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Fiat Spazio CL, o compacto mineiro que marcou a transição entre o clássico 147 e o moderno Uno


O Fiat Spazio, um modelo 147 com nova frente e um interior modernizado, tinha como novidade o câmbio manual de cinco marchas que primava pela economia de combustível

Por: Anderson Nunes - 16 de abril de 2018

 

 

Pioneirismo sempre foi a palavra-chave para a atuação da Fiat Automóveis aqui no Brasil. Ao aportar em solo brasileiro a fabricante de Turim agitou o mercado, ao instalar-se fora do estado de São Paulo, principal parque automobilístico do país já na época. Sua fábrica foi erguida no município de Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.

 

E o caráter inovador também ficaria evidente na linha de veículos que a Fiat passaria a disponibilizar aqui no Brasil, sendo que o chamariz seria de carros compactos dotados de um amplo espaço interno. Assim em outubro de 1976, no Salão do Automóvel, era apresentado ao público o Fiat 147, modelo derivado do similar italiano 127, lançado em 1971. O Fiat 127 logo de cara arrebatou o título de Carro do Ano, pela imprensa especializada europeia, e em 1975 tornava-se o carro mais vendido no continente, chegando à marca de 500 mil unidades.

Já em terras tupiniquins o Fiat 147 gerou um misto de surpresa e ao mesmo tempo espanto, já que não havia nada parecido por aqui. Com 3,63 metros de comprimento e peso de 800 kg, era menor que o Fusca em quase 40 cm. Sua distância entre-eixos também ficava bem aquém daquela do VW, 2,22 ante 2,40 m. Nas propagandas a Fiat exaltava o aproveitamento de espaço interno ao dizer: enfim, um carrão pequeno. E não era para menos, já que cerca de 80% habitáculo era destinado aos passageiros e bagagem.

INOVAÇÃO TÉCNICA

Se o pequeno tamanho do Fiat 147 chamava a atenção a sua concepção mecânica não deixava por menos. O motor de quatro cilindros de apenas 1.048,8 cm³ de cilindrada vinha em posição transversal, pela primeira vez em um carro nacional, e fornecia potência de 55 cv a 5.800 rpm e torque máximo de 7,8 m.kgf a 3.800. Projetado pelo engenheiro italiano Aurelio Lampredi, que se notabilizou por desenhar motores Ferrari, ele fazia sua estreia no 147: o italiano 127 usava uma antiga unidade de 903 cm³ com comando de válvulas no bloco. Na versão brasileira o comando era alojado no cabeçote (de alumínio) e recebia movimento do virabrequim por meio de uma correia dentada.

Acoplado ao motor havia um câmbio de quatro marchas que permitia ao pequeno Fiat agilidade no trânsito urbano e valentia para encarar uma estrada. Apesar da baixa potência o 147 atingia velocidade máxima de 135 km/h e fazia de 0 a 100 km/h em 19,4 segundos. A economia de combustível era outra característica que chamava atenção do modelo ítalo-brasileiro ainda mais em tempos de crise do petróleo e racionamento de gasolina. E para demonstrar ser o modelo mais econômico do Brasil uma ação de marketing foi feita. Num teste feito pela fábrica na ponte Presidente Costa e Silva, que liga o Rio de Janeiro a Niterói, RJ, o pequeno Fiat precisou de menos de um litro de gasolina para cobrir os 14 quilômetros de extensão.

O Fiat nacional trazia moderna suspensão independente McPherson nas quatro rodas, a dianteira com molas helicoidais e a traseira com feixe transversal de molas semielípticas: era a primeira vez em que se usava esse conceito na parte posterior de um carro nacional. Os pneus radiais, únicos na categoria, vinham em rodas de 13 polegadas. Esse arranjo de suspensão sempre foi algo elogiado pela mídia especializada. A Quatro Rodas escreveu: “O Fiat é bom nas curvas, é o mais estável entre os carros nacionais”.

Mesmo custando mais caro que o Volkswagen Fusca, seu principal oponente, o Fiat aos poucos foi conquistando sua parcela de participação no mercado. Em 1978 ganhava novas versões como a básica (mais simples que a L), GL (mais luxuosa) e a Furgoneta, um furgão com o mesmo formato de carroceria, mas que não tinha os vidros laterais traseiros, o da terceira porta nem o banco de trás.

