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Com o modelo 1800 a Dodge quis mostrar que sabia fazer carros menores


Com o Dodge 1800 a Chrysler quis a abocanhar uma fatia do segmento de carros médios, mas problemas de qualidade afetaram a imagem do modelo em seus primeiros anos

Por: Anderson Nunes - 11 de novembro de 2014

Embora compacto, os traços trazem influências dos carros maiores da marca, a cor amarela colabora para o “Dodginho” inspirar esportividadeNo início dos anos 70, a dupla Dodge Dart e Charger abrilhantava o “pentastar” da Chrysler no Brasil, afinal as vendas estavam em alta e ambos os modelos eram os queridinhos daquela geração. Porém só isso não bastava. Desde sua chegada ao país a empresa já tinha em pauta um plano para aumentar a sua cota de mercado.

Vale ressaltar que no começo da década de 70 os fabricantes começaram a voltar os olhos para o segmento dos veículos médio-pequenos, e quem dominava com folga era a Ford com o Corcel. De olho nesse filão a Chrysler começou os estudos para competir nesse lucrativo mercado.

Para desenvolver seu “caçula”, a Chrysler não precisou ir muito longe: a filial argentina, Chrysler-Fevre produzia no país vizinho desde 1971, o Dodge 1500, um sedã de quatro portas e tração traseira, era a receita ideal para o mercado brasileiro. Sua origem remonta ao modelo Avenger, lançado em 1969 na Inglaterra pela Hillman, marca do grupo Chrysler, que também incluía a Singer, a Sunbeam e a Commer.

Logotipo da fabricante no capô /  1.8 e quase oitenta cavalos, nada mauO Avenger estava disponível na Europa em versões de duas e quatro portas bem como perua de quatro portas. O visual era simples e agradável, com formas arredondadas, faróis retangulares (nas versões básicas) ou quatro redondos (no esportivo), lanternas traseiras em forma de “L” e o curioso detalhe do bocal do tanque de combustível próximo a lanterna traseira direita.

Pára-brisa curvo, em harmonia com a carroceria

Na parte mecânica trazia motores de 1250 cm³ ou 1500 cm³, com comando de válvulas no bloco, acoplados ao câmbio de quatro marchas, tração traseira com suspensão por eixo rígido.

Em 1976, a marca Hillman é extinta e a sua produção era transferida para a Escócia. Lá o modelo recebia novos faróis retangulares, lanternas traseiras em posição horizontal e o emblema da Chrysler na grade. Três anos mais tarde, a unidade inglesa da marca americana era absorvida pela Peugeot e o Avenger trocava outra vez da marca -- agora Talbot --, saindo de linha em 1981.

O Hillman Avenger também foi vendido nos Estados Unidos a partir de 1971. No mercado estadunidense foi rebatizado como o Plymouth Cricket, mas as queixas de ferrugem, mecânica pouco confiável, além de apatia para carros pequenos entre os compradores norte-americanos decretaram o fim do modelo depois de apenas dois anos de mercado.

Simplicidade e elegância / Detalhe do bocal de abastecimento

Quatro faróis, uma característica da Dodge / Cromados e curvas na medida certaJá na Argentina o modelo teve obteve mais sucesso ficando em linha entre 1971 e 1990. No país portenho, trazia inicialmente motor de 1,5 litro que desenvolvia 72 cv. Uma versão 1,8 litro estava disponível em 1974, e trazia a opção de câmbio automático de quatro marchas. Nossos hermanos tiveram também a escolha da versão perua batizada de Rural. Curioso era o modelo esportivo 1500 GT-100, apesar de utilizar o motor 1,8 litro, era alimentado por dois carburadores SU e coletor de admissão de alto desempenho que debitava 105 cv. Após a compra da divisão da Chrysler Argentina pela Volkswagen o modelo foi batizado de Volkswagen 1500, ganhando câmbio de cinco marchas e opção de ar-condicionado. 

Pequenos detalhes fazem a diferença / Rádio original

Interior com ótimo acabamento para a épocaPEQUENO GRANDE CARRO DA CHRYSLER
Os estudos para viabilizar a produção do novo Dodge no Brasil começaram em meados de 1971. A Chrysler trouxe ao país três unidades do Hillman Avenger inglês e outro dois modelos Dodge 1500 da Argentina. Para o Brasil ficou decidido que só seria oferecida a versão de duas portas uma preferência dos consumidores naquele tempo.

