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Gurgel Supermini BR-SL, o city-car brasileiro foi a última obra do engenheiro João Amaral Gurgel


Para concorrer na seara dos automóveis populares a Gurgel criou o Supermini, modelo mais equipado e melhor projetado, foi o último lançamento da empresa antes de fechar as portas

Por: Da Redação - 16 de maio de 2018

A única fabricante de automóveis com capital e tecnologia totalmente brasileira, a Gurgel Motores, ao longo dos seus 27 anos de atividades, soube através dos tempos identificar nichos de mercado em que poderia atuar e assim oferecer produtos que as grandes corporações estrangeiras não tinham interesse em manter no seu portfólio. Foi assim, com os utilitários fora de estrada X-12 e Tocantins, que a empresa sediada na cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, ganhou projeção nacional e internacional.

Nos anos de 1980 a Gurgel já estabelecida e capitalizada viu que era hora de colocar em prática um antigo sonho que já perseguia seu criador desde os tempos de universidade: produzir um automóvel pequeno e econômico com tecnologia 100% nacional. Com a produção do VW Fusca encerrada em 1986, Amaral Gurgel começou a materializar seu sonho com o projeto CENA – Carro Econômico Nacional; um pequeno veículo dotado de chassi tubular com carroceria em fibra de vidro e equipado com um diminuto motor de dois cilindros opostos, refrigerado a água.   

A epopeia começou a tomar forma no dia 7 de setembro de 1987, “dia da independência tecnológica brasileira”, de acordo com o próprio Gurgel. Naquele feriado o projeto Cena, “Carro Econômico Nacional”, já rebatizado de Gurgel 280, foi apresentado ao público. No ano seguinte, já com o novo nome de BR 800, chegava às mãos dos primeiros proprietários. Quem quisesse se habilitar a um deles, teria de comprar ações da companhia, como fizeram 10 mil novos acionistas.

Para chegar às ruas o governo federal também fez sua parte, ao criar um incentivo fiscal: a Gurgel recolhia apenas 5% de IPI contra os 20% em média que as demais fabricantes tinham que pagar. Dessa forma a Gurgel acabava de cunhar um termo que viraria sinônimo de carro de baixa cilindrada: carro popular.  

Em novembro de 1988 era iniciada a produção do Gurgel BR 800, que foi viabilizado pelo lançamento do lote de ações da empresa. Para ter o carro cada acionista investia 3.000 mil dólares pelo veículo e a outra metade desse valor era referente ao valor das ações. Os primeiros BR 800 eram destinados somente aos acionistas. Em 1989 já rodavam pelas ruas do Brasil pouco mais de 1 mil unidades que acabaram trocando de mãos em pouco tempo. Havia muitas pessoas que topavam pagar ágio de 100% pelo BR 800 só para ter o gostinho de rodar no único automóvel brasileiro.

Entretanto os holofotes no BR 800 começaram a se apagar em 1990. Naquele ano o governo Collor decidiu reajustar o IPI em 10% para carros a partir de 1 litro. Isso beneficiou a Fiat, que já mantinha em produção seu motor de 1 litro para exportação. Ligeira no ataque a montadora de Betim logo colocou à venda seu Uno Mille, que custava praticamente o mesmo que o BR 800, e que logo foi seguido pelas demais montadoras.

O novo concorrente do BR 800 tinha melhor desempenho, acabamento e mais espaço. Nem é preciso dizer como a vida do pequeno Gurgel ficou difícil. Em 1990, a Gurgel introduziu dois níveis de acabamento: BR-800 e BR-800 SL. O primeiro vinha com rodas de aço, sem a tampa do porta-luvas, rádio e retrovisor do lado direito, itens de série do SL. A última mudança veio em 1991, quando foi adotada uma claraboia na capota, o teto zenital, porque o interior esquentava em excesso. No fim de 1991, o BR-800 saiu de linha. Foram vendidas pouco mais 3.000 unidades do modelo.

SUPERMINI, GURGEL DE LUXO

No dia 25 de fevereiro de 1992, o senhor João Amaral Gurgel convocava à impressa automotiva para apresentar a sua mais nova e última criação: o Gurgel Supermini. Para produzir o Supermini as instalações da empresa em Rio Claro receberam um aporte de 7 milhões de dólares e com uma produção mensal de 200 unidades.

O Gurgel Supermini era uma clara evolução do BR 800. Em seu material promocional a Gurgel o classificava como o primeiro “city-car” brasileiro.  Externamente, o Supermini agradava. A frente curta unia-se ao para-brisa reto, uma marca registrada da companhia, e aparenta ser maior devido a uma faixa preta pintada abaixo do vidro. As amplas portas facilitavam o acesso ao interior do carro e passaram a contar com vidros de abertura vertical, com manivela e sem quebra-vento, diferente do BR 800 que trazia um anacrônico e simplório sistema de vidros corrediços na horizontal e que pouco contribuía para arejar a cabine.

Na lateral o destaque era a ampla área envidraçada. Já a traseira tinha uma leve caída. O acesso ao porta-malas foi melhorado com a adoção da terceira porta - o BR-800 usava vidro basculante. Acima da vigia traseira havia dois repetidores de seta e a terceira luz de freio. Os para-choques, sempre na cor prata, contrastavam com as seis opções de cores: vermelho, azul, verde, branco, prata e dourado. Nas portas havia uma grossa faixa de proteção com a inscrição BR-SL.

