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Puma, o felino brasileiro que conquistou as pistas e as ruas do Brasil e do mundo


Nascido nas pistas, o Puma logo se tornou um sucesso por conta do seu belo desenho e da mecânica simples, primeiro DKW, depois Volkswagen a ar. Nesta última, havia até a possibilidade de escolher componentes a fim de melhorar o desempenho

Por: Anderson Nunes - 11 de dezembro de 2014

As linhas do puma eram elegantes e atraentes e até hoje arrancam suspirosFazia somente pouco mais de quatro anos que a indústria automobilística brasileira havia começado suas atividades e já no início dos anos de 1960 as corridas começaram a dominar o cenário esportivo local. As competições automotivas foram um meio importante para promover os fabricantes de automóveis no Brasil.

Empresas como FNM, Simca, Willys e DKW mantinham um departamento exclusivo de competição, algo levado muito a sério e que de certa forma era também como um laboratório para o desenvolvimento de seus produtos e divulgação de seus feitos nas pistas.  Essa paixão pela competição também chegou aos lugares mais remotos do interior do país, mais precisamente na cidade paulista de Matão, distante cerca de 300 km da capital.

Em uma fazenda de cana de açúcar um advogado apaixonado por carros e corridas começou a modificar o desenho e a mecânica dos carros da família. Seu nome era Genaro “Rino” Malzoni. Rino Malzoni era um admirador dos veículos e motores de três cilindros de dois tempos da marca DKW. Junto com um funileiro de sua fazenda, eles construíram em chapa de aço uma carroceria no estilo GT, que era fixada ao chassi do DKW.

O nome Puma, um felino veloz e elegante, expressa bem os valores de um carro esportivo / Simbolo da Puma que ficou conhecido no Brasil e no exteriorPouco tempos depois começou a circular nos corredores da Vemag a história desse esportivo estilo GT feito com base na sua plataforma e impulsionado pelo valente motor de 3 cilindros da marca. Bem estruturada e contando com várias vitórias, a equipe Vemag sentiu o peso da concorrência quando a Willys-Overland começou a competir com o modelo Interlagos, versão brasileira do modelo francês Alpine A-108. O Interlagos mostrou uma clara superioridade em relação aos DKWs, graças a sua aerodinâmica mais apurada.Limpadores de para-brisa no sentindo contrario era uma caracteristica dos Pumas / Os vidros trazem o simbolo da Puma e o modelo do carroDiante dessa ameaça, Jorge Lettrey, chefe da equipe Vemag, Mário César de Camargo Filho, conhecido como Marinho e Milton Masteguim, sócio, junto com Marinho, em uma concessionária Vemag, encomendaram a Rino uma carroceria para poder competir com os Willys Interlagos. Entre as mudanças estava a diminuição do entre-eixos do DKW que passaria de 2,45 para 2,22 metros. Os carros ficaram prontos em 1963 e ainda utilizavam carrocerias em chapa de aço. De imediato os GT Malzoni, como ficaram conhecidos, começaram ganhar as disputas, mostrando o acerto do veículo para as competições. Esse êxito nas pistas fez com que Rino Malzoni e Marinho vislumbrassem uma pequena indústria de carrocerias para ser utilizada nos chassi DKW.

Comum nos carros fora de série, o Puma utilizava tanque de combustível da Volkswagen / Retrovisores triangulares eram comuns nos esportivos dos nos 70Assim, em 1964, é criada a empresa Lumimari - nome formado pela junção de Luís, Mílton, Marinho e Rino - para dar inicio à produção em série do GT Malzoni. A carroceria, nitidamente inspirada na escola italiana, era feita de plástico reforçado com fibra-de-vidro. O carro era pequeno, bonito e mais leve devido ao novo material. Tinha faróis carenados e logo abaixo ficava a grade oval, com frisos horizontais e parachoques cromados nos modelos de rua. Para a produção em série, o motor, de dois tempos e três cilindros, tinha 981 cm³ e sistema de lubrificação automática Lubrimat, sem necessidade de mistura de óleo à gasolina no tanque de combustível. Com potência de 50 cv a 4.500 rpm e apenas 890kg de peso, atingia velocidade máxima em torno de 145 km/h.

