchas e alavanca de seleção de tração trabalham em perfeita ordem

Já o câmbio automático Chrysler TorqueFlite A727 de três marchas vinha em 1982, seguido um ano depois pelo manual de cinco. A primeira versão de alto luxo — a Vogue — aparecia em 1984. O motor adotava injeção eletrônica da marca Lucas 14 CUX em 1985, a potência passava para 165 cv e 29,3 m.kgf, acoplada a uma caixa automática ZF 4HP22 de quatro marchas. No interior o painel de instrumentos era o mesmo usado pelo Rover Maestro. A Rover adotava em 1986, um motor turbodiesel de 2,4 litros, 106 cv e 24 m.kgf da italiana VM. Também era apresentada uma versão mais luxuosa, batizada de Vogue, SE que trazia bancos com revestimento de couro Connolly e teto solar com acionamento elétrico.

No console central o luxo da raiz de nogueira polida e os comandos dos vidros elétricos  Em 1989 motores maiores: o V8 passava a 3,9 litros e 182 cv e toque de 31,8 m.kgf, já a versão turbodiesel passava ter 2,5 litros com potência de 119 cv e 29 m.kgf de torque. Freios com sistema antitravamento (ABS), calibrados para ser eficientes mesmo em terrenos de baixa aderência, eram outra novidade no campo da segurança. Em 1991 o modelo ganhou uma pequena mudança estética com as aletas da grade em posição vertical. O tanque de combustível passou a ser de plástico injetado e as barras estabilizadores ficaram maiores: 25mm da dianteira e 18,5mm na traseira. No interior o controle de cruzeiro era acionada por tecla no volante e o retrovisor era fotocrômico.

Evoluções de ordem tecnológica eram aplicadas em 1992: suspensão a ar com controle eletrônico, controle de tração e diferencial central de acoplamento viscoso, em substituição ao de bloqueio manual pelo motorista. Surgia também a opção de entre-eixos 20 centímetros mais longo (2,74 metros) para a versão Vogue LSE, no Reino Unido, chamada de County LWB nos EUA, e ocorria novo aumento de cilindrada no V8 para 4,2 litros, agora com 203 cv e 34,7 m.kgf. Um motor turbodiesel da própria Rover, com injeção direta e resfriador de ar, assumia o lugar do VM com ligeira perda em potência e torque: 107 cv e 26 m.kgf de torque.

Apesar de ainda disputar com garra o competido segmento de utilitários esportivos, uma nova geração do Range Rover já estava sendo feita agora sob o guarda-chuva da BMW. Mesmo assim melhorias foram aplicadas em 1994 como a utilização do painel de instrumentos do Discovery chamado de “Soft Dash”. Bolsas infláveis frontais foram aplicadas, tornando-se o primeiro SUV a oferecer tal item de segurança, além das barras de proteção nas portas dianteiras.

  O aviso era referente à caixa de transferência para a tração 4x4, que deveria ser feita em velocidade de até 8 km/h    Acima do painel há quatro saídas de ar redondas que ajudam a manter o grande vidro desembaçado  Os comandos para o limpador do vidro dianteiro, a pequena tecla serve para o lavador do vidro traseiro

 

A versão Vogue SE combinava motor a diesel e caixa automática pela primeira vez no modelo. Aparecia também o programa de personalização Autobiography, com fartas opções de acabamento externo e interno. Pelo programa era possível também comprar o Range Rover de entre-eixos curto com o motor de 4,3 litros. No fim de 1994, a série limitada 25th Anniversary comemorava um quarto de século do modelo. Em setembro desse ano era apresentada a segunda geração do Range Rover, a P38A. Para evitar confusão com a primeira geração, ela recebeu o nome de “Classic”. 

A carreira comercial do Range Rover de primeira geração chegou ao fim em 1996. Em 26 anos de produção a Land Rover atingiu a marca de 317 mil unidades vendidas e cunhou o termo “Rolls-Royce do fora de estrada”.