MOTOR ÚNICO NO MUNDO

O motor batizado de Gurgel Enertron, 2 cilindros opostos na horizontal, com 792 cm³, refrigerado a água, era único no planeta com essa configuração. Para equipar o Supermini a Gurgel fez algumas alterações no cabeçote e válvulas e a potência passou a ser de 36 cv a 5.500 rpm (anteriormente desenvolvia 32 cv a 5.000 rpm). Já o torque de 6,6 kgfm a 2.500 rpm, uma rotação bem baixa. Outra característica desse motor era o fato dele não ser apoiado sobre coxins e sim fixado pelo sistema pendular. Já o sistema de ignição era comandado por microprocessador eletrônico, que dispensava o uso do distribuidor.

Acoplado ao motor estava um câmbio manual de quatro marchas e um diferencial muito longo para um motor de pequena cilindrada. Isso ficou comprovado durante um teste promovido pela revista Quatro Rodas de novembro de 1992. Na análise da publicação a Gurgel deveria rever a redução do diferencial, já que para um veículo de vocação urbana, a transmissão estava na contramão da lógica. “Extremamente longa, prejudica a aceleração e a retomada de velocidade. Afinal, atingir 100 km/h em terceira marcha é algo para motores de 1800 cm³ e cinco marchas. E para chegar a essa velocidade gastou 35 segundos, enquanto um Uno Mille, que tem a mesma relação peso/potência (na casa dos 17 kg/cv), precisa de 24 segundos”, dizia a revista.

Para reverter a situação eram indicados um diferencial mais reduzido e um câmbio com quinta marcha que poderiam, ainda, contribuir para melhorar a velocidade máxima. A 4.400 rpm, portanto bem longe de sua potência total (5.500 rpm), o Supermini não passou dos 111 km/h. Essa relação de marcha longa também contribuía para o elevado nível de ruído interno. Nem mesmo o grande apelo do fabricante (a economia de combustível) mostrou-se expressivo: média de 13,68 km/l de gasolina.

INTERIOR RENOVADO

O interior do Supermini foi todo reprojetado, a fim de melhorar o acesso ao habitáculo do veículo e oferecer mais conforto aos passageiros. Os bancos dianteiros totalmente revestidos em tecido claro ganharam apoios de cabeça integrados. Já o banco dianteiro do passageiro passava a contar com um sistema quem, ao reclinar o encosto, fazia com que o assento deslizasse para frente, facilitando o acesso aos bancos traseiros. Os bancos traseiros por sua vez ganharam sistema escamoteável dos encostos para aumentar a capacidade de carga do porta-malas.

Painel de instrumentos também foi todo reprojetado, ganhando um formato côncavo e de aspecto mais moderno. Se no BR800 os comandos das setas, comutadores de luz e farol alto e ventilador eram acionados por meio de teclas, o Supermini já adotava o padrão de alavancas, oriundas da Volkswagen. Já os comandos de luzes e ventilação interna eram os mesmos do Chevette. Isso ajudava o condutor a se familiarizar mais rápido com o Gurgel.  O toque de luxo ficava por conta do conta-giros e do relógio de horas. Abaixo estava o rádio FM mono e estéreo com toca-fitas, 2 alto-falantes e 2 tweeters no painel.  Por fim um cinzeiro e porta-luvas com tranca. A alavanca de câmbio de quatro marchas em posição elevada facilitava a as trocas.

 Apesar do preço elevado (10.900 dólares), a Gurgel alcançou um relativo sucesso com o Supermini. Até dezembro de 1992 o fabricante de Rio Claro havia faturado mais de 1.500 unidades do modelo. Isso animou a empresa apresentar no salão do automóvel daquele ano mais outro dois projetos: Supermini Plus e o Supercross. O primeiro era uma versão equipada com um teto-solar de lona que abria até a metade do teto. Como diferenciais ainda tinha as rodas de liga-leve Mangels e faróis de neblina. No interior o toque de requinte ficava por conta do volante com aro revestido de madeira e o banco traseiro que corria sobre trilhos para aumentar a capacidade de carga.

O Supercross foi o último protótipo da Gurgel. Era um carro de passeio com itens fora-de-estrada. Figurava numa linha que seria lançada em 1995, com mudanças visuais, sobretudo na traseira. Deixaria de ser um hatch e estaria mais próximo de uma perua, com traseira reta. A versão de luxo se chamaria BR VLX, teria capota de lona com abertura até a metade do teto e rodas de liga leve.

A aparência mais robusta e despojada do modelo seria difundida posteriormente pelas grandes empresas. Mas a Gurgel inspirou-se em sua própria linha de utilitários. Acrescentou rodas cujo diâmetro era maior, pintadas de branco, com pneus de medida 175 tipo cidade/campo, o que aumentou a distância do solo para 17 centímetros. Uma pequena entrada de ar ficava junto ao vidro dianteiro. No teto era fixado um rack. A grossa faixa de proteção lateral, na cor preta, trazia a inscrição Supercross nas portas. O estepe acoplado à traseira tinha uma capa protetora. E de acordo com o material promocional do modelo, a abertura do vidro traseiro seria elétrica.

A Gurgel, atolada em dívidas, abandonou o projeto. A salvação seria um empréstimo, além do lançamento de um novo modelo chamado BR-Delta. Custaria cerca de 5.000 dólares. Seria fabricado em uma nova unidade em Eusébio (CE), que construiria motores, eixos traseiros, caixa de direção, freio e câmbio. Para tanto, a Gurgel havia comprado da Citroën as máquinas desses aparatos. Entretanto, nem a concordata salvou o fabricante. No princípio de 1996, foi considerada falida. Hoje, boa parte dos BR-800 e Supermini ainda é utilizada no dia-a-dia em função da economia de combustível. Mas já estão se tornando peças cobiçadas por colecionadores.