Cofre dianteiro é ocupado pelo tanque e estepe, malas somente no interior / Manual e livretos de serviço atestam o cuidado do carro nesses 36 anosEm 1966, no V Salão do Automóvel brasileiro, era exposta a primeira evolução do GT Malzoni, o Puma GT, conhecido também como Puma DKW. Suas linhas eram nitidamente inspiradas no Ferrari 275 GT. Seu desenho coube ao piloto-estilista Anísio Campos. Não tinha mais a simplicidade e o despojamento de um carro de corridas: o acabamento era luxuoso, com bancos em couro e painel revestido de madeira. A razão social foi mudada para Puma Veículos e Motores Ltda. Entre o GT Malzoni e o Puma GT, cerca de 170 exemplares foram produzidos.

Os farois lembravam os usados pela Ferrari / Lanternas da Kombi na posição horizontal e na cor vermelha, exigência da legislação da épocaPUMA VOLKSWAGEN 
Em 1967, a indústria automobilística nacional começa a se modernizar. A Simca é absorvida pela Chrysler e a Willys-Overland passa para as mãos da Ford. A situação da DKW-Vemag não é diferente. Naquele ano a Volkswagen compra a DKW, um duro golpe para a empresa, já que no ano seguinte o departamento de competições era extinto.

Assim, é lançado o Puma de segunda geração que passava a utilizar chassi, suspensão e motor Volkswagen - o boxer refrigerado a ar, posicionado na traseira, de quatro cilindros e 1,5 litro. O entre-eixos foi reduzido de 2,40 para apenas 2,15 metros. Trazia desenho inspirado no Lamborghini Miura, com perfil baixo, capô longo e traseira curta. Logo após os vidros laterais, na coluna traseira, havia entradas de ar para a refrigeração do motor. Esse modelo ficou conhecido também como Puma Tubarão devido às entradas de ar para refrigerar o motor (situadas logo atrás dos vidros das portas) semelhantes às guelras de um tubarão.

O motor de 1,5 litro já saía de fábrica com dois carburadores de 32 mm, ao invés de um carburador de 28 mm e com isso a potência subia de 44 cv para 52 cv. Vale salientar que a Puma usou carburação dupla antes mesmo da Volkswagen. As rodas eram de aço, 14 polegadas, e os pneus diagonais 7.35-14. O carro fez um grande sucesso, sendo comercializadas 151 unidades em seu primeiro ano e o dobro no ano seguinte.

Motor Volkswagem a ar trazia carburação dupla, uma primazia dos Pumas desde sua criação / Console central com porta-objetos e o cinzeiro na lateral direitaEm 1970 o Puma passa a vir equipado com o motor de 1600 cm³, passando a adotar o nome Puma 1600 GTE. Entregava 60 cv, mas, para quem quisesse mais potência, a fábrica disponibilizava opções de motores de 1,7 até 2 litros, além de comandos de válvulas mais bravos. Em 1971 chegava ao mercado a versão conversível, conhecida como Spyder ou 1600 GTS com capota de lona. Era oferecida também uma capota rígida como opcional, mas foram poucos os modelos que saíram com tal acessório. A produção aumentava e em 1973 já eram mais de 800 Pumas fabricados. Devido ao estrondoso sucesso, em 1974 a Puma passou a fazer parte da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Anfavea.

NOVAS LINHAS
Em maio de 1976 a Puma apresenta uma evolução do modelo GTE. Agora deixava de lado o chassi do Karmann-Ghia e passava a utilizar a plataforma da Brasília. O visual ainda lembrava os modelos anteriores com a frente afilada e perfil baixo. Entretanto, com a utilização do chassi da Brasília, o Puma ganhou 10 cm a mais na largura, indo para 1,66 metros, o que propiciou mais conforto aos ocupantes. O entre-eixos permaneceu em 2,15 metros. Já na linha da cintura, nas laterais traseiras, as tomadas de ar deram lugar a janelas de formato trapezoidal, fixas, que deixaram o desenho mais leve.