Após pesquisas de mercado a Chrysler efetuou pequenas mudanças estéticas na lateral traseira, próximo a coluna C. A versão brasileira ganhou uma pequena saída de ar próximo ao vidro e o caimento da vigia traseira era mais reto. Acabou por se tornar uma exclusividade do modelo Made in Brazil. 

Outra mudança ocorreu na parte mecânica. Durantes os testes de rodagem os modelos argentinos apresentaram problemas mecânicos devido a gasolina comum brasileira daquele tempo, de apenas 87 octanas RON, que obrigava a redução da taxa de compressão e consequentemente perda de potência. O motor argentino de 1,5 litro desenvolvia 72 cv com taxa de compressão de 9,2;1. Com uma taxa de compressão menor o desempenho seria sofrível para um veículo de 930 kg.

Assim a engenharia da Chrysler resolveu criar um motor maior de 1,8 litro como forma de compensar a menor potência especifica, já que o propulsor teria uma taxa de compressão baixa. O trem de força original de 1.498 cm³ manteve o diâmetro dos cilindros de 86 mm, mas o curso dos pistões aumentou de 64 mm para 77 mm, resultando na cilindrada de 1.799 cm³. A taxa de compressão era baixa, de apenas 7,7:1, o que resultava em um potência de 78 cv a 5.000 mil rpm, e torque de 13,4 m.kgf a 3.500 rpm.

Pequeno motor quatro cilindros com potência considerável para a época / Disposição curiosa do carburador SU horizontalApós exaustivos testes a Chrysler segundo seu entendimento estava apta a apresentar o seu modelo médio-pequeno. O palco escolhido foi o 8° Salão do Automóvel, em 1972. Lá foi feita a estreia do Dodge 1800, que acabou sendo apelidado de “Dodginho”.

Porém seu lançamento oficial só ocorreu em 2 de abril do ano seguinte. Outros dois concorrentes do Dodge 1800 seriam lançados na sequencia, eram o Chevrolet Chevette e Volkswagen Brasilia. Pelo menos em teoria, o modelo estava fadado ao sucesso. Afinal, nenhum outro carro da categoria reunia tantas qualidades como era apregoado nos anúncios: motor de sobra, tamanho “maior por dentro que por fora”, soluções inéditas de segurança, porta-malas generoso e um desenho de concepção atual. Porém no intuito de ser a primeira a lançar um novo veículo algo foi deixado de lado: a qualidade.

IMAGEM RETRABALHADA
Assim que chegou às concessionárias o Dodge 1800 atraiu uma boa parcela de curiosos para conhecê-lo, afinal a Chrysler era até então conhecida pelos grandes sedãs e cupês equipados com potentes motores V8. O “Dodginho” tinha dimensões coerentes com a proposta que visava concorrer. Media 4,15 metros de comprimento e apresentava entre-eixos de 2,49 metros. O interior podia transportar com relativo conforto quatro ocupantes e o porta-malas tinha capacidade para 400 litros.

Painel simples e funcional / Ausência do retrovisor do lado direito, comum na épocaNum tempo que a palavra segurança era pouca utilizada o Dodge 1800 trazia um bom arranjo de iluminação, graças aos quatro faróis circulares em esquema de dois baixos e quatro altos. Outra boa novidade era o espelho retrovisor interno fixado no vidro do para-brisa. As maçanetas externas e internas, além dos pinos de travar as portas eram embutidas o que diminuía o risco de lesões em caso de batidas.

Porém todas essas boas características foram colocadas de lado quando os primeiros carros começaram a chegar às ruas. Problemas de montagem permitiam a entrada de água e pó no interior, em alguns modelos os vidros ficavam soltos. Na parte mecânica havia ruído na caixa de direção, câmbio de engates frágeis e ruidosos, além de alto consumo de combustível. Até mesmo o desempenho ficou abalado pelo uso de carburador horizontal Solex 32. Com essa receita o Dodginho demorava longos 20,3 segundos para ir de 0 a 100 km/h e o ponteiro do velocímetro travava em 140 km/h. A revista QUATRO RODAS, dizia em seu no primeiro teste com o 1800: “Na estrada, consegue-se ultrapassar com alguma facilidade um Fuscão. Mas a coisa fica mais difícil se o ‘adversário’ for um Corcel com motor 1400 ou um TL (modelo VW que tinha motor 1600)”.

Forração sóbria e detalhe da trava de porta sem “pino” Para evitar uma possível rejeição do modelo e uma baixa nas vendas a Chrysler resolveu recuperar a imagem do 1800, introduzindo melhorias mecânicas e efetuou  a “operação garantia total”, em que reparava defeitos em garantia para reconquistar os clientes insatisfeitos.