Como a Fiat é rápida em detectar nichos de mercado, aparecia no final de 1978 o modelo 147 Pickup, a primeira picape derivada de automóvel no Brasil. Tinha o mesmo comprimento do hatch, chamava atenção a pequena tampa da caçamba que abria para o lado, algo replicado recentemente na picape Fiat Toro. A caçamba podia transportar 650 litros, já a capacidade de carga era de cerca de 450 kg. Entre as opções de motores havia o 1,05 e 1,3 litro. A Fiat reinou sozinha nesse segmento durante quatro anos, até que surgisse concorrentes como a Ford Pampa, a VW Saveiro e mais tarde a Chevrolet Chevy 500.

A crise do petróleo desencadeada no começo dos anos de 1970 fez os fabricantes acelerarem o processo de busca para combustíveis alternativos. Para economizar divisas e sermos menos dependentes do petróleo a solução encontrada foi utilizar o álcool anidro como fonte alternativa. A Fiat mais uma vez foi rápida e em 1979 apresentava o 147 movido a álcool, primeiro carro do mundo movido com o combustível derivado da cana de açúcar. O motor de 1.300 cm³ passou por inúmeras modificações, como novo cabeçote que permitia maior taxa de compressão de 12,2:1, carburador com tratamento de níquel para evitar a corrosão, bomba de combustível de maior vazão, velas de grau térmico mais frio e reservatório de gasolina para partida em dias de temperatura mais baixa.

Com essas alterações o pequeno motor de 1,3 litro passou a debitar 70 cv a 5.600 rpm e torque 11,4 m.kgf a 3.000. A velocidade máxima era de 144 km/h ante aos 138 km/h do similar a gasolina e fazia de 0 a 100 km/h em 16,4 segundos contra 20 segundos do motor movido a combustível fóssil. Perdia no consumo com média de 8,71 km/l ante os 12,17 km/l com gasolina.

SPAZIO ENTRE 147 E UNO

No começo de 1980 o Fiat 147 recebeu sua primeira mudança visual. Chamada de Europa trazia uma nova dianteira com capô mais aerodinâmico, grade mais inclinada e os faróis vinham ladeados pelas luzes de direção (junto das luzes de posição: por isso metade era na cor âmbar e metade incolor) e os para-choques de aço davam lugar aos de plástico polipropileno em cinza ou preto, conforme a opção de acabamento.

Novas versões de acabamento chegariam em 1982, denominadas Top e Racing, que substituíam na ordem a GLS e a Rallye. A primeira vinha com painel e volante desenhados pelo estúdio italiano Bertone e opção de ignição eletrônica e teto solar. Já o Racing deixava de lado as faixas pretas, símbolos de esportividade da década de 1970. A versão básica agora se chamava 147 C e, além da frente Europa, recebia para-sol do passageiro e retrovisor interno dia/noite.  

Com oito anos de mercado o Fiat 147 já se mostrava um projeto maduro e a confiança em torno do produto fazia com que a vendas aumentassem de forma gradativa. Ao aproveitar a boa fase do compacto e se esforçando para mantê-lo atrativo até a chegada do futuro carro global, o Fiat Uno, a divisão brasileira lançava em 1983 o Spazio (Espaço em italiano). Versão mais refinada do 147, ele chegava nas versões CL, CLS e a esportiva TR, que substituía o modelo Rallye com estilo mais atraente e importantes evoluções técnicas.

O visual era o destaque, a frente redesenhada adicionava faróis maiores, lentes das setas em novo formato, grade com desenho próximo ao que surgiria no Uno com a nova identidade de cinco barras inclinadas. Na traseira as lanternas tinham um formato mais estreito e vidro traseiro ficava maior, o que privilegiava a visibilidade. Nas laterais vinham largas molduras de plástico (poliuretano) e repetidores de luzes de direção nos para-lamas.

Internamente, chamava a atenção o novo painel todo redesenhado. O quadro de instrumentos tinha dois mostradores grandes, o da esquerda englobava o velocímetro sem hodômetro parcial e o da direita indicador do nível de combustível e termômetro de água, entre eles luzes-espias. Destaque para as luzes de indicador da falta de água do limpador de para-brisa e nível do reservatório de partida a frio. Na parte central havia também novas saídas de ar, novas teclas (não iluminadas) para acionar injetor de gasolina da partida a frio. Comandos de ventilação eram deslizantes e abaixo deles havia o acendedor de cigarros e cinzeiro. Como opcional o retrovisor podia receber ajuste de posição por um comando localizado na lateral da porta.

Outra novidade foi o rebaixamento da coluna de direção em cerca de 3 cm, que reduzia o incômodo volante inclinado (uma característica do projeto criticado desde o lançamento), isso melhorava a posição de guiar e tornava a condução menos cansativa. O volante de direção de quatro raios havia sido desenhado pelo centro de estilo Bertone.  