O perfil do carro ficou mais integrado, pois o teto une-se com a vigia e a tampa do motor, formando um pequeno chanfrado. As lanternas em posição horizontal são as mesma da Kombi. Devido à nova altura da carroceria, foi possível equipar o modelo com novos jogos de rodas de liga-leve feitas pela Scorro e calçadas com pneus de perfil mais baixo. Os pneus passaram a ser o Pirelli CN 36 da série 70, na medida 185/14 na dianteira e 195/14 na traseira.

Volante de dois raios pequeno conferia um ar mais esportivo / Bancos de encostos altos e reclináveis tratavam bem os ocupantes Na parte mecânica, o motor Volkswagen de 1600 cm³, alimentado por dois carburadores de 32 mm, fornecia 70 cv e torque de 12,3 kgmf. Esse conjunto motriz fazia o Puma GTE atingir velocidade máxima de 154 km/h e atingir 100 km/h em 16,7 segundos partindo da imobilidade. Segundo teste da revista 4Rodas de outubro de 1976, o novo Puma GTE perdia em desempenho para o seu antecessor, que atingia 160 km/h e fazia de 0 a 100 km/h em 15 segundos. Isso se deve em parte ao maior peso, de 785 quilos, e a nova calibragem dos carburadores para utilizar gasolina amarela. 

O interior trazia mais luxo com bancos de encostos altos e regulagem de inclinação. O assoalho era todo acarpetado. O painel de instrumentos era um capítulo à parte, já que além de ser coberto com material macio, trazia instrumentação completa. À frente do motorista estavam o velocímetro, à esquerda e ao lado o conta-giros, ao centro três pequenos manômetros: nível de combustível, pressão do óleo e temperatura do óleo. Abaixo encontrávamos os botões de lanternas e faróis, limpador de para-brisa, tecla do lavador do vidro, acendedor de cigarros e pisca-alerta. E mais abaixo o botão para a ventilação interna.

As portas recebiam bom acabamento assim como todo interior / Painel era acolchoado e instrumentação completa como convém a um carro esportivoEm 1978, ano do modelo que ilustra nossa reportagem, a fábrica localizada na avenida Presidente Wilson entregou 3.390 unidades, um recorde que seria batido novamente no ano seguinte, quando foram vendidos 3.595 veículos. Além de serem produzidos e vendidos no Brasil, o Puma também foi exportado para a Europa e produzido sob licença na África do Sul.

O estepe ainda conserva o pneu original / Rodas aro 14 eram confeccionadas exclusivamente para a PumaRESGATE DO PUMA
O empresário taubateano Aldo D. de Toledo Fusco, 58 anos, é um apaixonado por automóveis antigos desde que se entende por gente, como ele mesmo nos disse. O Puma GTE 1978 que ilustra essa reportagem pertencia anteriormente ao acervo do Museu de Automóveis de Ubatuba. Em 1999 o museu fechou suas portas e a coleção foi posta à venda. “Numa conversa com o administrador do museu, eu soube que eles venderiam alguns carros nacionais, inclusive este Puma. Fiquei interessado e depois de algumas negociações, acabei comprando”, contou Fusco.

O carro estava em bom estado de conservação e de originalidade. Devido ao tempo em que ficou parado, foi preciso fazer uma revisão mecânica e elétrica completa, com a troca de elementos da suspensão, freios, lubrificantes e filtros. Também foram trocados os pneus, além das rodas que foram recuperadas. As dobradiças das portas foram substituídas por outras novas e originais. O interior conserva todos os itens originais, inclusive o revestimento dos bancos que no modelo 1978 é igual ao usado no Chevrolet Opala.

Para mostrar toda a valentia do Puma, em 2014 o veículo participou do rali de carros com mais de 30 anos de fabricação, promovido pelo Clube de Autos Antigos de Taubaté – CAAT. “Este ano meu genro participou com o Puma, tendo obtido uma boa classificação entre os 50 carros que participaram. Fez todo o percurso sem nenhum problema mecânico”, contou orgulhoso o empresário.

Puma tinha silhueta esportiva, o que contribuiu para ser objeto de desejo nos anos 70