Em abril de 1974 surgia o 1800 SE, uma versão mais esportiva: tinha a parte inferior da carroceria em preto-fosco e as rodas eram pintadas no mesmo tom da carroceria. Por dentro, o revestimento dos bancos era xadrez e o volante mais esportivo, de três raios. O motor ganhava um pouco de potência indo para 82 cv e torque de 14,5 m.kgf, com o novo  carburador SU de ventúri regulável, mas o desempenho pouco melhorava, sendo insatisfatório para uma versão esportiva. Após sete meses de produção a Chrysler assinalava 10 mil unidades do Dodge 1800.

Para atrair uma parcela maior de clientes a Chrysler resolveu criar uma versão mais simples, batizada simplesmente de “1800” para a linha 1975, é justamente o modelo que ilustra nossa reportagem. Visualmente não havia frisos cromados em torno dos vidros e carroceria, a grade era pintada em cinza fosco, bem como as rodas. Trazia um pequeno emblema retangular escrito “1800” nos para-lamas dianteiros e o nome “Dodge” vinha fixado do lado direito da tampa do porta-malas.

Internamente o painel era todo preto, não havia as bolsas elásticas nas laterais das portas, foi abolido console central e assoalho era revestido com um tapete borracha. O único luxo disponível era o rádio.

Quanto a parte mecânica vale uma curiosidade. Como os Dodge 1800 utilizavam carburadores importados da marca SU em 1974, os funcionários da fábrica na Inglaterra fizeram uma longa greve e isso afetou a linha de produção da Chrysler aqui no Brasil. Para contornar a situação foi decidido substituir os carburadores SU pelos japoneses da Hitachi de 36 mm que eram uma cópia fiel aos modelos ingleses de venturi variável e que tinha até o mesmo encaixe no coletor do 1800 (o cabo do acelerador é igual). Por este motivo todos os Dodginhos fabricados em 1975 só saíram com carburador Hitachi, mantendo os mesmos 82 cv.

Nesse período a Chrysler já fazia uma grande pesquisa de mercado junto aos consumidores que possuíam o Dodge 1800 para que eles opinassem sobre os defeitos do carro e o que poderia ser melhorado. Dessa análise e o esforço para reerguer a imagem do seu modelo médio-pequeno o fabricante recorreu a mudança de nomenclatura do 1800.

Em 1976, o modelo foi rebatizado de Polara, nome utilizado em um modelo de porte grande vendido em mercados como Estados Unidos e Argentina. A publicidade o apresentava como “o carro que respeitou a opinião pública”, assinalando possíveis sugestões de compradores por menor consumo, motor mais possante, interior mais luxuoso. Esse segundo momento do pequeno Chrysler contaremos nas próximas edições.

Painel simples e elegante, semelhante aos utilizados nos Dart e ChargerRARIDADE PRESERVADA
O comerciante taubateano João Henrique Fusco já esteve presentes nas páginas do jornal Oficina Brasil na edição de número 282, quando seu Dodge Dart de Luxo 1972 ilustrou a seção Fundo do Baú. 

Admirador de longa data dos carros feitos pela Chrysler do Brasil, João Henrique além do Dart também possui um Dodge 1800 1974 Luxo, além do modelo 1800 1975 Standard que é abordado nesse artigo. O comerciante nos contou que esse Dodge 1800 foi encontrado em um anúncio na internet. “Quando entrei em contato para negociá-lo, o vendedor me informou que havia acabado de vendê-lo. Para minha surpresa, o comprador foi um grande amigo da cidade do Rio de Janeiro”, disse Fusco.

Traseira elevada com cantos arredondados marcou várias gerações / Rodas estampadas, simples, bonitas e levesMeses depois, João Henrique recebeu uma ligação desse amigo, dizendo que precisaria vender o D-1800 Standart e que ele seria o comprador. Após dois dias de conversa o negócio foi concretizado. O veículo, que estava em perfeito estado não precisou passar por restauro. O interior está original. Foi somente necessário pintar as rodas, pois já apresentavam marcas dos seus 39 anos de uso. 

O único problema especifico desse modelo de 1975 é no acabamento. “O ponto fraco desse modelo Standard especificamente, é a forração dos bancos, pois a parte listrada é exclusiva do modelo e não há nada parecido no mercado de reposição”, salienta João Henrique.

Traseira alta reforça identidade esportivaAgradecimento: S.E. Veículos, Taubaté.