Grande chamariz da linha Spazio foi a opção do câmbio manual de cinco marchas de relações mais longas para os motores 1,05 e 1,3 litro e que tinha como finalidade reduzir o consumo e o nível de ruído em rodovia. A Fiat optou pelo reescalonamento completo da transmissão em vez de apenas acrescentar uma marcha além da quarta, como fizera a Ford anos antes no Corcel II. A marcha ré agora não tinha mais a necessidade de pressionar a alavanca do câmbio para baixo para engatá-la. Já o pedal de embreagem trazia o sistema de folga zero, que dispensava o ajuste periódico da folga: com o desgaste progressivo do disco o pedal subia em direção ao motorista.

Na linha 1984 o Spazio ganhava faixas laterais plásticas mais largas. Já as rodas ganharam novas calotas e furos para a ventilação. No interior o acabamento podia ser preto ou marrom e para o passageiro da frente foi instalado uma alça de segurança no teto. Por fim no tocante à mecânica o motor de 1,05 litros teve a taxa de compressão elevada, indo de 7,5:1 para 8:1, mantendo os mesmos 52 cv a 5.600 rpm e o torque de 7,8 m.kgf.

Em agosto de 1984 era o Uno, e o mercado recebia um Fiat com linhas avançadas, ótimo espaço interno e o mesmo conjunto mecânico do 147. À medida que o carro começava a fazer sucesso, as vendas do antigo modelo caíam e o fabricante preparava a sucessão. O Spazio saía de linha no final do mesmo ano. O 147 recebia para 1986 a frente do Spazio, conservando os para-choques mais estreitos, e sistema automático de injeção de gasolina para partida a frio.

Em dezembro de 1986 o Fiat 147 despedia-se da linha de produção. No total foram fabricadas 709.230 unidades entre 147 e Spazio (536.591 vendidas no País e 172.639 exportadas). 

SPAZIO DO VIZINHO

O operador logístico Humberto Rodrigues Júnior, 38 anos, de São José dos Campos, é o feliz proprietário do Fiat Spazio CL 1984, bege marroco que ilustra essa reportagem. Humberto nos contou que a sua admiração pelos carros da Fiat começou ainda na infância quando um dos seus tios comprou uma picape 147. “Lembro que a primeira vez que tive contato com um carro da marca italiana foi por intermédio de um tio que havia adquirido uma picape 147. O primeiro carro que eu pude dirigir foi uma Panorama (perua do 147) de um outro tio. Logo tomei gosto pela Fiat”, explicou.

Seu primeiro carro foi um Fiat 147 com a dianteira batiza da Europa ano 1982. Esse carro teve uma passagem relâmpago em sua vida, pois apresentava alguns problemas e três semanas depois acabou vendendo. “Comprei o 147 por R$ 800 e consegui repassá-lo por R$ 1.600”, disse sorridente.

O Spazio CL 1984 que ilustra essa reportagem já era um velho conhecido de Humberto Júnior há tempos. O carro pertencia a uma senhora que morava a poucas quadras da casa do operador logístico e que sempre o via passar bem no horário em que ia pegar o ônibus para ir ao trabalho. “Esse Fiat Spazio acabou por entrar em minha rotina de vida já que ele passava todos os dias e nos mesmos horários próximo ao ponto em que eu aguardava o ônibus para ir ao trabalho. Descobri a residência da proprietária ao acaso quando o marido dela limpava o interior do carro”, contou Júnior.

No início de 2006 vem a grande a notícia, Humberto Júnior soube que a dona do Spazio havia colocado o modelo à venda. Era a chance de arrematar o carrinho que tanto tempo o jovem admirava. “Assim que soube que o Spazio estava à venda a proprietária disse que seu irmão estava interessado em comprá-lo para deixar com a filha para usar como meio de transporte para ir a faculdade. Logo depois seu irmão desistiu da compra e foi me oferecido. Arremetei na hora o Spazio”, disse sorridente.

Na época Júnior pagou a bagatela de R$3.700,00 e precisou fazer alguns pequenos reparos como consertar uma pequena ferrugem no para-lama. Porém, o Humberto Júnior salienta a dificuldade de encontrar peças para a linha Fiat mais antiga. “Peças para os modelos mais antigos da Fiat como o 147 e o Spazio, que foi fabricado por pouco tempo, são muito raras de encontrar-se, por isso quando achá-las compre”, salienta.

Na opinião de Júnior o Fiat Spazio é um carro agradável mesmo tendo 34 anos de fabricação. “No geral o pequeno Fiat agrada, tem uma tocada agradável é ágil para o trânsito conturbado das cidades. Embora o motor seja de apenas 1,3 litro anda bem e mesmo sendo movido a álcool consigo médias de 12 km/h”,  explica.