 

PAIXÃO POR LAND ROVER

 

O engenheiro Mário de Castro Lobo, 49 anos, é um admA roda pintada em cinza escuro é referente ao acabamento Vogue SE e faz um belo contraste com o verde da carroceria irador da marca Land Rover desde 2002 e é um tanto curiosa a história como essa paixão foi despertada. Naquele ano ele decidiu que teria um veículo com tração nas quatro rodas. Foi nessa busca por um utilitário 4x4 que o engenheiro acabou encontrando uma Nissan Panthfinder 1993, que foi escolhida devido ao desenho quadrado do modelo. Durante uma visita pelo interior de Minas Gerais o utilitário japonês caiu em um buraco, mas o veículo não conseguia sair mesmo estando no 4x4, isso ocorreu porque o modelo não contava com bloqueio do diferencial.

“Passados alguns minutos, aparece do nada uma Land Rover Defender e me puxa com uma cinta me tirando daquela situação. Pronto!!! Foi paixão à primeira vista. Coloquei na minha cabeça que iria ter um carro daqueles. Comprei a minha primeira Defender 110 em 2003. De lá para cá tive mais 3. Todas mais antigas. Hoje em dia ainda tenho uma defender 110 pick-up 1995 e uma defender 110 fechada, ano 2000, Discovery 2001 e a Range Rover Classic 1991”, conta Mário de Castro.

A Land Rover Range Rover que ilustra essa matéria apareceu em 2012, durante uma visita ao Rio de Janeiro para ver outra Range Rover.  Após duas décadas na mesma geração, o Range Rover preservava seu estilo, mas estava mais confortável; carroceria de cinco portas vinha em 1981 e logo ganhava a preferência dos compradoresO modelo estava com muitos pontos de ferrugem, principalmente nas portas. Mas devido a um golpe de sorte Mário de Castro acabou conhecendo a oficina mecânica em que a primeira Range Rover fazias as manutenções. E lá estava a Range Rover que hoje ilustra nossa reportagem.

Para a Range Rover rodar como uma alteza do fora de estrada foi necessário fazer uma retífica no motor V8 de 3,9 litros que ficou a cargo da oficina mecânica Auto Mecânica Sobre Rodas, da cidade de São José dos Campos. “Ao retificar o virabrequim e trocar as bronzinas o mecânico Juscelio Claudino Anias falou que o melhor seria fazer o motor inteiro. E foi o que fiz. Aí sim, foram gastos dinheiro e bastante tempo. Importei um kit que imaginava estar completo, mas quando o motor foi desmontado foram aparecendo mais algumas pequenas peças que precisaram ser trocadas”, relatou o engenheiro.

O proprietário diz que o ponto forte dos Land Rover é a mecânica robusta e que quase não dá problemas. A ida à oficina mecânica é para fazer as manutenções preventivas. O ponto franco é referente ao acabamento interno. As peças plásticas costumam quebrar com o tempo e para achá-las somente no mercado de peças no exterior. É preciso ter muita paciência para encontrar as peças de acabamento.

Como curiosidade vale ressaltar que a Range Rover da reportagem não foi o modelo regular que a Land Rover vendeu no Brasil. O modelo exibido aqui é a Vogue SE, que conta com itens diferenciais como: teto-solar elétrico, bancos em couro com regulagem elétrica, painel e console revestido em madeira de lei, retrovisor fotocrômico e controle de cruzeiro com acionamento no volante.

 

O motivo dele ser topo de linha é que esse carro foi de uso do diretor da Land Rover à, época Richard Morley, responsável pela vinda da marca ao Brasil pós abertura das importações. “Isso é comprovado pois eu tenho o primeiro documento de emplacamento que está em nome da Land Rover do Brasil e tenho recortes de jornal que mostram o diretor ao lado do carro, onde se pode identificar claramente a placa do veículo. O diretor também emprestava o carro para as revistas especializadas fazerem as reportagens. Eu tenho outros recortes que mostram isso também”, conta orgulhoso Mário de Castro.